Fale sobre como escolheu o Direito e sobre sua trajetória profissional.
Cheguei ao Direito por vias tortas. Na verdade, o curso de Direito da Faculdade de Direito da antiga FADISA – Faculdade de Direito de Santo Ângelo -, hoje IESA – Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo -, na minha época de vestibulando quando eu tinha dezesseis anos de idade, era considerado um dos melhores cursos existentes na minha cidade. Como eu era menor estagiário do Banco do Brasil - onde ingressei com quatorze anos, e tendo sido aprovado com dezesseis anos no concurso interno, o que me levaria a tornar-se funcionário efetivo do banco aos dezoito anos -, ou se fazia Direito ou Administração de Empresas ou, ainda, Ciências Contábeis. As duas últimas não me interessavam; o Direito, por sua vez, poderia abrir-me portas, mas não era algo que eu desejasse assim de maneira tão intensa, digamos. Na época, não havia muitas opções na minha cidade. Ou um curso ou outro. Como funcionário do Banco do Brasil, eu trabalhava no CESEC – Centro de Processamento de Serviços e Comunicações -, lidando com programação de computadores. Ou seja, nada a ver com o Direito. Trabalhava com mais alguns colegas no setor de Informática do CESEC criando programas de computador – o Banco do Brasil ainda estava num estágio embrionário de informatização – que dali saíam para serem utilizados no Estado e também no país, nas agências e demais órgãos do Banco. Foi uma experiência importantíssima. Hoje, sei ligar e desligar o computador, e, claro, digitar alguma coisa, mas quero distância de softwares e hardwares. Ou seja, não mais faz parte da minha rotina ocupar-se com computação. Na época era o que eu gostava. Por isso o Direito não me interessava tanto. O Direito, na verdade, bateu na minha porta após a formatura em 1993. Claro que, durante a graduação, eu gostava de algumas disciplinas – aquelas ministradas por bons professores -, mas não era um apaixonado pelo Direito. Como, porém, em 1994, surgiu a oportunidade de ser aluno numa extensão do curso da Escola da AJURIS em Santo Ângelo, e, posteriormente, realizar uma pós-graduação lato sensu, passei a me dedicar mais ao Direito e, em razão da qualidade dos professores com quem mantive contato após a conclusão do curso, em especial a pós-graduação, passei a gostar mais e mais do Direito. Tive bons, ótimos professores. Dentre eles posso citar, por exemplo, o saudoso Prof. Luiz Luisi – que também fora meu professor na Graduação, justamente em Filosofia do Direito -, o Prof. Lenio Luiz Streck – que, depois, foi meu professor na Escola do Ministério Público e no Doutorado da UNISINOS, orientando, inclusive, a minha tese –, o Prof. Nei Fayet e tantos outros. No final do ano de 1995 – havia me formado anteriormente, em 1993, com 21 anos de idade – resolvi pedir transferência para Porto Alegre, saindo do Núcleo Jurídico do Banco do Brasil em Santo Ângelo – onde secretariava os advogados, com quem aprendi muito - e indo para a AJURE, que era a Assessoria Regional do Banco. Minha intenção era ir a Porto Alegre para trabalhar e estudar, pois não havia esse negócio de ensino à distância e as coisas eram bem menos fáceis do que hoje. Havia outro problema que era o fato de estar em casa, com os pais, acomodado. E havia outro, que eram os amigos. Quem vive no interior sabe que, para reunir vinte pessoas em cinco minutos para comer uma carne e tomar uma cerveja, é só dar uma ligadinha no telefone. E isso, embora seja muito bom, não leva a que se possam alcançar metas mais difíceis. E o concurso para Magistrado é uma delas. Não há como passar num concurso estando rodeado de amigos e fazendo festa a todo o momento. Então, fui embora de Santo Ângelo, deixando pais, irmã, amigos. Chegando em Porto Alegre, aquela cidade de prédios altos, frios, de forte movimento nas ruas, de quase banalização da miséria dormida embaixo dos viadutos, agora longe da família e dos que me eram mais caros, minha vida mudou. E para melhor, ao menos do ponto de vista profissional. Em alguns meses, aprovado em primeiro lugar na seleção interna realizada pela AJURE, tornei-me advogado do Banco. Segui estudando e, em 1998, na metade do ano, passei, então, no Concurso para a Magistratura do Rio Grande do Sul, assumindo como Juiz de Direito na Comarca de Tucunduva em dezembro do mesmo ano. Como senti, como já sentia antes como advogado, que a práxis do Direito era muito pobre, vi que estava me faltando algo mais. Então, em 1999, fui fazer o Mestrado em Direito (UFSC), posteriormente ingressando no Doutorado em Direito da UNISINOS. Em 2005, defendi a tese, orientada pelo Professor Lenio, e, alguns anos depois, em 2011, fui fazer o Pós-Doutorado com o Professor Manuel Atienza lá em Alicante, na Espanha. Lá encontrei o Alexandre Morais da Rosa, que em 2005 havia participado da minha banca do Doutorado e com quem eu por vezes mantinha contato acadêmico. O Alexandre, de quem sou devedor e que é um amigo por quem tenho alta consideração e estima, além de ser um cara brilhante do ponto de vista da Academia, foi superimportante na indicação de uma obra do Professor Atienza voltada para a teoria da legislação, que acabou influenciando meu trabalho de pós-doutorado. Voltando ao Brasil em 2012, já vim promovido para Santa Rosa, onde estou jurisdicionando desde março de 2012. Some-se a isso tudo uma experiência como Professor de Direito que já conta com quase dezoito anos. Além da Universidade, fui Professor durante alguns anos nas Escolas da Ajuris e do Ministério Público, abrindo mão, no entanto, de ensinar nestes cursos preparatórios para me dedicar mais à pós-graduação, à vida acadêmica. Daí os artigos, livros, palestras e todo o resto.
