Prevenção de precaução no Direito e na Judicialização da Saúde – Por Clenio Jair Schulze

07/08/2017

Os princípios da prevenção e da precaução são costumeiramente estudos no Direito Ambiental e indicam que os danos ambientais devem ser evitados, seja porque há certeza ou maior probabilidade da sua ocorrência (precaução), ou mesmo na hipótese de incerteza de dano[1].

A proteção da segurança é indispensável no Estado Constitucional Democrático e, diante da sociedade de risco[2], os princípios da prevenção e da precaução também devem ser aplicados no Direito à Saúde e na Judicialização da Saúde.

É que as tecnologias em saúde não se podem ser utilizadas imprudentemente, sem a proteção e a cautela necessárias.

Basta ver os exemplos da talidomida (prescrito para mulheres grávidas para evitar enjôos e que causou má formação em milhares de fetos)[3] e do rofecocibe - Vioxx (indicado para tratar artrite e que aumentou o risco de ataques cardíacos ou acidentes vasculares cerebrais).

Por isso que a aprovação e a incorporação de novas tecnologias em Saúde dependem de rigorosa análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias – CONITEC.

Prevenção e precaução também são grandes fundamentos que fixam restrição a tratamentos experimentais, pois ainda não possuem demonstração do sucesso e de utilidade ao usuário. Evita-se, assim, prejuízo ao próprio paciente interessado.

Os dois princípios devem ser lembrados também em diagnósticos médicos e no âmbito da assistência farmacêutica. Conforme lembra Bricks: “Em estudo realizado na cidade de São Paulo, verificamos que 68% dos antibióticos prescritos para crianças menores de sete anos com infecções respiratórias agudas eram inadequados”[4].

De outro lado, os aludidos princípios não podem ser aplicados indiscriminadamente, sob pena de impedir o avanço de novas tecnologias.

Marco Bobbio sustenta que há riscos na adoção de medidas exageradas de prevenção e precaução[5]. O caso da mastectomia preventiva da atriz Angelina Jolie, por exemplo, pode fomentar aumento do número de procedimentos no mundo, e muitos deles podem não estar recomendados à luz das melhores evidências científicas.

Outro aspecto interessante é aquele que trata dos limites da Medicina. Tal ciência não pode alterar a natureza das coisas. Há casos que não serão solucionados. E doenças que não serão curadas. Bobbio enuncia com precisão: 

“Acredito que o cerne do problema não esteja em criar uma dicotomia entre doenças e não doenças, mas em encontrar um limite para o tratamento e para evitar que a medicina entre com prepotência na vida cotidiana, dando a ilusão de que pode resolver todos os problemas.”[6]

Desta forma, é preciso reconhecer que os princípios de prevenção e da precaução são aplicáveis sempre que houver um risco inerente à atividade e à pesquisa na área da saúde, a fim de proteger adequadamente a população.


Notas e Referências:

[1] A legislação prevê várias as referências aos princípios da prevenção e precaução, destacando-se, entre outros, o artigo 15 da Declaração Rio-92 (De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental); o artigo 3º, item 3 da Convenção sobre Mudança do Clima e o artigo 1º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005).

[2]  Beck, Baumann, Giddens.

[3] “Era um caso clássico de priorização de lucro, e não dos pacientes. Não importava quão seriamente malformadas eram as crianças nem quantas eram, contanto que a empresa conseguisse antes os relatórios secretos.” (GOTZSCHE, Peter. Medicamentos mortais e crime organizado: como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica. Tradução Ananyr Porto Fajardo. Porto Alegre: Bookman, 2016, p. 50. Título original: Deadly medicines and organised crime: how big pharma has corrupted healthcare.

[4] BRICKS, Lúcia Ferro. Uso judicioso de medicamentos em crianças. Jornal de Pediatria. Vol.79, Supl.1, 2003, p. 108.

[5] BOBBIO, Marco. O doente imaginado: os riscos de uma medicina sem limites. Tradução Mônica Gonçalves. São Paulo: Bamboo Editorial, 2016, p. 126. Título original: Il Malato Immaginato.

[6] BOBBIO, Marco. O doente imaginado: os riscos de uma medicina sem limites. Tradução Mônica Gonçalves. São Paulo: Bamboo Editorial, 2016, p. 167. Título original: Il Malato Immaginato.


 

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