Você é um Jurista Cansado?

23/06/2015

Por Alexandre Morais da Rosa e Salah Khaled Jr - 23/06/2015

Rendimento? Metas? Afazeres intermináveis? Praticamente todos com quem conversamos apontam que a aceleração do mundo contemporâneo gera, no final do dia, a sensação de que faltaram horas e, também, cansaço. Correria, falta de tempo, dia de cão. Nossa vida transformou-se numa gincana, pois deixamos de ter agenda. A agenda se transformou em algo para anotar o que deixamos de fazer. A cada dia novos desafios, novas tarefas, surpresas. Enfim, vivemos no contexto em que não conseguimos ler os informativos do STF, do STF, acompanhar os sites jurídicos (obrigado por ler o Empório do Direito), ler os livros que se avolumam nas estantes. No magistério as aulas, provas, trabalhos, tudo gera a impaciência e o cansaço. Família, filhos, prazos... Redes sociais, mensagens, e-mails, whattsapp. Como compreender a questão?

Sobre o tema vale, então, pensar com Byung-Chul Han, coreano de nascimento e atualmente Professor de Filosofia da Faculdade de Artes de Berlin. O argumento de Han é o de que vivemos a “sociedade do cansaço” (La sociedad del cansancio. Barcelona: Herder, 2012) em que o sujeito se violenta a si mesmo, em constante guerra consigo mesmo, pois se trata do “sujeito de rendimento”, cuja crença pressuposta é a de que é livre, mas se queda, utilizando-se da metáfora de Prometeu, como sujeito da auto-exploração, em cansaço infinito.

Com essa figura inicial, componente da sociedade do cansaço, aponta que deixamos a época bacterial, diante do descobrimento dos antibióticos, passando pela época viral, também superada pelo avanço imunológico e nos encontramos na época neuronal, mergulhados em nosologias e classificações que desfilam patologias de todos os tipos. Pensava-se o mundo a partir dos agentes externos que causavam mal, mas hoje se repele qualquer comportamento intruso, não mais advindo de fora, mas também de dentro.

No campo do sistema de controle social deixamos os processos de imunização contra os agentes externos e cada vez mais desprovidos de negatividade, assumindo a autofagia da positividade em excesso. A abundância da categoria “idêntico” é a pedra de toque, não mais contra inimigos externos, mas sim pela fadiga, esgotamento e asfixia de você consigo mesmo. Arriscamos a dizer que a categoria do idêntico promove, ao mesmo tempo, a projeção de bodes expiatórios, por um lado, bem assim a novas formas de violência pessoais e intransferíveis.

Não estamos mais nas sociedades disciplinarias de Foucault, nem nas sociedades de controle de Deleuze, para nos transformarmos em sujeitos do próprio rendimento, idênticos na aparente liberdade, banhados pelo significante: yes, we can. Enquanto a sociedade disciplinar produzia normais/anormais, loucos e criminosos, a sociedade do cansaço produz poucos vitoriosos e muitos depressivos e fracassados. Todos podemos fazer, sem limites, aumentando a eficiência. A competição e meritocracia mostram os vencedores, deixando de lado o cemitério de perdedores, mais numerosos. Embora o sujeito continue disciplinado pelas Instituições, o poder anula o dever e, quem sabe, por aí se possa entender o fomento da corrupção, tema que voltaremos noutro dia. A pressão por rendimentos, metas, jeitinhos, acordos, na lógica dos resultados, promove uma violência sistêmica causadora de “infartos psíquicos.” O excesso de responsabilidade, a demanda incessante por inciativas, no imperativo do rendimento, torna o sujeito seu próprio algoz.

Nesse quadro de impotência, não raro, surge o cansaço de não poder mais dar conta, o desespero, as crises de temperamento, enfim, toda uma gama de condutas que levam a reprovação pessoal e a autoagressão. O sujeito passa a ser vítima e verdugo de sua própria liberdade, desaguando em enfermidades psíquicas.

O enjaulamento medicamentoso de toda uma geração precisa ser potencializado, com drogas lícitas ou ilícitas, justamente para buscar da conta do impossível. O doping nas atividades cotidianas empurra o sujeito às promessas de melhoria de desempenho. Não estamos condenando todo tratamento medicamentoso. O que importa sublinhar é que a geração de juristas dopados, especialmente os concurseiros, gera, no seu paroxismo, uma geração que faz possível o rendimento sem rendimento. Desde nootrópicos para não dormir, até drogas inteligentes, tudo se vincula ao aumento da performance. Com isso, no limite, temos sujeitos que não são mais os mesmos, até alcançarem os infartos físicos e neuronais. Um cansaço que impede de fazer algo, salvo dopado. Estamos no limite de uma sociedade cheia de positividade, cujas marcas do rendimento se fazem sentir todos os dias.

Não temos soluções para isso, nem mesmo indicaremos atividades de Coaching. O que podemos apontar é que a lógica do rendimento leva à medicalização do cotidiano, fomenta exercícios comportamentais de reeducação, promete maravilhas ao sujeito que, mais dia menos dia, queda-se no cansaço. Desconfiamos das classificações do DSM-IV ou V, dado que todos estaríamos com TD (Depressão), TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), TDAH (Transtorno de Défict de Atenção e Hiperatividade), TB (Transtorno Bipolar) e TA (Transtorno de Ansiedade). Tratamento universal e alienante de subjetividades, especialmente porque acreditamos em inconsciente, não nos parece um caminho adequado. Não repudiamos, claro, as possibilidades de disfunções biológicas e químicas. Mas não substituímos a noção de sujeito pela de indivíduo, capaz de ser consertado ortopedicamente.

Chamamos a atenção para o fato de estarmos cansados e que as soluções milagrosas podem ser temporárias e até mesmo satisfatórias, dependendo da estrutura do sujeito, mas nem por isso a leitura do excesso de positividade da sociedade do rendimento se resolve com drogas inteligentes. Algo do sujeito que reflete se perdeu. De qualquer sorte o sujeito sempre é responsável, inclusive por embarcar, de cabeça, na performance impossível e que acaba, não raro, no desespero de todos os dias. O dar-se conta do problema é o primeiro passo para arregaçar as mangas e enfrentar o cansaço. Juristas cansados ou dopados são mesmo vencedores? Tenhamos sorte.


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Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               


SALAH NOVASalah Hassan Khaled Junior é Doutor e Mestre em Ciências Criminais, Mestre em História e Especialista em História do Brasil. Atualmente é Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande, Professor permanente do PPG em Direito e Justiça Social                                                                                                                                                                                                                                                                                                    

                                                                                           


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