TEA e slow medicine

22/01/2024

É notório o aumento dos diagnósticos de pessoas com Transtorno do Espectro Autista – TEA[1]. No plano judicial os números também são refletidos[2].

Não há dúvida sobre os direitos das pessoas com TEA.

Nestes casos, o diagnóstico precoce é importante para evitar danos.

De outro lado, o diagnóstico precipitado é perigoso porque pode provocar prejuízos à saúde e abalo psicológico nas famílias.

Em evento promovido pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ relatou-se caso de criança que foi diagnosticada com TEA e que recebeu prescrição para mais de oitenta (oitenta) horas semanais de atividades multiprofissionais.[3]

Tal relato, entre outros, chama atenção para possível mercantilização do tema. Isto é perigoso porque a saúde das pessoas não pode ser objeto de exploração comercial.

Assim, é sempre importante falar em slow medicine: “é um movimento que propõe uma mudança na forma de exercício da medicina. É a medicina sem pressa, em que se busca maior contato com o paciente. É a medicina centrada na pessoa e não a medicina centrada na doença.”[4]

A lição de Bobbio é sempre atual:

O fato é que os critérios diagnósticos foram estendidos a ponto de se prescrever medicamentos até para crianças que falam em excesso, que não escutam as recomendações, que não se lembram do que estudaram: em suma, que incomodam. O desempenho dos pais, que devem fazer carreira, ganhar muito, ter uma casa perfeita, seguir as tendências da moda, dedicar algum tempo para cuidar do próprio corpo, não pode ser colocado em risco por um molequinho que tem seu próprio ritmo de crescimento e aprendizagem ou que teria necessidade de brincar ao ar livre em vez de ficar em casa grudado em videogames. A paciência para suportar uma criança muito ativa não existe mais: melhor um remédio para sedá-la. [...] qualquer criança que antigamente as professoras definiam como ‘um pouco travessa’ se torna um doente a ser tratado. O mal-estar é retirado com um remédio e nos convencemos, desde pequenos, que para cada sintoma existe um tratamento.[5]

E ainda: “Acredito que o cerne do problema não esteja em criar uma dicotomia entre doenças e não doenças, mas em encontrar um limite para o tratamento e para evitar que a medicina entre com prepotência na vida cotidiana, dando a ilusão de que pode resolver todos os problemas.”[6]

Neste sentido, merecem ser lembrados os princípios da prevenção e da precaução em saúde[7]. Ou seja, é preciso muita cautela diante da dúvida sobre diagnóstico ou sobre determinadas terapias ainda não consagradas, principalmente quando se trata de crianças.

O papel do direito da saúde é proteger as pessoas, razão pela qual cabe ao Estado e à sociedade encontrar as melhores soluções para evitar excessos e omissões.

 

Notas e referências

[1]     SCHULZE, Clenio Jair. Terapias especiais e a jurisprudência. Empório do direito. 11 Dez. 2023. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/terapias-especiais-e-a-jurisprudencia. Acesso em 20 Jan. 2024.

[2]     SCHULZE, Clenio Jair. Judiciário e as crianças com TEA. Empório do direito. 20 Nov. 2023. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/judiciario-e-as-criancas-com-tea. Acesso em 20 Jan. 2024.

[3]     BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. II Congresso Nacional do FONAJUS. 23 Nov. 2023. Disponível em: https://youtu.be/B8Hq0Wiky34. Acesso em: 20 Jan. 2024.

[4]     SCHULZE, Clenio Jair. Slow medicine e slow judicial review. Empório do direito. 26 Dez. 2016. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/slow-medicine-e-slow-judicial-review-por-clenio-jair-schulze. Acesso em: 20 Jan. 2024.

[5]     BOBBIO, Marco. O doente imaginado: os riscos de uma medicina sem limites. Tradução Mônica Gonçalves. São Paulo: Bamboo Editorial, 2016. pp 168/170. Título original: Il Malato Immaginato.

[6]     BOBBIO, Marco. O doente imaginado: os riscos de uma medicina sem limites. Tradução Mônica Gonçalves. São Paulo: Bamboo Editorial, 2016, p. 167. Título original: Il Malato Immaginato.

[7]     SCHULZE, Clenio Jair. Prevenção e precaução no direito e na judicialização da saúde. Empório do direito. 07 Ago. 2017. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/prevencao-de-precaucao-no-direito-e-na-judicializacao-da-saude-por-clenio-jair-schulze. Acesso em: 20 Jan. 2024.

 

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