O que você precisa saber sobre Audiência de Custódia

08/01/2016

Por Alexandre Morais da Rosa - 08/01/2016

O que é?

Qualquer pessoa que for presa em flagrante ou por mandado de prisão deve ser apresentada obrigatoriamente à autoridade judicial competente (para conhecer da pretensão acusatória) no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sem interrupção por feriados, finais de semana ou recesso, com as exceções regulamentadas[1]. Não realizada a audiência de custódia a prisão será ilegal.

Previsão Legal

A previsão constante do art. 9º, “3”, do Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos das Nações Unidas e art. 7º, “5”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ganhou caráter obrigatório e vinculante após as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (Adin 5240 e ADPF 347), nas quais se reconheceu a eficácia normativa da determinação em território brasileiro. Assim é que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou as Resoluções ns. 213 e 214 dispondo sobre a forma como a Audiência de Custódia deve ser realizada, bem assim os Protocolos I (Procedimentos para a aplicação e o acompanhamento de medidas cautelares diversas da prisão para custodiados apresentados nas audiências de custódia) e II (Procedimentos para oitiva, registo e encaminhamento de denúncias de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. O CNJ apenas conferiu densidade à normativa internacional, a ser substituída por lei, assim que o Congresso Nacional deliberar sobre o tema. Mas diante da mora do Congresso Nacional a atitude do CNJ está em consonância com as decisões do STF.

É uma audiência presencial?

Sim. A sistemática do art. 306 do CPP, pois, com a incidência da normativa internacional, não será mais suficiente (CNJ, Res. 213, art. 1º, § 1º), devendo acontecer o contato direto do conduzido com a autoridade judiciária, em audiência (que poderá ser no estabelecimento prisional – parágrafo único do art. 2º), salvo as hipóteses do § 4º, do art. 1º, da Resolução n. 213[2].

Excepcionalmente, segundo a Corte Interamericana, pode-se realizar por videoconferência, desde que justificada a situação fática, não podendo advir da mera comodidade dos sujeitos (Juiz, Ministério Público, Defensor, etc.). Se o defensor do custodiado estiver noutra comarca é viável sua participação por videoconferência.

Quem participa?

A audiência será conduzida pelo Juiz, com a participação do Ministério Público e Defensor (particular ou público). No caso de defensor ter acompanhado o flagrante, deverá ser notificado para comparecer à audiência de custódia (CNJ, art. 213, art. 5º); nas demais hipóteses o conduzido será atendido pela Defensoria Pública (CNJ, art. 213, art. 5º, parágrafo único). Onde não houver Defensoria instalada, o Juiz deve previamente nomear defensores dativos para a audiência de custódia.

É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia (CNJ, art. 213, art. 4º, parágrafo único), justamente para evitar qualquer modalidade de pressão, dadas as finalidades do ato.

Qual a finalidade da audiência de custódia?

São duas as finalidades:

(a) verificar a regularidade da prisão (CPP, art. 302 e 303) e eventual prática de tortura; e
(b) analisar a necessidade de medidas cautelares diversas da prisão cautelar (CPP, art. 319 e Lei da Violência Doméstica, art. 22) e os requisitos da prisão preventiva (CPP, art. 312), bem assim promover o encaminhamento de providências sociais.

 

O acusado deve ter assegurado o direito de atendimento prévio e reservado com o defensor?

Sim, sem a presença dos agentes policiais ou de segurança, mas possível outro servidor público neutro, tendo em vista a garantia da confidencialidade (CNJ, art. 213, art. 6º). Se for estrangeiro a assistência consultar e de tradutor, caso necessário, bem assim de LIBRAS.

O uso de algemas é exceção.

Nos termos da Súmula Vinculante 11, do STF, o uso e manutenção de algemas deve ser modificado, não bastando a conveniência ou práticas já consolidadas, uma vez que a justificação deve ser idônea e analisada em cada caso, sob pena de nulidade do ato (aqui).

O que deve ser perguntado na audiência de custódia?

As perguntas devem se vincular às finalidades. Não serve para confissão preliminar da conduta. O objeto da audiência é o de verificar a regularidade da prisão (em flagrante ou do mandado), a existência dos requisitos legais para decretação ou manutenção (no caso de cumprimento de mandado de prisão), sempre à requerimento do acusador, vedado de ofício, salvo nos casos de leniência com a tortura por parte do Ministério Público e da função de garante do Juiz que pode ser responsabilizado pela omissão (Lei da Tortura n. 9.455/07, art. 1º, § 2º). Isso porque a finalidade é a de averiguar a prática de tortura pelo Estado em face da contenção cautelar do agente. Os Protocolos I e II, anunciados pelo CNJ auxiliam na orientação das perguntas e formas de atuação do Juiz Garante.

