ABDPRO #118 - O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E OS 4 ANOS DE VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ENTRE DESACERTOS E ACERTOS

26/02/2020

Coluna ABDPRO

O Código de Processo Civil 2015, no dia 18.03.2020, completará 4 (quatro) anos de vigência. Pretendeu-se com a nova legislação processual promover uma maior sistematicidade e reprimir determinados comportamentos efetivados por todos os sujeitos processuais.

A legislação possui capítulo específico que trata das normas fundamentais do processo civil, no qual ressalta a imprescindibilidade do processo civil ser ordenado, disciplinado e interpretado em conformidade com a Constituição. Nesse ponto, já dissertava o saudoso Professor José Alfredo de Oliveira Baracho, no ano de 1984, “a relação existente entre Constituição e Processo” e que “a constituição determina muitos dos institutos básicos do processo, daí as conclusões que acentuam, cada vez mais, as ligações entre a Constituição e o Processo”[1].

Por intermédio da legislação, estabeleceu-se inovações como a primazia do julgamento de mérito (art. 4, CPC/15), fundamentação analítica das decisões (art. 489, §1º, CPC/15), impossibilidade de criação de jurisprudência defensiva (arts. 99, § 5º e 1.007, CPC/15), possibilidade de correção de vício sanável em grau recursal (art. 932, parágrafo único, CPC/15), dever dos tribunais de uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926, CPC), entre outras.

O presente texto objetiva descrever e examinar alguns entendimentos do Superior Tribunal de Justiça evidenciando os possíveis acertos e desacertos do Tribunal da cidadania responsável por uniformizar a interpretação da lei federal por todo o Brasil.

Abordagens referentes à taxatividade mitigada do recurso de agravo de instrumento[2], fundamentação das decisões[3], superação dos precedentes[4] e comprovação do feriado local[5], podem ser lidas em artigos publicados nesta coluna falando de processo.

Não cabe aqui, obviamente, a análise pormenorizada de cada instituto, busca-se tão somente ofertar ao leitor um panorama dos entendimentos firmados pelo STJ sobre a estabilização da tutela antecipada antecedente, suspensão do procedimento, intimação eletrônica, técnica de ampliação da colegialidade e os possíveis desacertos e acertos.

 

ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE

Tendo a finalidade de minimizar a tensão existente entre o desenrolar procedimental, que pode exigir mais ou menos tempo, tudo a depender das peculiaridades do caso concreto, da atuação dos advogados das partes e da gestão processual realizada pelo juiz, e a decisão definitiva de mérito, tem-se a possibilidade de concessão de tutela provisória fundada em urgência ou evidência, por intermédio de cognição sumária.

O CPC/15 possibilita a concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, na forma do procedimento delineado nos arts. 303 a 310 do CPC/15, antes de se requerer o pedido de tutela final, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação.

A tutela antecipada antecedente pode se tornar estável caso a parte prejudicada com a sua concessão não interponha o recurso de agravo de instrumento para a sua impugnação, no prazo legal.

O STJ em sede do julgamento do REsp 1.760.966/2018 (informativo 639), Relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze, fixou o entendimento, por unanimidade, que a estabilização da tutela antecipada antecedente não se efetivaria, desde que a parte interessada apresentasse qualquer tipo de impugnação, a partir de uma interpretação sistemática, teleológica e extensiva.

Todavia, no julgamento do REsp 1.797.365/2019 (informativo 658), tendo como relatora para o acordão a Min. Regina Helena Costa, restou decidido, por maioria, que somente a interposição do recurso de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que concedeu a tutela antecipada antecedente era o mecanismo adequado para impedir a estabilização da tutela, sem efetivar qualquer menção ao entendimento firmado em sede do julgamento do REsp 1.760.966/2018 pela terceira turma.

Evidencia-se o desacerto da decisão do STJ no julgamento do REsp 1.797.365/2019 (1º turma – primeira seção) em não realizar qualquer menção, notadamente no voto divergente e vencedor, ao entendimento anteriormente externalizado em sede do julgamento do REsp 1.760.966/2018 (3º turma – segunda seção) e, ainda, em não remeter o feito à Corte Especial do STJ em razão da relevância da questão jurídica e da necessidade de prevenir divergência entre as seções, nos termos do art. 16, do RISTJ.

Ressalta-se que inexiste no voto da ministra Regina Helena Costa e Benedito Gonçalves qualquer menção sobre o entendimento firmado por unanimidade pela 3º turma do STJ.

Conclui-se, por conseguinte, que o STJ deixou de observar o disposto no art. 926 do CPC/15 e no art. 16 do seu Regimento Interno.

Por fim, ressalta-se que eventuais prejuízos oriundos do deferimento de tutela provisória revogada em sede de sentença poderão ser liquidados nos próprios autos (REsp 1.770.124/2019, informativo 649 STJ), sendo, inclusive, responsabilidade objetiva (STJ, REsp 1.191. 262/2012).

 

SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO

O CPC/15 em seu art. 313 disciplina as hipóteses em que o procedimento será suspenso, sendo que a Lei nº 13.363, de 2016, incluiu uma nova causa de suspensão no inciso X que possui a seguinte redação: quando o advogado responsável pelo processo constituir o único patrono da causa e tornar-se pai.

O parágrafo 7º do citado artigo estabelece que: no caso do inciso X, o período de suspensão será de 8 (oito) dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente. 

O STJ buscando delimitar o momento para a comprovação do fato gerador da suspensão procedimental fixou o entendimento que a suspensão ocorre a partir do nascimento ou adoção, independentemente da imediata comunicação ao juízo (STJ, informativo 644, REsp 1.799.166/2019).

A 3ª turma, por unanimidade, seguiu o entendimento delineado pela Min. Relatora Nancy Andrighi no sentido de que a comunicação ao Juiz do nascimento ou adoção do filho do único patrono responsável não precisa ser imediata ao nascimento ou adoção.

Assim, mesmo que a comprovação do nascimento ou adoção ocorra em data diversa do fato gerador (nascimento ou adoção), a suspensão do procedimento se dá a partir do nascimento ou adoção.

O entendimento firmado pelo STJ mostra-se acertado, vez que possibilita ao advogado durante o prazo de 8 (oito) dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção, o afastamento das atividades laborativas para o acompanhamento do filho e convívio familiar.

 

INTIMAÇÃO ELETRÔNICA

Por meio do julgamento do AgInt no AREsp 1.330.052/2019 (informativo 647) STJ), de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, firmou o entendimento, por unanimidade, no sentido de que a intimação eletrônica prevalece sobre a publicação no Diário de Justiça no caso de duplicidade de intimações.

O entendimento firmado pelo STJ apresenta-se alinhado com o disciplinado no art. 272, caput, do CPC/15, visto que a publicação dos atos efetivada no órgão oficial é uma forma subsidiária à intimação eletrônica[6], notadamente em razão da informatização dos processos judiciais.

 

TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DA COLEGIALIDADE

Com o fim do recurso de embargos infringentes (art. 530 e ss, CPC/73) criou-se a técnica de julgamento de ampliação da colegialidade regulamentada pelo art. 942 do CPC/15.

Em caso de divergência no julgamento de recurso de apelação (art. 942, caput) de ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença (art. 942, § 3º, I) e, por fim, em sede de julgamento do recurso de agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito (art. 942, § 3º, II), aplicar-se-á automaticamente a técnica de julgamento de ampliação da colegialidade.

A técnica de julgamento da ampliação da colegialidade, ora estudada, não se aplica ao julgamento do incidente de assunção de competência, de resolução de demandas repetitivas, da remessa necessária e no julgamento não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial (art. 942, § 4º, CPC/15).

Assim, será designada nova sessão para o prosseguimento do julgamento, com a presença dos demais julgadores que irão compor o órgão colegiado ampliado, permitindo-se a inversão do resultado inicial, devendo ser assegurado às partes, e a eventuais terceiros, o direito de nova sustentação oral, perante aos novos julgadores convocados.

Vale dizer, que desde o ano de 2016, a autora do presente artigo, por intermédio das suas pesquisas, buscou demonstrar que para a aplicabilidade correta do julgamento ampliado deve-se compreender a inexistência de limitação da matéria que será apreciada pelos integrantes da turma julgadora, ou seja, a divergência instaurada pode ser acerca de direito material ou de direito processual, devido à inexistência de limitação legislativa[7].

Nesse sentido, o STJ fixou o entendimento no sentido de os novos julgadores convocados não estão limitados à matéria objeto da divergência (STJ, informativo 638 – Resp. 1.771.815/2018) e que a técnica de ampliação da colegialidade tem aplicabilidade na hipótese de não unanimidade no juízo de admissibilidade recursal (STJ, informativo 659 – Resp. 1.798.705/2019).

Ressalta-se, ainda, que para a regular aplicabilidade da técnica de ampliação da colegialidade, como técnica de julgamento, é indispensável que o prosseguimento do julgamento não se dê na mesma sessão de julgamento (art. 942, § 1º), notadamente em virtude da necessidade de se garantir uma deliberação substantiva sobre toda a questão fática e jurídica debatida pelos novos integrantes da turma julgadora. Do mesmo modo, é imprescindível que seja oportunizado aos advogados o conhecimento do inteiro teor do voto condutor e do voto dissidente, proferidos na primeira sessão de julgamento, devido à possibilidade de nova sustentação oral perante a turma julgadora ampliada.