Qual a proposta do livro "A Índole Filosófica do Direito", publicado recentemente pela Editora Empório do Direito?
A proposta da “A índole filosófica do Direito” é demonstrar, em especial para os alunos da Graduação, que a Filosofia não é nem um mistério, mas que realmente importa e serve de condição de possibilidade para se pensar o Direito. Não há como não fazer Filosofia. Como ensina Martin Heidegger, e como sintetizo no livro, nós desde já sempre filosofamos num movimento que vem de dentro. Então, a Filosofia já está conosco. Ela “dorme” conosco. O que temos de fazer, diz Heidegger, é coloca-la em movimento. É isso que procuro demonstrar, propondo, como faz o Mestre Lenio, uma Filosofia no Direito, e não uma Filosofia do Direito, pois a Filosofia não é um apêndice do Direito, mas sua condição de possibilidade. O jurista que sabe disso não trata a Filosofia como um enfeite, como um adorno, mas como o fundamento de todo o questionamento científico-jurídico. Ela é questionamento dos pressupostos. E é inerente a nós, que somos finitos. Ela é a possibilidade de um ente finito porque Deus não filosofa. Se assim fosse, não seria Deus. No Direito, a Filosofia, em especial a Filosofia Hermenêutica (ou Hermenêutica Filosófica), aqui entendida não num sentido de meta-teoria, mas como condição de possibilidades, fornece as bases, o fundamento para a discussão e a argumentação moral, pois o Direito, embora se distinga da moral, dela é cooriginário, como ensinam filósofos do Direito do porte de um Ronald Dworkin, e sociólogos da estirpe de um Jürgen Habermas. A fenomenologia, nesse sentido, é o “método” – embora, paradoxalmente, não possa ser considerado método - que permite, possibilita o acesso aos entes como entes que vêm a nós sempre em uma perspectiva. O olho posto no fenômeno, a vista voltada para o fenômeno, para a ligação entre as palavras e as coisas, a atenção ao texto normativo, isso me parece que é essencial no Direito. Sem a Filosofia nós não temos como saber disso.
Quais as motivações para escrever sobre este tema?
Uma das motivações que me levou a escrever a obra foi justamente desmistificar a ideia de que a Filosofia é inacessível a quem não tenha um certo “dom”, digamos assim, para filosofar. Não é isso. A Filosofia é um existencial. Está conosco. Mesmo quem não saiba nada de Filosofia já filosofa. E, mesmo aquele que saiba muito, se porventura se iludir pelo fato de que sabe algo, poderá vir a correr o risco de pensar mal. O homem é finito, indigente, pobre. Nós temos de nos dar conta disso. Não nos desvencilhamos dos nossos pré-juízos. Daí a subjetividade, que, no Direito, é terrível. A subjetividade, como diria Gadamer, é um “espelho deformante”. Temos de nos dar conta de que tão-somente pela nossa cabeça não consertaremos o mundo. Os preconceitos sempre estão conosco. A subjetividade é uma armadilha. Por isso a motivação em escrever sobre este e outros temas. O problema da subjetividade é pontual para o Direito, e o racionalismo exacerbou a fé na consciência, na voluntariedade do jurista. Quando nos damos conta de que somos ser-em-relação, como ensina Sergio Cotta, podemos notar que é a intersubjetividade que deve preponderar no campo do Direito, mormente em tempos de Estado Democrático de Direito, Constituição, democracia, direitos fundamentais etc. Mostrar um pouco este quadro aos leitores da obra, em especial aos alunos da graduação em Direito, é um dos motivos ensejadores do livro. É a partir dos bancos acadêmicos que se formará a pré-compreensão dos futuros juristas. A compreensão do Direito será o resultado das pré-compreensões, das antecipações de sentido, e isso pode ser bom ou mau, dependendo, portanto, do tipo de formação que tenha o operador do Direito.
Conte como foi o processo de pesquisa para escrever.
