Teste sua sabedoria num caso criminal a partir da Teoria dos Jogos

31/10/2015

Por Alexandre Morais da Rosa - 31/10/2015

Caro jogador,

Seja muito bem vindo. O teste que segue é simples e você precisa escolher qual seria a melhor versão a ser apresentada por seu cliente, acusado de roubo (CP, art. 157). O caso é real e me foi contato.

O caso penal

Raquel estava chegando em casa e ao estacionar seu veículo foi abordada por um sujeito alto, pele clara, com o rosto tapado. O agente subtraiu seu carro e se pôs em fuga. A polícia, avisada, pouco mais de 30 minutos, encontra o veículo com duas pessoas dentro. Prende os dois. Ambos foram acusados de roubo em concurso de agentes (CP, art. 157, §, 2º, II). Durante seu depoimento judicial, Raquel afirma categoricamente que apenas uma pessoa realizou a subtração e que não havia mais ninguém nas redondezas, nem na esquina, mesmo tendo sido indagada pelo Ministério Público. Ambos acusados tinham compleição física capaz de ser o agente da ação. Mas Raquel não conseguia distinguir. Enfim, havia a prisão e o reconhecimento. Os policiais afirmaram que ambos estavam no veículo. Não foram extraídas digitais do volante, nem da porta do carro. Os acusados possuíam registros criminais e eram tecnicamente reincidentes. Qual dos dois é o culpado?

E resta o interrogatório. Você como advogado de um deles orientaria seu cliente:

A) Confessar a conduta e obter com isso a tentativa de redução da pena na segunda fase da aplicação da pena diante da reincidência;

B) Depende do que o outro coacusado for dizer.

C) Negar a infração dizendo que não estava no local

D) Negar a infração e imputar a responsabilidade ao coacusado;

E) Ficar em silêncio;

A resposta:

Qualquer uma das respostas depende da análise das expectativas de comportamento do coacusado. E para isso os defensores podem e devem conversar reservadamente.  Claro que não estamos falando com ingênuos da Verdade Real, nem de que os advogados não devem orientar seus clientes da melhor maneira na preservação dos seus interesses. Assim, pela prova produzida, um dos dois poderia ser condenado e não os dois. Um dos acusados poderia confessar livrando a responsabilidade do outro. Caso não houvesse acordo, ambos confessariam ou negariam?

Não havia concurso de agentes. A tática corriqueira seria a de os dois negarem, o que poderia, no caso, servir de mecanismo para que se usasse, mesmo que absurdamente, o fato de um estar ao conduzindo o veículo como mecanismo de convicção, pois nada demonstra que o mesmo que saiu dirigindo o veículo seria o mesmo que estava, depois, conduzindo-o. Aliás, tivessem sido extraídas digitais a questão poderia ser melhor equacionada, mas inexistiam. Ambos confessaram terem sido o autor da conduta e sem a participação do outro, narrando o básico e utilizando-se o direito de silêncio às perguntas do Ministério Público. Não havia, assim, como saber quem era o autor.

A tática pode ser arriscada, mas no caso funcionou. Restaram absolvidos. Não se pode condenar dois sujeitos pelo mesmo crime, cometido por um só. A jogada vencedora da defesa, com os riscos do dilema do prisioneiro. Isto porque depois de o primeiro interrogado ter confessado, o segundo poderia simplesmente negar a prática ou mesmo imputar ao primeiro interrogado, o que o deixaria em maus lençóis. Mas com a ação coordenada criaram um beco sem saída. Se um dos acusados era o agente não se sabe. Mas os dois não poderiam ocupar o mesmo lugar no espaço. A tendência, todavia, seria que os dois negassem. A capacidade dos defensores em arriscar essa tática acabou vencedora. Pensaram fora do padrão. O mais interessante, contaram-me, foi que depois do primeiro interrogatório a acusação estava satisfeita. No decorrer do segundo, não sabia o que fazer. É bom estar preparado para o inverossímil. Sempre.

A resposta correta é a B.

Para saber mais

A leitura do Processo Penal pela via da Teoria dos Jogos pode nos auxiliar a compreender as recompensas dos agentes processuais, conforme já deixei apontado no livro "A Teoria dos Jogos Aplicada ao Processo Penal." (veja mais aqui) Dentre as matrizes para pensar a questão descrevi o Dilema do Prisioneiro, metáfora pelo qual se pode indicar a estratégia dominante entre dois sujeitos presos e que são separados em estabelecimentos penais distintos e que diante da impossibilidade de combinar a mesma versão, acabam tendo como resposta lógica a confissão. Mas quando podem combinar as táticas, o jogo processual muda.

Em breve farei outro exercício. Acompanhe.


 

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Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui           


Imagem Ilustrativa do Post: Tired of Chess// Foto de:  Ian T. McFarland // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/pedestrianrex/2551987119/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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