Não recorro e te represento na Corregedoria: a lógica autoritária permanece?

30/06/2015

 Por Salah Khaled Jr e Alexandre Morais da Rosa - 30/06/2015

Cada vez mais o modo de pensar autoritário se apresenta no Processo brasileiro. Mesmo com recursos cabíveis, não basta. Algumas partes insatisfeitas com decisões dos membros dos Ministério Público e da Magistratura, ao invés de interporem os recursos próprios, querem punir quem pensa diferente. Entretanto, com todos os problemas, acreditamos nas Instituições e no Devido Processo Legal.

No campo do Processo Penal e do Direito Penal existem muitas compreensões diferenciadas, com bons argumentos, mas que são inconciliáveis. Daí que se instaura, por certo, insatisfação. O sistema jurídico apresenta o recurso como meio adequado para se opor. De uma decisão, quer do Ministério Público, quer do magistrado, cabem recursos ou ações impugnativas autônomas.

A mentalidade punitiva e autoritária, tão acolhida em tempos de recrudescimento, não quer somente isso. Busca, muitas vezes, com a “representação” na Corregedoria dos respectivos personagens, instaurar o medo e o receio de deliberar contra os interesses dos prejudicados. E isto é preocupante.

Desde a incompreensão de quem aposta suas fichas no recrudescimento, bem assim nos minimalistas ou abolicionistas. A lógica do vou te representar na Corregedoria é universal, com maior utilização, contudo, pelos reacionários. A divergência interpretativa faz parte do Direito e, podemos aceitar que de boa-fé se instaurem divergências, não mais pelo livre convencimento, que tanto estrago já fez no Direito, mas pela compreensão de que decidir demanda coerência e integridade.

Neste sentido, Lenio Streck bem pontua: “Na abertura da defesa de sua dissertação de mestrado, que deu origem ao livro Teoria da Decisão Judicial – Dos Paradigmas de Ricardo Lorenzetti à Resposta Adequada a Constituição de Lenio Streck (Livraria do Advogado, 2010), o juiz de direito Fernando Vieira Luiz impressionou a todos com uma confissão: “sou juiz, minha mãe é juíza, meus amigos juízes e promotores, com os quais convivo, são todos honestos, probos e jutos. Interessante é que, quando nos reunimos para falar sobre os casos que decidimos, chegamos a conclusão que, embora a nossa honestidade, probidade e sentimento de justiça, damos sentenças tão diferentes umas das outras, em casos, por vezes, muito, muito similares”. Por isso, continuou, “cheguei a conclusão de que havia algo errado. Não basta ser honesto, probo e ter sentimento do justo. Todos, eu, minha mãe, meus amigos, decidimos conforme nossas consciências. Só que as decisões são tão discrepantes... Por isso, fui estudar ‘teoria da decisão’”. (...) Já no segundo caso, temos o juiz que sabe que um conjunto de (boas) “consciências” (ou boas intenções) dá o caos. Ou, no mínimo, gera discrepâncias, porque os valores de cada um são contingenciais (aqui Habermas entra rachando!). Por isso, uma criteriologia vem bem... Ou seja: mesmo um conjunto de “boas pessoas” não garante decisões adequadas a Constituição.” (aqui)

Devemos, então, discutir os critérios de decisão no Estado Democrático de Direito, a partir da compreensão autêntica de Constituição, tendo como mecanismo para alinhamento o recurso aos órgãos ad quem. Jamais, todavia, a pretensão correicional como se verifica recentemente em alguns locais do país.

Assim é que não satisfeitos com um pedido de arquivamento ou absolvição do Ministério Público ou uma decisão, além do recurso, cada vez mais as partes ditas prejudicadas “representam” o agente processual nas suas respectivas corregedorias. Por sorte, com poucas exceções, as Corregedorias estão separando o que se trata de matéria jurisdicional de matéria correicional.

Recentemente um colega entendeu que não cabe investigação por parte da Polícia Militar e ao invés da interposição de recurso, foi representado. O pleito foi arquivado. Outro reconheceu que diante do iminente julgamento da ADPF pelo Supremo Tribunal Federal, no tocante ao direito fundamental de uso de pequenas quantidades de drogas, os processos em tramitação deveriam ser suspensos (algo plenamente justificável), mas foi surpreendido com o pedido de punição. Muitos que se colocam numa posição mais “garantista” sofrem as ameaças de representação correicional, às vezes, com mais fúria.

Parece ser o sintoma de mentalidade autoritária que não reconhece as diferenças de entendimento e se nega a discutir os argumentos. Buscam nos órgãos correicionais o apoio autoritário que os inspiram. É bem verdade que não são a maioria e que em grande parte sequer tentam compreender as razões de quem pensa diferente. Aliás, pensar diferente parece ser um crime hediondo em tempos de uniformização.

Deliberar no lugar de membros do Ministério Público ou Magistrados demanda uma posição de sustentação subjetiva, de convencimento, não mais livre, mas adequado à Constituição. A postura de rechaço em relação a atitudes autoritárias, que as Corregedorias estão tomando, merece nosso aplauso.

Não estamos defendendo que inexistam desvios, nem que as Corregedorias devam se omitir. O que defendemos é que saiba ocupar seu lugar no sistema, cuja função não é a de fazer policiamento de posições, especialmente quando fundamentadas.

Quem sabe possamos tentar, ao menos, ter a boa vontade de compreender os fundamentos das deliberações. Pode não ser o que concordamos, a partir dos critérios que elencamos, mas nem por isso podemos instaurar a Inquisição do diferente. Por sorte as fogueiras reais desapareceram, enquanto as fogueiras simbólicas tentam ser acesas.

Superar a lógica do não concordo e te represento é um passo importante na luta pela superação as práticas autoritárias do Processo Penal. A democracia exige o debate de critérios das decisões. E para isso serve o devido processo legal, embora alguns estejam ainda caçando fantasmas.


Livros Publicados pelo autores na Editora Empório do Direito. Confira: Compre os livros dos autores aqui.a-teoria-dos-jogos-aplicada10994062_1549001075350774_8142308690169324819_no-processo-eficiente-na-logica135                                                                                                                                                                                        


SALAH NOVASalah Hassan Khaled Junior é Doutor e Mestre em Ciências Criminais, Mestre em História e Especialista em História do Brasil. Atualmente é Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande, Professor permanente do PPG em Direito e Justiça Social                                                                                                                                                                                                                                                                                                    

                                                                                           


Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui                                                                                                                                                                                                           

  Disponível em: https://www.flickr.com/photos/thoth-god/3680658023/in/photolist-6Bfkp6-u2ibQ2-6R7W3P-nuLo9Y-nwNZFp-nuLn5y-ndxDMb-dbRoDJ-5i8mmY-4og1N1-6R7VB6-6RbXom-6RbWfY-pESTBW-7gDyjS-8YJNxz-8WoSsk-aHbQbR-826iwF-5Pc7rf-qrxdNh-rj7VVh-drtDZ7-e8gg6Q-4GciSR-aYxZ2R-2tWihA-avQLsk-86Z8NJ-86Z89u-86VW5t-86Z6iN-86Z5Df-93qtmT-fJtyPf-8as2CT-8avgDh-8avhSA-avQLi8-avTrjJ-8avfjN-8as1nz-avTrhq-avTr6h-8as3Pp-avQLpz-avQLoK-avQLnt-avQLkH-avQL6D Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura