Dos meios de defesa do Ministério Público do Trabalho em relação aos direitos difusos e coletivos – Parte I

18/02/2016

Por Rodrigo Wasem Galia e Luis Leandro Gomes Ramos - 18/02/2016

Na fase pré-processual 

Do inquérito civil

Trata-se do conjunto de atos destinados a apurar a ocorrência de determinados fatos a fim de esclarecer todas as circunstâncias com eles relacionadas, tais como, o início, os seus desdobramentos e como terminaram, salientando que o vocábulo inquérito provém do verbo latino quaeritare, que significa investigar.

Além disso, o inquérito civil representa uma modalidade de inquérito introduzida no Direito Positivo brasileiro pelo parágrafo 1º, do artigo 8º, da Lei 7.347-85, o qual preceitua que: “O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.”[1]

Sérgio Pinto Martins esclarece que “o inquérito civil público poderá ser instaurado por denúncia ou notícia de lesão a direito social coletivo.” Assim, na denúncia, a pessoa oferece representação à Procuradoria Geral ou Regional do Trabalho, requerendo investigação sobre o fato, caso em que o Procurador, ao tomar ciência da lesão, poderá instaurar o inquérito, após autorização do Procurador Geral ou Regional.

Entretanto, é mister salientar que o inquérito civil não é pressuposto para o ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público, tratando-se, tão somente, de procedimento administrativo.[2]

Conceitua-se, portanto, inquérito civil, na lição de Voltaire de Lima Moraes, como “[…] o instrumento de investigação próprio do Ministério Público, que se destina a averiguar fatos lesivos aos interesses e direitos que lhe cabe tutelar extrajudicialmente ou em juízo.”[3]

Isto significa dizer, portanto, que descabe a instauração de inquérito civil por outro ente estatal para a propositura de ações civis, com intuito de tutelar interesses coletivos lato sensu ou de outra natureza, restando claro que se trata de instrumento de investigação privativo do Ministério Público.[4]

É importante salientar, por oportuno, que o inquérito civil tem caráter eminentemente inquisitorial, posto que não se submete ao princípio do contaditório, tampouco à ampla defesa, razão pela qual a ele é inaplicável o disposto no art. 5º, LV, da CF. Todavia, isso não significa o agente do Ministério Público não possa admitir a juntada de documentos aos autos do inquérito, a requerimento do investigado, haja vista que, acima de tudo, o que se busca com tal instrumento é o esclarecimento dos fatos na sua plenitude.[5]

Nesse sentido é o entendimento de Hugo Nigro Mazzili[6], ao asseverar que “O inquérito civil é procedimento investigatório não contraditório; nele não se decidem interesses nem se aplicam sanções; antes, ressalte-se sua informalidade.”

Os atos que implicam desenvolvimento do inquérito civil são atos administrativos discricionários, tendo em vista que a lei não determina, necessariamente, a inquirição de testemunhas, requisição de documentos ou a realização de perícia; ela apenas faculta a produção dessas provas; em consequência, os atos de inquirir, de requisitar e de periciar poderão não ser realizados.

No que pertine ao seu encerramento, tal ato administrativo poderá se dar no sentido de que, em face dos elementos coligidos, seja impositivo o ajuizamento de ação civil pública, ou, então ocorra o seu arquivamento.[7]

Contudo, o inquérito civil também se submete a controle realizado pelo Poder Judiciário, pois, em que pese ser um procedimento administrativo destinado a apurar fatos que reclamam o agir do Ministério Público no desempenho de suas funções constitucionais ou legais, com a prática de atos administrativos, em seu nascimento, desenvolvimento e término, é natural que o Poder Judiciário venha a ser chamado a manifestar-se sobre eles quando eventuais ilegalidades, abusividades ou constangimentos que estejam a causar.

Destarte, quando constatadas mencionadas ilegalidades ou abusividades é cabível mandado de segurança a fim de proteger direito líquido e certo, eventualmente violado no processo de inquérito civil, justificando, portanto, o controle jurisdicional em relação aos procedimentos administrativos do Ministério Público do Trabalho.[8]

Do termo de ajustamento de conduta

Entende-se como termo de ajustamento de conduta ou compromisso de ajustamento o ato jurídico processual ou extraprocessual pelo qual a pessoa física ou jurídica que esteja a lesar os bens jurídicos tutelados por essa lei assume, perante um órgão público legitimado para a propositura da ação civil pública ou coletiva, sua inequívoca vontade de ajustar-se às exigências estabelecidas em lei, de restabelecer o status quo ante, afetado por ato comissivo ou omissivo considerado ilícito, manifestação essa com eficácia de título executivo extrajudicial (art. 585, II, do CPC) quando feita anteriormente ao ajuizamento da demanda ou quando não submetida ao crivo do juiz, pois, se o foi, o título será considerado judicial (art. 475-N, III, do CPC).[9]

Sérgio Pinto Martins se coaduna com tal entendimento, para quem “A pessoa causadora da lesão pode prestar compromisso perante o Ministério Público de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.”[10]

Ademais, o compromisso de ajustamento reveste a natureza jurídica de transação atípica, considerando que a ação civil pública traz a marca da indisponibilidade quanto ao seu objeto material, pois os direitos que ela visa a proteger não são patrimoniais de caráter privado, caso em que ela é inadmissível (art. 841, do CC).[11]

Hodiernamente, o Ministério Público do Trabalho tem utilizado o Termo de Ajuste de Condutas (TAC) para coibir as práticas de assédio moral e outras práticas discriminatórias no ambiente de trabalho, administrativamente, buscando suspender tais práticas, antes de ingressar com a Ação Civil Pública.

Nesse sentido, é interessante informar, a título de exemplo, um caso de Belo Horizonte (MG), no qual uma empresa de combustíveis assinou Termo de Ajustamento de Conduta perante o Ministério Público do Trabalho se comprometendo a suspender imediatamente práticas de discriminação e assédio moral. Ressalte-se que o termo foi motivado por uma denúncia encaminhada ao MPT, pela Justiça do Trabalho, acerca das práticas discriminatórias por parte de uma funcionária, responsável por outros 4 casos de assédio moral, tendo sido dispensada pela empresa.

Saliente-se que o compromisso assumido pela empresa era, entre outras medidas, suspender práticas discriminatórias em desfavor de trabalhadores atuais ou futuros; cessar práticas com o intuito de pressionar os empregados a não comparecerem como testemunhas em processos nos quais a empresa esteja envolvida; abster-se de fornecer informações depreciativas em relação aos funcionários por terem ajuizado ação trabalhista contra a empresa, o que, infelizmente, tem sido prática comum entre as empresas do mesmo ramo empresarial, as chamadas “listras negras”[12]. Além disso, foi estabelecida uma multa de R$ 25.000,00 por prática discriminatória constatada, no caso de descumprimento.[13]

Outro caso que se afigura emblemático, ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o Ministério Público do Trabalho firmou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ofício de Registro de Imóveis de São Leopoldo, no qual o Ofício se comprometeu no acordo a impedir que seus empregados sejam submetidos a situações que caracterizem assédio moral ou sexual ou a qualquer tipo de constrangimento (humilhações, intimidações, ameaças, etc) no ambiente de trabalho por meio de seus superiores. Além disso, ficou acordado que o ofício deverá assegurar a todos os trabalhadores tratamento digno e respeitoso no ambiente de trabalho, não adotando ou permitindo que tenham alguma atitude discriminatória em relação a qualquer pessoa.

Por fim, o ofício foi condenado a disponibilizar aos empregados que prestem serviço ou que já prestaram no ano de 2008, acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, conforme a necessidade de cada trabalhador, sob pena de multa de R$ 50 mil por trabalhador que não receber apoio psicológico ou psiquiátrico quando solicitado. E mais: o Ofício deverá promover diversas ações de conscientização, tais como realização anual de palestras sobre o assédio moral, entre outras.[14]

No que tange ao termo de ajuste de conduta, é mister salientar que o não aceite ou seu descumprimento eleva o grau de culpabilidade da ré, em eventual processo judicial, conforme trecho extraído do acórdão proferido no Recurso Ordinário interposto pela RBS – Zero Hora Editora Jornalística S.A, no qual a recorrente restou condenada ao pagamento de indenização por assédio moral coletivo, tendo seu grau de culpabilidade agravado em virtude da recusa em assinar o termo de ajuste de conduta proposto pelo Ministério Público do Trabalho, in verbis: 

[…] a conduta da ré evidenciou alto grau de culpabilidade, e a resistência que demonstra à conciliação do feito (recusou o Termo de Ajustamento de Conduta e não aceitou a proposta do MPT de acordo judicial) indicam a necessidade de imposição de condenação pesada, de forma a tornar desvantajosa economicamente e conivência-tolerância com comportamentos similares.[15]

