É possível falar-se da Tragédia dos Custos na Iatrogenia Penal?

22/06/2015

Iatrogenia é uma noção estranha ao Direito Penal e que, por isso mesmo pode nos auxiliar a compreender o efeito colateral de uma ação para além dos fins pretendidos. Significa, nas palavras de Taleb “danos de um tratamento que excedem os benefícios[1]. Correndo os riscos de metaforizar a temática, sem cair na aproximação da sociedade ao corpo biológico, mas especificamente nas ações e omissões que implicam efeitos nocivos, não queridos, diante da conduta praticada, falaremos de sua convocação ao campo penal. Assim, na Medicina, mesmo o atuar de forma correta, dentro dos protocolos, pode gerar danos em pessoas sadias ou doentes, sendo controversa a possibilidade de responsabilidade civil[i], até porque muitos são necessários (radioterapia, quimioterapia, etc.). Os danos podem ou não ser presumíveis, inesperados e controláveis, no risco permitido, inerentes aos procedimentos médicos.

No campo do Direito Penal os movimentos de recrudescimento do sistema penal, aumento das penas, redução da idade penal, podem significar, justamente modalidade de Iatrogenia econômica, via Tragédia dos Comuns. Isto porque o aumento das penas, a redução da idade penal, a criminalização do cotidiano (como quer o projeto do novo Código Penal), implicarão no aumento absurdo do custo de implementação da política pública, cuja finalidade seria conferir, aparentemente, mais segurança. A redução da Idade Penal para 16 anos, por exemplo, exigiria, imediatamente, a criação de locais para adolescentes.

A história recente da criminalização em massa demonstra que as finalidades buscadas não são alcançadas e que se trata de uma forma de populismo do medo (Alexandre Bizzoto), já que o encarceramento massivo acontecido no Brasil na década de 90 em diante, de fato, pouco significou na redução da violência, dado, especialmente o efeito da criminalização da pobreza e a espetacularização da prisão dos vips. Aposta-se na prisão como lenitivo da sociedade, como se fosse o “penazil”, ou seja, a panaceia da contenção da violência. Se o aumento da pena fosse a solução, de fato, a Lei de Crimes Hediondos teria resolvido a situação, tendo se demonstrado um placebo. Os viciados em punição poderão dizer que as penas devem ser maiores, não enxergando que entraram na adição da pena (aqui), próprio do efeito Halo (aqui).

De maneira objetiva, então, podemos reconhecer que o sistema penal está lotado, sem capacidade de acolhimento de todos que se pretende inserir no regime de cumprimento de pena (aqui). Vale a pena conferir o parecer do Professor Juarez Tavares sobre a temática (aqui). Como Penitenciárias e Presídios não dão em árvores, surge imediatamente o discurso de privatização. A questão não dita é que os ônus da privatização recairão sobre todos os contribuintes e que um preso, no Brasil, custa, por ano, mais de 30 mil reais, conforme já afirmado: “Segundo dados do Tribunal de Contas de Santa Catarina (aqui), em 2012, cada preso custava ao mês, para o contribuinte, no regime de autogestão, R$ 1.649,03, enquanto no regime de cogestão, R$ 3.010,92. Assim é que a manutenção de uma pessoa presa em Santa Catarina, por ano, não sairá por menos de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Além da existência de diversos problemas, dentre eles a superlotação, violações de Direitos, o que resta apontar é que uma simples condenação por tráfico, muitas vezes do “mula”, por cinco anos, custará R$ 100.000,00 (cem mil reais). O Ministro do STF, Ricardo Lewandowisk, em artigo publicado na Folha de São Paulo (aqui), afirma que cada preso não sairá por menos de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) ao mês. Assim, um ano de prisão custará R$30.000,00 (trinta mil reais). A primeira ilusão é a da privatização. Na verdade, privatizar é um negócio milionário e que conta com o apoio dos departamentos de marketing de quem lucra com as prisões, basta ler Loic Wacquant, falando dos EUA: “o aprisionamento com fins lucrativos reaparecerá a partir de 1983, açambarcando, rapidamente, a décima segunda parte do “mercado” nacional, ou seja, cerca de 150.000 detentos, três vezes a população penitenciária da França. Tais empresas, cotadas em bolsa de valores, propalam taxas recordes de crescimento e de lucro. A “nova economia” americana, não é apenas a da internet e a das tecnologias de informação: é também, a que industrializa o castigo. A título de ilustração, vale lembrar que as prisões do Estado da Califórnia empregam duas vezes mais pessoas do que a Microsoft…” (aqui). Além do que, pelos dados, cada ano de preso custaria, em Santa Catarina, R$36.000 (trinta e seis mil reais). E nós pagamos. É um verdadeiro paradoxo, dado que se ilude a população com um direito penal máximo e apaziguador, quando na verdade, a prisão não atende mais aos anseios que se pretende, bem assim significa um novo mercado para quem lucra, inclusive com o Processo Penal do Espetáculo (Rubens Casara). A manipulação da opinião pública (na falta de outro conceito) e do aparato de Segurança Pública/ Judiciário, faz com que tenhamos hoje a terceira população carcerária do mundo, com pífios resultados. E o custo é brutal.” (aqui).

Daí que a iatrogenia penal se manifesta justamente pela pretensão de salvar a Sociedade aplicando a pena como se pudesse melhorar as condições de convivência, desconsiderando-se que sua eficácia é indemonstrada e que os efeitos deletérios no orçamento coletivo são maiores do que os resultados que promete implementar. Desta forma, a ineficiência do sistema penal, por todas iniciativas de recrudescimento, mostra-se como uma faceta da iatrogenia penal em que os custos de sua implementação serão sentidos por todos nós, com resultados pífios, como demostra quem se dedica a se informar para além do Jornal Nacional. Caminhamos a passos largos para o fim trágico dos custos do Sistema Penitenciário, já que esperados e controláveis, enquanto alguns poucos que financiam os políticos de ocasião (aqui) sorriem com a manipulação de todos os dias.

Mas você pode sorrir porque está sendo, também, manipulado via esta armadilha cognitiva da Iatrogenia penal. A diferença é que podemos nos dar conta e dizer não!

Notas e Referências

[1] TALEB, Nassim Nicholas. Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos. Trad. Eduardo Rieche. Rio de Janeiro: Best Seller, 2014, p. 148.

[i] CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Iatrogenia e Erro Médico sob o enfoque da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Contando Dinheiro // Foto de: Jeff Belmonte // Sem alterações

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