Responsabilidade Civil do Advogado Público Parecerista e a LINDB

15/07/2018

Coluna Advocacia Pública em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta Araújo

Já se escreveu nessa coluna que a Lei 13.655, de 25 de abril de 2018, ao acrescer os artigos 20 a 30 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que tratam sobre a segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público, é um “segundo sol” no sistema jurídico brasileiro[i].

O tema hoje tratado se refere ao que dispõe o art. 28, assim redigido:

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

No destacado preceptivo legal duas condutas podem dar azo a responsabilização do agente público, quaisquer que sejam eles.

A primeira, relativa às decisões e, no contexto da nova lei, decisões proferidas nas esferas administrativa, controladora e judicial.

A segunda conduta é concernente às opiniões técnicas.

Assim, pode-se conjecturar uma regulamentação acerca da responsabilidade pessoal por atos judiciais, atos no âmbito dos tribunais, inclusive de Contas, e atos realizados por demais agentes públicos, tais como administradores, promotores, procuradores, autoridades policiais, etc., considerando a incontroversa conceituação doutrinária de que a “expressão - agentes públicos - é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente”[ii].

A questão debatida tem como objeto de análise a responsabilidade pessoal dos advogados públicos quando proferem opiniões técnicas, vale dizer, a responsabilidade civil do parecerista advogado púbico.

Com efeito, nos termos já escritos em outra oportunidade, considerando que a responsabilidade trata-se de um dever secundário, oriundo de um primeiro dever, a obrigação, “há de se perquirir sobre qual o tipo de obrigação (dever primário) tem-se na atividade advocatícia, de resultado ou de meio, salientando-se que na obrigação de meio o profissional não tem como assegurar o resultado da sua atividade ao cliente e, na obrigação de resultado, o profissional garante que de seu labor o resultado será o esperado ou contratado pelo cliente”[iii], sendo de entendimento tranquilo que o advogado, público ou privado, tem uma obrigação de meio.

Nesse sentido, a opinião técnica dever ser analisada em razão de sua necessária preponderância para a solução final do procedimento[iv], ou seja, deve restar demonstrado que o ato estatal teve como fundamento principal e irrecusável a opinião técnica exarada com dolo ou erro grosseiro, de modo que reste preenchido o requisito nexo causal para caracterizar a responsabilidade.

Interessante construção realiza José Vicente Santos de Mendonça, ao estabelecer quatro standards para a responsabilização pessoal do parecerista público: “Ele será pessoalmente responsável se (i) agir com dolo, ou (ii) cometer erro evidente e inescusável, e se (iii) não tomar providências de cautela, sendo certo que (iv) a interpretação do que é conduta dolosa e do que é erro evidente e escusável deve ser suficientemente restritiva para permitir a existência de opiniões jurídicas minoritárias ou contramajoritárias, considerando que a heterogeneidade de idéias é valor constitucional comprovadamente útil à produção dos melhores resultados possíveis ao Direito”[v].

Destacada atuação dolosa, além do erro grosseiro, consta expressamente no art. 28 da LINDB. O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu art. 32 é de semelhante entendimento, ao estatuir que “advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”.

Para o advogado público a possibilidade de reponsabilização é, portanto, mais restrita, porquanto não incluída a culpa.

Indaga-se, na atividade advocatícia os profissionais que a exercem não deveriam ter o mesmo tratamento‽

O Supremo Tribunal Federal tem diversos precedentes sobre a temática, sendo oportuno destacar o Mandado de Segurança n. 24.073-3[vi], Mandado de Segurança n. 24.584-1[vii] e o Mandado de Segurança n. 24.631-6[viii].

Sintetizando esses julgados Mendonça afirma que o STF adotou a seguinte ratio decidendi: “(1) os advogados públicos não são absolutamente irresponsáveis no exercício da função consultiva, porque isso, no mínimo, não se coaduna com a idéia de Estado de Direito; (2) mesmo assim, os casos de responsabilidade pessoal do advogado público parecerista limitam-se às hipóteses em que comprovadamente tenha agido com dolo ou erro inescusável; (3) tais agentes públicos podem ser chamados a apresentar explicações junto aos tribunais de contas, desde que as imputações que se lhes façam digam respeito a esse dolo ou erro inescusável; (4) pode haver alguma relação entre a obrigatoriedade legal da prolação de parecer e a responsabilização do parecerista: nos casos em que o parecer é obrigatório ou vinculante, o consultor público seria co-responsável pelo ato administrativo”[ix].

No cenário exposto pela doutrina e jurisprudência, a LINDB é mais um texto legal a extrair norma jurídica no sentido da necessária verificação de dolo ou erro grosseiro para a responsabilização do advogado público parecerista.

Notas e Referências

[i] Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/quando-o-segundo-sol-chegar-para-realinhar-as-orbitas-dos-planetas-de-como-a-lei-13-655-2018-intenta-alinhar-decisoes-judiciais-de-controladoria-e-administrativas-a-orbita-da-seguranca-juridica-e-eficiencia-na-criacao-e-aplicacao-do-direito-publico.

[ii] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2004, p. 227. Prossegue o eminente doutrinador: “A noção de agente público não é construção sistemática de caráter meramente acadêmico, mas tem repercussão no ordenamento jurídico positivo. Com efeito, é ela que deve ser tomada como ponto de partida - e não o conceito de servidor público ou funcionário público - para o subsequente reconhecimento de quem pode ser caracterizado como sujeito passivo de mandado de segurança (‘autoridade’). Deveras, quem pôde ou teve que manejar poderes correlatos ao exercício de uma função pública há de ter seus atos contrastados judicialmente pelas mesmas vias instituídas como prestantes para o controle dos atos estatais” (p. 228).

[iii] OLIVEIRA, Weber Luiz de. Reflexos dos Precedentes Vinculantes na Responsabilidade Civil do Advogado pela Perda de uma Chance. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 81, Nov-Dez 2017, p. 70-89.

[iv] Veja-se, por exemplo, o art. 38, parágrafo único, da Lei de Licitações: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”.

[v] MENDONÇA, José Vicente Santos de. A responsabilidade pessoal do parecerista público em quatro standards. Revista Brasileira de Direito Público, v. 27, 2009, p. 177.

[vi] EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO. PROCURADOR: PARECER. C.F., art. 70, parág. único, art. 71, II, art. 133. Lei nº 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX. I. - Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antônio Bandeira de Mello, "Curso de Direito Administrativo", Malheiros Ed., 13ª ed., p. 377. II. - O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32. III. - Mandado de Segurança deferido. (MS 24073, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2002, DJ 31-10-2003 PP-00015 EMENT VOL-02130-02 PP-00379)

[vii] ADVOGADO PÚBLICO - RESPONSABILIDADE - ARTIGO 38 DA LEI Nº 8.666/93 - TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - ESCLARECIMENTOS. Prevendo o artigo 38 da Lei nº 8.666/93 que a manifestação da assessoria jurídica quanto a editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes não se limita a simples opinião, alcançando a aprovação, ou não, descabe a recusa à convocação do Tribunal de Contas da União para serem prestados esclarecimentos. (MS 24584, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/08/2007, DJe-112 DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENT VOL-02324-02 PP-00362)

[viii] EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA. I. Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. II. No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato. III. Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa. Mandado de segurança deferido. (MS 24631, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 09/08/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-02 PP-00276 RTJ VOL-00204-01 PP-00250)

[ix] MENDONÇA, José Vicente Santos de. A responsabilidade pessoal do parecerista público em quatro standards. Revista Brasileira de Direito Público, v. 27, 2009, p. 198.

 

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