“Quando o segundo sol chegar, para realinhar as órbitas dos planetas”: de como a Lei 13.655/2018 intenta alinhar decisões judiciais, de controladoria e administrativas à órbita da segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público

13/05/2018

Coluna Advocacia Pública em Debate/Coordenadores: José Henrique Mouta Araújo e Weber Luiz de Oliveira

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro pode ser considerada um “sol” no sistema jurídico nacional[i]. Trata-se, em certo sentido, da lei das leis. Dispõe sobre aplicação, interpretação, vigência, segurança jurídica, territorialidade e extraterritorialidade da lei brasileira.

Significa dizer, as leis e as decisões, em todas suas esferas, orbitam em torno da LINDB, uma vez que, dentre seus dispositivos pode-se destacar “que uma lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada” (art. 1º), que, não sendo temporária, “a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (art. 2º), que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (art. 3º), que, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito” (art. 4º), apenas para citar os primeiros dispositivos.

 É uma lei, na classificação de Norberto Bobbio, estrutural ou de competência, porquanto sistematizada o modo de ser de outras leis, ou seja, são “aquelas normas que não prescrevem a conduta que se deve ter ou não mas prescrevem as condições e os procedimentos por meio dos quais são emanadas normas de conduta válidas”[ii].

A nova lei 13.655, de 25 de abril de 2018, ao incluir dispositivos na LINDB, seria, nessa metáfora, um “segundo sol”, para utilizar do contexto musical[iii].

Um segundo sol a tentar iluminar o modo com que devem ser proferidas, doravante, decisões, administrativas, de controladoria e judiciais.

Tal legislação objetiva, como descrito em sua ementa, dispor sobre a segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.

Refere-se tal legislação, parece adequado afirmar, em uma tentativa de aplicação prática a uma teoria da decisão em relação ao direito público; um disciplinamento do modo de ser de decisões administrativas, de controle e judiciais, que deve ser seguido por quem as edita, de maneira que sobreleva a importância de expor a temática que envolve as decisões no âmbito do direito público, seus efeitos, (in)constitucionalidades e aplicações em todos as esferas de decisão, como mesmo disposto no art. 20 da LINDB: esferas administrativa, controladora e judicial. A exposição mais detida dessas variáveis não cabe nesse espaço.

Trata-se, a rigor, de uma temática multidisciplinar, que envolve o direito público, constitucional e administrativo, como o direito processual, em âmbito judicial e administrativo, destacando-se a novel disposição sobre a esfera controladora, atinente aos processos e decisões dos Tribunais de Contas. Reflexo, igualmente destacado, a lei traz sobre as controversas questões da judicialização da política (controle judicial de políticas públicas)[iv] e do ativismo judicial[v], como ainda do processo para solução de conflitos de interesse público[vi].

Quando a Lei 13.655/2018 incluiu na LINDB que “não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão” (art. 20), que “a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas” (art. 21), que “a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais” (art. 23), encampou-se, em alguns aspectos, o direito responsivo.

De fato.

“Para que os fins adquiram tanto autoridade crítica quanto afirmativa, o direito deve ser capaz de detalhar, ao mesmo tempo que generaliza, as missões das instituições jurídicas. Por esse motivo, uma fase crucial do direito responsivo é a definição da missão, isto é, a tradução da finalidade geral em objetivos específicos.

Em certa medida, a atenção com a finalidade facilita a elaboração de missões legais, porque exige a investigação das consequências concretas e dos fatos que possam eventualmente desobrigar instituições de suas responsabilidades. Em outras palavras, o direito responsivo é orientado para resultados, e se diferencia nitidamente da imagem clássica da justiça cega a consequências. Não se deve concluir, porém, que um direito consequencialista seja menos comprometido com a aplicação imparcial do direito a cada caso individual. O que importa são fatos legislativos, não os adjudicativos; padrões existentes nos fatos e consequências sistemáticas de políticas alternativas, não resultados particulares”[vii].

Traz, a recente alteração legislativa, um contrabalanço “a tendência dos magistrados a se esconderem atrás das regras e a se esquivarem de sua responsabilidade”[viii], afinal, toda decisão que interfira não apenas no caso particularizado, mas irradia sobre outras situações fáticas e jurídicas, deve ter presente, como todo ato de poder, os resultados que possam advir.

Assim, de igual forma, “o administrador público precisa ter em mente quais serão os reflexos de sua responsável atuação para que sua atividade efetivamente alcance a realização do desenvolvimento esperado[ix].