Somente por meio da publicação dos votos proferidos os advogados poderão se preparar para a nova sustentação oral, buscando-se a inversão do julgamento ou a mantença do entendimento majoritário anteriormente externalizado.

Concebendo-se a sustentação oral relevante instituto processual de exercício do contraditório participativo na sessão de julgamento[8], a ausência de previsão regimental ou a impossibilidade do sistema operacional eletrônico dos tribunais para a publicação do “acordão parcial” não pode ser obstáculo para a publicação dos votos proferidos no julgamento parcial.

A intensificação da deliberação é possibilita por meio da ampliação numérica do colégio decisor, evidenciando a necessidade de compreensão da sessão de julgamento como espaço substancialmente deliberativo, por todos os sujeitos processuais, na construção da decisão pluripessoal.

Uma advertência final faz-se necessária.

A técnica de julgamento de ampliação da colegialidade não pode ser utilizada para subverter o sistema a uma pseudocolegialidade formada nos gabinetes dos desembargadores, com a finalidade de se expurgar o voto dissidente, ensejando na inaplicabilidade da técnica de julgamento pela ausência de divergência, bem como em uma monocratização sofisticada, vez que viola a garantia constitucional processual de publicidade, eivando de nulidade a decisão colegiada[9].

CONCLUSÃO

Diante disso, conclui-se que o maior desafio no sistema judiciário brasileiro é fazer com que o próprio judiciário brasileiro assegure a segurança jurídica, buscando a construção de uma jurisprudência estável, íntegra e coerente.  

 

Notas e Referências

[1] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, p. 122.

[2] CARREIRA. Guilherme Sarri. A “Escolha de Sofia” e a taxatividade do agravo de instrumento. Disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/abdpro-101-a-escolha-de-sofia-e-a-taxatividade-do-agravo-de-instrumento, Acesso em 24. fev.2020.

[3] CABRAL. Angélica Mota. OSTJ nega vigência ao art. 489, § 1º do CPC/15?.Disponível em:<https://emporiododireito.com.br/leitura/abdpro-117-o-stj-nega-vigencia-ao-art-489-1-do-cpc-2015>  Acesso em 24. fev.2020.

[4] MALAFAIA. Evie Nogueira. Decisões de efeito vinculante no CPC/15: revisão x superação. Disponível em < https://emporiododireito.com.br/leitura/abdpro-116-decisoes-de-efeito-vinculante-no-cpc-15-revisao-x-superacao>.  Acesso em 24. fev.2020.

[5] HELLMAN, Renê Francisco. O STJ, a jurisprudência defensiva e a comprovação de feriado local. Disponível em <https://emporiododireito.com.br/leitura/abdpro-87-o-stj-a-jurisprudencia-defensiva-e-a-comprovacao-de-feriado-local>. Acesso em 24. fev.2020.

[6] HELLMAN, Renê Francisco. Novo Código de Processo Civil Comentado – Tomo I (art.1º ao art. 317). LUALRI Editora, p. 423.

[7] Sobre tal posicionamento ver: Ampliação da colegialidade e embargos declaratórios no novo CPC, disponível em <https://www.conjur.com.br/2016-jul-11/ampliacao-colegialidade-embargos-declaratorios-cpc>, Técnica de ampliação da colegialidade Desafio neste um ano de vigência do novo código de processo civil, disponível em <https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/463435461/tecnica-de-ampliacao-da-colegialidade> e Colegialidade, improcedência liminar do pedido e a ampliação numérica dos julgamentos, disponível em <https://emporiododireito.com.br/leitura/abdpro-42-colegialidade-improcedencia-liminar-do-pedido-e-a-ampliacao-numerica-dos-julgadores> e Princípio constitucional da colegialidade na formação da decisão pluripessoal, disponível em < http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_ChavesJG_1.pdf>.

[8] SOKAL, Guilherme Jales. O julgamento colegiado nos tribunais: procedimento recursal, colegialidade e garantias fundamentais do processo. Rio de Janeiro: forense: São Paulo: Método, p.255.

[9] NUNES, Dierle; DUTRA, Victor; OLIVEIRA JR, Délio Mota de. Honorários no recurso de apelação e questões correlatas. In. COELHO, Marcus Vinicius Furtado; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Honorários advocatícios. Grandes temas do Novo CPC. Salvador: Jus Podivm, 2015. V.2.p.635-637.

 

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