Estado, Trabalho e Renda Básica Universal

17/04/2020

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Na presente coluna do Empório do Direito, no ano de 2019, publicou-se três textos, sob os títulos: “Consumo em Tempos de Fascismo Social”, “Por Onde Anda a Barbárie?” e “O Desmantelamento da Função Social da Propriedade”. No primeiro texto abordou-se como a retirada dos direitos trabalhistas refletia o fascismo social paraestatal em sua modalidade contratual, e que isso teria como resultado uma recessão econômica por razão da redução dos índices de consumo mínimo, necessários a engrenagem desenvolvimentista. Infelizmente, a recessão projetada pelo texto não chegou a efetivar-se, pois será sobreposta por uma recessão sem precedentes que a pandemia do covid-19 irá produzir.

No segundo texto, por sua vez, sintetizou-se, por meio das falas do Ministro Abraham Waintraub, as incompreensões que o atual Governo Federal possui sobre noções mínimas de Estado de Direito. Tal situação persiste e torna-se ainda mais evidente no momento que a federação se encontra em situação de Estado de Calamidade Pública.

N terceiro texto, por fim, apresentou-se os perigos da proposta de Emenda à Constituição nº 80/2019 à função social da propriedade, ao acesso plural da terra, bem como à manutenção das formulações básicas da Constituição Federal de 1988. Por sorte ou destino, a pauta não teve muito avanço desde então.

No entanto, o primeiro texto de 2020 possui o compromisso de abordar as transformações que o mundo que nos circunda passa em virtude do Covid-19. No entanto, o enfoque não busca uma reflexão cataclísmica de um futuro humano incerto, visto ser esse o papel da racionalidade estética das artes que já nos brinda com uma farta produção literária e cinematográfica.

Sob a perspectiva da ciência social, cumpre-se compreender a atual realidade através dos grandes narrativas sócio-políticas que formam o pensamento humano. Sob esse obscuro contexto, delimitou-se o texto em abordar as macronarrativas do Estado, Trabalho e Tecnologia, sob o enfoque da dignidade humana.

Nesse tema, o conceito de dignidade humano, sob uma perspectiva contra hegemônica e intercultural, serve, há muitos anos, como instrumento cognitivo de resistência aos avanços do modo de produção capitalista, até então em uma fase de capital financeiro internacional, sob uma onda de governos neoliberais autoritários.

Deste modo, já não é de hoje que o jurista Ingo Wolfgang Sarlet promove como noções indissociáveis a dignidade da pessoa humano e do chamado mínimo existencial[1]. Nesse sentido, uma das alternativas de garantir-se o mínimo existencial seria a promoção de uma renda básica universal. Obviamente, promover-se o mínimo existencial através da renda básica universal não é, nem deve ser, único componente da dignidade da pessoa humana, pois observa-se um número variado de fatores, inclusive imateriais, como crença religiosa, como componentes da dignidade humana. No entanto, promover-se uma renda básica universal seria relevante passo para melhorar substancialmente a concretização da dignidade no Brasil

Assim, em um contexto de pandemia em que o Brasil promove-se não somente o debate, mas a concretização de uma renda universal por um período temporário, é difícil não questionar-se o motivo dessa realidade ocorrer somente em uma situação de Estado de Calamidade Pública. Dessa forma, porque não há um efetivo debate público, no qual a prioridade estatal volta-se a promoção de uma renda mínima universal e, por consequência, da dignidade da pessoa humana.

É possível observar-se que o Brasil já promove, através do bolsa família, um relevante projeto para garantia da segurança alimentar de estudantes secundaristas que frequentam a escola. O bolsa família é, assim, um protótipo rudimentar, com reduzida escala social e inversão de valores, do que seria a renda mínima universal no Brasil.

É evidente que tal solução, enquanto perspectiva permanente, não serve ao modo de produção e ao Estado capitalista e é, por isso, que, nesse particular momento, aproveita-se para se pensar em um outro modelos de Estado. Obviamente, organizar-se um modelo estatal que tivesse escopo para garantir essa dignidade básica mínima evidencia uma responsabilidade de inversão expressiva de capital do público ao bem-estar social. Inclusive, questiona-se, mais uma vez, não deveria ser esse o fim último do Estado.

No entanto, essa amonta de valores deve ter uma sustentabilidade, na qual, apresenta-se algumas medidas. Parte delas foram trazidas pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, em nota publicada dia 23 de março de 2020, na qual destaca-se o terceiro ponto:

Ao apenas pedir o sacrifício individual das pessoas que necessitam do trabalho para viver, a MP nº 927 indica que soluções que impliquem em pactos de solidariedade não serão consideradas, tais como a taxação sobre grandes fortunas, que tem previsão constitucional; a intervenção estatal para redução dos juros bancários, inclusive sobre cartão de crédito, que também tem resguardo constitucional; a isenção de impostos sobre folha de salário e sobre a circulação de bens e serviços, de forma extraordinária, para desonerar o empregador[2].

Para além das relevantes medidas que apresenta-se pela ANAMATRA, acrescentar-se-ia também o respeito ao teto remunerativo do serviço público, realidade que não ocorre atualmente. De forma evidente, essas medidas servem como um ponto de partida para o tema, mas não como ponto final. Debater-se, de forma ampla e pública e sobre a dignidade da pessoa humana poderia fazer avançar tais soluções socioeconômicas.

Outro ponto que pode-se ressaltar da experiência de quarentena é o efetivar das forças de trabalho na relação Estado, Capital e Sociedade. Já possui-se tecnologia suficiente para facilitar jornadas de trabalho sem que o trabalhador tenha que obrigatoriamente deslocar-se. Isso passa a gerar uma potencial melhora na qualidade de vida do trabalhador, com mais tempo próximo de casa e da família, bem como uma redução de tempo da jornada com transporte. Assim, urgente que se avance na liberação das forças de trabalho para jornadas remotas. No entanto, essa imaterialização das forças de trabalho não pode servir-se para promoção de mais-valia e da acumulação de capital, mas direcionar-se, mais uma vez, a agenciar a dignidade humana por meio de um outro modelo de Estado.

Assim, pode-se originar tecnologia aliada da classe trabalhadora quando direciona-se a melhoria das condições de trabalho, bem como propulsionar-se, através da renda universal mínima, o mínimo existencial da dignidade humana. De forma evidente, estimula-se um lançar inicial de ideias, sem a pretender-se um esgotar do tema, até porque, inclusive, não existe um modelo Estatal balizador para tal medidas.

O que há de fato, nesse momento, é um doença que demonstra o quão frágeis são em nossas sociedades a proteção tanto da vida quanto da dignidade humana. Espera-se, assim, que essa experiência mundial de distanciamento social sem precedentes, possa trazer ao ser humano noções reais de vida e de dignidade.

 

Notas e Referências

[1] Dentre farta literatura do autor sobre o tema, destaca-se: Sarlet, Ingo Wolfgang (2013) Dignidade (Da Pessoa) Humana, Mínimo Existencial e Justiça Constitucional: Algumas Aproximações e Alguns Desafios. Revista do CEJUR/TJSC: Prestação Jurisdicional, vº 01, nº 01, dez., pp 29-44).

[2] Disponível em https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/29459-anamatra-se-manifesta-sobre-o-teor-da-mp-927-2020 (data de acesso 08/04/2020)

 

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