Nesse contexto de decisão, é importante o estabelecimento normativo de que se analise todos os aspectos e consequências do ato estatal, sem deixar, contudo, é igualmente importante deixar muito bem claro, que não se pode negligenciar ou escamotear, em nome de consequências, a aplicação e defesa dos direitos fundamentais.

O que parece correto dizer é que toda decisão - administrativa, judicial e de controle -, como ato estatal dotado de poder e, por consectário, de responsabilidades, deve refletir sobre os efeitos que a sua implementação pode causar, para o fim, talvez, de calibrar o conteúdo decisório, fazendo, por exemplo, o que enuncia o parágrafo único do art. 21 da LINDB, no sentido de “indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos”.

O que demonstra a alteração da LINDB é que o ato decisório não seja dirigido apenas com um olhar estanque, para sua esfera de atuação. Em outras palavras, se sou Administrador pretendo, em tese, implementar políticas públicas eficientes; se sou Promotor exijo a prestação do serviço público contido na política pública ou na Constituição Federal; se sou Juiz determino a implantação de tal política; se sou Advogado Público defendo o modo de sua aplicação; se sou controlador do Tribunal de Contas, fiscalizo e autuo irregularidades.

Mas, é necessário perceber, todos, em tese, atuam viciados pelas suas respectivas áreas de atuação e competência institucionais. A abertura argumentativa proposta pela Lei 13.655/2018 objetiva que não se fique com um olhar fixo em um só horizonte, mas se contextualize a situação jurídica por diversas variáveis, efeitos e consequências.

Impele-se que se tenha uma análise não monoinstitucional, e sim, se possível, pluri-institucional (diálogos institucionais). Cada instituição é dotada de suas expertises e capacidades, que são desperdiçadas quando se atua monoinstitucionalmente, daí ser relevante, por exemplo, o art. 29 da LINDB ao preceituar que “em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão”.

De igual modo é a razão que o Código de Processo Civil de 2015 anuncia o saneamento compartilhado, destacando que “se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações” (art. 357, § 3º). Esse dispositivo pode ser muito útil para subsidiar o juiz em sua decisão, nos denominados processos para solução de conflitos de interesse público, como a ação civil pública, em que se pode mostrar oportuno, por exemplo, o comparecimento do gestor ou de integrantes da área técnica objeto do litígio, para contextualizar, em suas visões, os objetivos, restrições, consequências e resultados.

Do quanto brevemente exposto, no espaço de uma coluna que se pretende debatedora do direito público, conclui-se que a irradiação do “segundo sol” às normas do direito brasileiro pode contribuir para o melhoramento das decisões estatais e, por mais importante, para a resolução e satisfação contextualizadas das situações fáticas e jurídicas apreciadas nos processos e procedimentos em que proferidas. 

[i] Pontes de Miranda utiliza também essa analogia com o “sol” quando doutrina sobre as ações, descrevendo que a ação de direito material é o sol do sistema (Tratado das ações, tomo 1, Campinas: Editora Bookseller, 1998, pp. 124-126) .

[ii] Teoria geral do Direito, tradução Denise Agostinetti, São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p. 196.

[iii] “O Segundo Sol”, composição de Nando Reis.

[iv] A respeito: GRINOVER, Ada Pelegrini; WATANABE, Kazuo. O controle jurisdicional de políticas públicas, 2ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013. FREIRE JÚNIOR. Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2005. BADIN, Arthur Sanches. Controle judicial das políticas públicas: contribuição ao estudo do tema da judicialização da política pela abordagem da análise institucional comparada de Neil K. Komesar, São Paulo: Editora Malheiros, 2013. DIAS. Jean Carlos. O controle judicial de políticas públicas, 2ª ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2016.

[v] A respeito: As novas faces do ativismo judicial, orgs. André Luiz Ferandes Fellet, Daniel Giotti de Paula, Marcelo Novelino, 2ª tiragem, Salvador: Editora Juspodivm, 2013.

[vi] A respeito: O processo para solução de conflitos de interesse público, coords. Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Susana Henriques da Costa, Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

[vii] NONET Philippe; SELZNICK, Philip. Direito e sociedade: a transição ao sistema jurídico responsivo, trad. Vera Ribeiro, Rio de Janeiro: Editora Revan, 2010, p. 134.

[viii] Idem, ibidem, p. 133.

[ix] FRANÇA, Phillip Gil. Ato administrativo e interesse público: gestão pública, controle judicial e consequencialismo administrativo, 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2014, p. 93.

 

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