Assim sendo, a atuação do Ministério Público do Trabalho, quer seja através dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC), quer seja através da Ação Civil Pública, se faz necessária cada vez mais na coibição do assédio moral e outras tantas práticas discriminatórias existentes na atual organização do trabalho, cujas iniciativas desta instituição tem avançado significativamente para a diminuição dos casos, bem como a inibição de novos casos, garantindo, assim, a valorização da dignidade e dos direitos sociais dos trabalhadores conquistados a custa de tantas lutas históricas e, felizmente, positivados na Constituição Federal, a qual busca um Estado Democrático de Direito pautado nos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e, sobretudo, da solidariedade.


Notas e Referências:

[1] MORAES, Voltaire de Lima. Ação Civil Pública: alcance e limites da atividade jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 39.

[2] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 550.

[3] MORAES, Voltaire de Lima. Ação Civil Pública: alcance e limites da atividade jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 39.

[4] MORAES, Voltaire de Lima. Ação Civil Pública: alcance e limites da atividade jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 39-40.

[5] MORAES, Voltaire de Lima. Ação Civil Pública: alcance e limites da atividade jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 40.

[6] MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 400.

[7] MORAES, Voltaire de Lima. Ação Civil Pública: alcance e limites da atividade jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 43.

[8] MORAES, Voltaire de Lima. Ação Civil Pública: alcance e limites da atividade jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 47.

[9] MORAES, Voltaire de Lima. Ação Civil Pública: alcance e limites da atividade jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 49.

[10] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 550.

[11] MORAES, Voltaire de Lima. Ação Civil Pública: alcance e limites da atividade jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 50.

[12] Nesse sentido, convém informar que o Ministro do TST, Vieira de Mello, ao apreciar recurso de revista  interposto por um empregado em face da decisão do TRT, que concluiu pela inexistência de dano moral pleiteado pelo reclamante contra sua ex-empregadora, pela inclusão de seu nome em lista discriminatória, violando sua intimidade e privacidade, entendeu que o empregador extravasou os limites de sua atuação profissional e atentou contra o direito do empregado de manter sob sigilo suas informações profissionais. Entendeu, por fim, que a existência da lista revelou-se tão atentatória aos padrões éticos e jurídicos que o Ministério Público do Trabalho, mediante Ação Civil Pública, conseguiu a extinção de dados pela Justiça do Trabalho, bem como a caracterização e compensação dos danos individualmente. (RR 329/2004-091-09-00.5)

[13] Disponível em <http//www.pgt.mpt.gov/noticias/noticias-das-prts/tac-coibe-assedio-moral.html>: Acesso em 10.10.2010.

[14] Disponível em <http//www.pgt.mpt.gov/noticias/noticias-das-prts/oficio-de-são-leopoldo-se-compromete-coibir-assedio-moral-sexual-no-ambiente-de-trabalho.html>: Acesso em 10.10.2010.

[15] EMENTA. […] DANO MORAL COLETIVO. ASSÉDIO MORAL. O assédio moral que se traduzia pelos insultos e palavras de baixo calão proferidos pelo gerente aos empregados subordinados, durante as reuniões, como também a diretoria da empresa, quando informada, mais do que manifestar descaso, demonstrou concordância e aprovação em relação à conduta do gerente, tanto que até mesmo despediu a pessoa que reclamou. Por outro lado, é de se reduzir o valor da condenação, ante a aplicação do princípio da razoabilidade. Recurso parcialmente provido.[…] (TRT4 – RO – 00900-2006-007-04-00-3 – 3ª Turma – Desa. Relatora: Maria Helena Mallmann – 27.02.08)

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

MORAES, Voltaire de Lima. Ação Civil Pública: alcance e limites da atividade jurisdicional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.


Rogrigo Galia

. Rodrigo Wasem Galia é Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor da graduação e Pós-graduação em Direito. Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Palestrante. Advogado. .


Luis Leandro Gomes Ramos

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Luis Leandro Gomes Ramos é Advogado Trabalhista, graduado em Direito pela FADIPA – Faculdade de Direito de Porto Alegre – IPA –, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo IDC – Instituto de Desenvolvimento Cultural. .


Imagem Ilustrativa do Post: Audiência no MPT-SP - 13/6/2012 // Foto de: Mazda Hewitt // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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