O que significa o Sistema de Audiência de Custódia (SISTAC)?

O CNJ criou um sistema de cadastramento de todas as pessoas presas. Assim, cada preso no Brasil terá uma autoridade judicial responsável pelo ato, com as consequências daí advindas (CNJ, art. 213, art. 7º). Por este mecanismo, a cadeia de custódia do conduzido será monitorada, facilitando a obtenção de dados e apontando quem poderá ser responsabilizado pelas violações de Direitos Humanos.

Os Tribunais ficam obrigados a criar “Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF)”, nos termos da Resolução 214, pelas quais será acompanhado o regime de custódia da pessoa presa e dos adolescentes internados, proporcionando transparência aos temos e formas da contenção. Cabe ao GMF a estipulação dos procedimentos à efetivação da normativa do CNJ, bem assim articular com a rede e as Centrais de Penas Alternativas e de Monitoramento, ações conjuntas de efetivação de controle das cautelares e encaminhamentos sociais.

Um passo na efetivação de controles

Retrógado é se manter um regime de prisão cautelar em que não há controle efetivo sobre as práticas da força policial, em que as reiterações de violações não são exceção, bem assim contam com a leniência dos poderes públicos. O Juiz precisa assumir seu lugar de garante e responder por sua atuação. O CNJ ao dar efetividade à normativa internacional, no fundo, promove a transparência e accountability do Poder Judiciário em face de qualquer pessoa segregada do seu direito de ir, vir e ficar. A qualidade da prisão e da decisão judicial restam potencializados. Daí a importância da normativa complementar editada pelo Conselho Nacional de Justiça que torna homogênea a prática das audiências de custódia.

Para saber mais

Recomendo a leitura da Resolução 213 (aqui), da Resolução 2014 (aqui), do Protocolo I, do Protocolo II e também da bibliografia abaixo:

  1. a) PAIVA, Caio. Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro. Florianópolis: Empório do Direito, 2015 (aqui)
  2. b) LOPES JR, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre. Processo Penal no Limite. Florianópolis: Empório do Direito, 2015 (aqui). Veja artigo aqui
  3. c) OLIVEIRA, Gisele Souza de; SOUZA, Sérgio Ricardo de; BRASIL JUNIOR, Samuel Meira; SILVA, Wilian. Audiência de Custódia: Dignidade Humana, controle de convencionalidade, prisão cautelar e outras alternativas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015 (aqui);
  4. d) TÓPOR, Klayton Augusto Martins; NUNES, Andréia Ribeiro. Audiência de Custódia: controle jurisdicional da prisão em flagrante. Florianópolis: Empório do Direito, 2015 (aqui)

Em breve complementarei os comentários às disposições da normativa, com detalhamento sobre os protocolos. Acompanhe no site do Empório do Direito. A audiência de custódia se inscreve no marco do reconhecimento da efetividade da convencionalidade em território brasileiro, ainda que com a resistência de parcela da magistratura. É um caminho sem volta, como diz Luis Lanfredi.


Notas e Referências:

[1] Resolução 213, art. 1º, § 5º: “O CNJ, ouvidos o órgãos jurisdicionais locais, editará ato complementar a esta Resolução, regulamentando, em caráter excepcional, os prazos para apresentação à autoridade judicial da pessoa presa em Municípios ou sedes regionais a serem especificados, em que o juiz competente ou plantonista esteja impossibilitado de cumprir o prazo estabelecido no caput.”

[2] Resolução 213, art. 1º ... § 4º: “Estando a pessoa presa acometida de grave enfermidade, ou havendo circunstância comprovadamente excepcional que a impossibilite de ser apresentada ao juiz no prazo do caput [24 horas], deve ser assegurada a realização de audiência no local em que ela se encontre e, nos casos em que o deslocamento se mostre inviável, deverá ser providenciada a condução para a audiência de custódia imediatamente após reestabelecida sua condição de saúde ou de apresentação”.


l). Especialista em Processo pela UNIFACS.  

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui           


Imagem Ilustrativa do Post: Caitlin in Jail Bus // Foto de:  Sarah Nichols // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/pocheco/4683581150/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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