Desenvolvi a pesquisa para o livro a partir de tudo o que já vinha e venho pesquisando desde a minha época do Mestrado, seguido do Doutorado e do Pós-Doutorado, somado, evidentemente, às pesquisas realizadas na Pós-Graduação em Direito no Mestrado da URI em Santo Ângelo/RS, onde sou Professor. Tinha e tenho muito material que estava e está “adormecido”; pesquisei muita coisa nova, li muito dos livros que estavam na minha estante há longa data esperando para serem lidos. Também reli o que já havia lido. E voltei a reler. Já havia escrito muitas páginas sobre hermenêutica, filosofia, processo, positivismo, teoria do Direito como Integridade, teoria da legislação, matrizes do Direito etc. Tenho muito material que pesquisei quando estive na Espanha; isso tudo eu havia passado para o computador, digitado. Fiz toda a pesquisa na biblioteca da minha casa, com meus livros. Li os clássicos, Platão, Aristóteles; voltei a ler Heidegger e Gadamer, fonte da minha formação, que é hermenêutica, na linha do Prof. Lenio; li os comentadores, historiadores, filósofos do Direito e do Estado. Fiz tudo isso diariamente. O processo de escrita do livro, embora prazeiroso, não foi fácil. E isso também porque na ocasião, quando estava no meio da pesquisa, meu filho Pedro veio à luz e permaneceu conosco tão-somente por três dias, desencarnando em seguida. Isso tudo foi muito duro. Tive, no entanto, forças para me dedicar ao estudo que, curiosamente, me ajudou a trabalhar inclusive a perda do meu guri, em especial leituras como as de Platão, seus escritos sobre Sócrates, que vinham sendo desenvolvidas antes do nascimento do Pedro. Enfim, incrivelmente, isso me ajudou a seguir pesquisando e escrevendo. Tenho, eu e minha esposa, uma filha linda, esperta, que está fazendo três anos de idade. E isso também foi e está sendo importante neste processo todo de superação. O fato é que tenho cerca de mil páginas digitadas, mas que terei de ir publicando aos poucos, pois é difícil alguém hoje em dia comprar um livro de 600, 700 páginas. Pretendo publicar tudo isso daí em quatro, cinco volumes. O próximo talvez seja sobre Filosofia do Direito na Antiguidade; outro no medievo e, depois, na modernidade e pós-modernidade.
Quais as principais conclusões adquiridas com a obra?
As conclusões que retiro da obra confundem-se com o início do que nela está escrito, como num círculo. Não desenvolvi tópicos especiais sob os títulos “considerações finais” ou “conclusão”, mas termino a obra concluindo como comecei, reafirmando que no método – e aí devemos inserir todos aqueles métodos que nos são apresentados nas instituições de ensino, tais como o método dedutivo, indutivo, a abdução etc. - é possível adentrarmos, mas não na Filosofia, pois nesta já estamos. O livro vem para reforçar aquilo que já conclui de há muito: o problema do Direito, como ciência da compreensão, não é de método, mas existencial. E mais: que o Direito tem essa dimensão que é existencial porque as disposições artificiais do Direito simplesmente servem para atender às necessidades humanas – e existenciais, portanto - de segurança, ajuda e duração, como ensina o filósofo Sérgio Cotta. O homem, por ser indigente, limitado, finito, tem necessidade de segurança, ajuda e duração. As instituições jurídicas estão aí para suprir essa necessidade. Veja-se o exemplo do direito de propriedade, das sucessões, do processo etc. Todos eles preenchem algum sentido existencial. E nós não nos damos conta disso. O Direito, portanto, não é apenas estrutura; não é apenas funcionalidade. Não são apenas as instituições, as regras, as Constituições, a doutrina, que fazem parte do Direito. Há algo mais aí. O sentido moral impregnado nas disposições jurídicas artificiais diz com as necessidades existenciais do homem.
Fale sobre os planos para futuras publicações.
Quanto às futuras publicações, como dito, há previsão de mais obras de Filosofia no Direito. Tudo dependerá do tempo, que anda escasso. Como sou Juiz de Direito, e como jurisdiciono uma Comarca onde estou às voltas com duas varas cíveis – titular e substituto - com quase 20.000 processos (aproximadamente, 10.000 cada uma), mais a jurisdição eleitoral - e é época de eleições municipais -, terei de esperar um pouco para poder (re)organizar o material já estudado, já digitado, já pensado. Creio, porém, que, em pouco tempo, serão publicados os demais livros. Uma das minhas pretensões é me aventurar na Sociologia do Direito, disciplina que começarei a lecionar ainda neste ano, e isso provavelmente renderá algum fruto. A minha formação na UNISINOS me permitiu contato com a Hermenêutica e com a teoria sistêmica. Com relação a esta última – que, em minha opinião, é uma teoria extremamente importante para o Direito, muito sofisticada, que nos auxilia a entender a sociedade e as instituições que a refletem - acredito poder dar alguma contribuição para o mundo acadêmico também, embora a minha formação venha, como dito, da Hermenêutica de cariz filosófico.
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