O Consumo em Tempos de Fascismo Social

11/01/2019

Mais um ano se inicia. Novos planos e votos são promovidos ao brindar o recém-chegado 2019. Junto com os recomeços de virada de ano, também se inicia um novo governo no âmbito nacional, sob novas pautas e poucas ideias. A nova administração que se avulta apresenta muitas dúvidas, mas há uma certeza: será preciso saber conciliar a proposta de redução dos direitos trabalhistas, promovida através de um pensamento raso, belicoso e conservador da nova gestão, com a sociedade de consumo contemporânea. E essa tarefa, não será tarefa fácil.

Todavia, a futura regulação social promovida pelo Estado brasileiro parece já estar encontrando soluções as essas prerrogativas e esse breve texto prove ênfase a uma: o fascismo social. Segundo o sociólogo Boaventura de Sousa Santos o fascismo social divide-se em quatro principais formas, quais sejam: o fascismo do apartheid social; o da insegurança, o financeiro e o paraestatal, este último nas modalidades territorial e contratual. Logo, por não haver linhas suficientes, enfoca-se sobre o fascismo social paraestatal em sua modalidade contratual, que consiste em “verificar-se em situações (já descritas) em que a discrepância de poderes entre as partes envolvidas no contrato civil é de tal ordem que a parte mais fraca, vulnerabilizada pela circunstância de não ter alternativa, aceita as condições impostas pela parte mais forte, por mais duras e despóticas que elas sejam”[1].

Sob essa perspectiva, a reforma trabalhista, projeto do governo anterior, mas da qual o novo governo alinha-se, juntamente com a proposta do novo governo de extinção do Ministério do Trabalho, representam ícones estruturais da promoção do fascismo social contratual. Isto porque reduzir os direitos trabalhistas e preconizar a extinção Ministério do Trabalho são medidas de forte vulnerabilização e retirada de alternativas das trabalhadoras e dos trabalhadores frente aos detentores de capital e dos meios de produção. Assim, para além da carga simbólica dessas ações, essas medidas radicalizam a discrepância de poder dentro das relações de trabalho e enfraquecem o poder de barganha das trabalhadoras e dos trabalhadores na relação capital, sociedade e trabalho.

Logo, ao enfraquecer o poder de barganha nas relações de trabalho, começa a se dar margem para a radicalização das relações assimétricas de poder, na qual empregadores podem colocar as trabalhadoras e os trabalhadores em situações de necessidade de aceite de condições despóticas inimagináveis em outros momentos. De acordo com Boaventura de Sousa Santos “o trabalho sempre foi a grande via de acesso à cidadania. Para ter acesso à seguridade social e outros direitos, era preciso ter emprego. Hoje o trabalho não dá mais cidadania. É realizado sem condições e sem direitos”[2]. Nesse sentido, a precarização dos direitos trabalhistas, bem como a extinção do Ministério do Trabalho promovidos no Brasil reduzem a esfera privada as relações contratuais e colocam as relações de trabalho à mercê dos mais fortes, geralmente empresários, que possuem o poder político e econômico de opressão aos que alienam suas forças de trabalho.  

Mas, onde fica o consumo com flexibilização dos direitos trabalhistas? 

Não fica. Após expor que as medidas de redução dos direitos trabalhistas, concomitante com a extinção do Ministério do Trabalho detêm o potencial de criar uma regulação social capaz de produzir e reproduzir dinâmicas do fascismo social contratual por deixar as trabalhadoras e os trabalhadores a mercê de imposições despóticas da classe empregadora, torna-se importante relacionar esse contexto com o consumo.    

Deste modo, um dos objetivos centrais de reduzir da capacidade de proteção e negociação das trabalhadoras e dos trabalhadores é aumentar, ou pelo menos manter, uma taxa de desemprego alta, sob a finalidade promover uma maior competição por trabalho e, com isso, permitir maiores índices de lucros por meio de reduções salariais. Dessa forma, uma das principais consequências das baixas salariais em função de altas taxas de desemprego consiste na limitação das condições sociais para o consumo, na medida em que as trabalhadoras e os trabalhadores, cada vez mais precarizados, acabam por ter um menor poder aquisitivo. Assim, a redução do poder aquisitivo acaba por limitar a disponibilidade de capital para o consumo, mas não por uma proteção a vulnerabilidade ou sob o abrigo do direito do consumidor, mas por uma efetiva redução nas condições sociais de emprego.

Desde já, é possível perceber-se, portanto, que a população brasileira irá ter dificuldades em manter os indicies de consumo necessários que a engrenagem da estrutura desenvolvimentista necessita. Sob essa perspectiva, a administração federal não está promovendo uma regulação do consumo em direção ao consumo consciente e sustentável, mas em direção ao fascismo social contratual. E sabe-se quais segmentos sociais irão mais sofrer com essa admirável nova política[3].

 

Notas e Referências

[1] Santos, Boaventura de Sousa, 2003. “Poderá o direito ser emancipatório? ” Revista Crítica de Ciências Sociais (65): 3-76.

[2] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2105200102.htm (data de acesso 09/01/2019)

[3] Referência ao livro: Admirável Mundo Novo de Aldous Leonard Huxley, 1932.

 

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