A tutela de direitos transindividuais (coletivos lato sensu): direitos difusos e coletivos e importância para as reflexões acerca da dispensa em massa (Parte 2)

22/09/2016

Por Rodrigo Wasem Galia - 22/09/2016

Leia também a Parte 1 e a Parte 3

E sem dinheiro vai dar um jeito Vai pro serviço É compromisso, vai ter problema se ele faltar Salário é pouco não dá pra nada Desempregado também não dá E desse jeito a vida segue sem melhorar

Seu Jorge (Música Trabalhador)

É importante a observação de Teori Albino Zavaski, que ressalta que:

Nem sempre são perceptíveis com clareza as diferenças entre os direitos difusos e os direitos coletivos, ambos transindividuais e indivisíveis, o que, do ponto de vista processual, não tem maiores consequências, já que, pertencendo ambos ao gênero de direitos transindividuais, são tutelados judicialmente pelos mesmos instrumentos processuais. Pode-se, pois, sem comprometer a clareza, identifica-los em conjunto, pela sua denominação genérica de direitos coletivos ou de direitos transindividuais. No entanto, os direitos individuais, não obstante homogêneos, são direitos subjetivos individuais. Peca por substancial e insuperável antinomia afirmar-se possível a existência de direitos individuais transindividuais. Entre esses e os direitos coletivos, portanto, as diferenças são mais acentuadas e a sua identificação, consequentemente, é mais perceptível.[1]

Como observa Rodrigo Coimbra, nas relações de trabalho[2], ainda que o Direito Coletivo do Trabalho contemple os exemplos talvez mais típicos de direito coletivo stricto sensu – de que seja titular categoria ou grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, que, no caso, geralmente é o contrato de emprego –, existem também significativos direitos com objeto difuso. Assim, apresentam-se alguns casos envolvendo direitos com objeto difuso provenientes das relações de trabalho: a) greve em serviços ou atividades considerados essenciais, em que as atividades inadiáveis da comunidade não foram cumpridas pelos sujeitos da relação de trabalho – empregados e empregadores, causando prejuízos à coletividade (pessoas indeterminadas, não têm titular individual e a ligação entre os vários titulares difusos decorre de mera circunstância de fato); b) tutela inibitória (obrigação de não fazer) com relação a uma empresa que exige dos inúmeros e indeterminados candidatos a emprego (portanto, antes de haver vínculo jurídico) certidão negativa da Justiça do Trabalho sobre a inexistência do ajuizamento de eventual ação trabalhista (novamente tem-se o caso de pessoas indeterminadas- qualquer sujeito que potencialmente fosse fazer tal entrevista seria lesado – indeterminação absoluta dos titulares); c) discriminação na seleção para vaga de emprego (portanto, antes de haver vínculo jurídico de emprego), atingindo pessoas indeterminadas, como em relação a negros ou portadores de deficiências físicas, mulheres grávidas, idosos, índios, estrangeiros, menores, ou a prática de qualquer outro tipo de discriminação vedada pela Constituição Federal, inclusive portadores de HIV ou outra enfermidade grave que suscite discriminação. Outro exemplo de direitos com objeto difuso na área trabalhista é a situação de redução análoga à condição de escravo, com atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e de Juízes do Trabalho. [3]

Conforme Marcos Neves Fava, desnecessário é avaliar a impossibilidade de defesa individual dos interesses desses trabalhadores, semicidadãos, isolados, desamparados e combalidos pela submissão escravocrata. As hipóteses de violação encetam direitos difusos – resumidos pela proteção da ordem jurídica justa – e individuais homogêneos – consistentes nos créditos individuais dos trabalhadores, para quitação de salário, descanso remunerado, adicionais de pagamento por trabalho insalubre ou perigoso, entre outros direitos.[4]

Segundo Marcos Neves Fava, a questão do meio ambiente do trabalho comportaria também dupla dimensão de interesses, tal qual ocorre com a questão acima aludida no que tange ao trabalho escravo:

A proteção ao meio ambiente em geral constitui-se em interesse difuso, compartilhado, indeterminadamente, por toda a comunidade que do referido ambiente se serve; a degradação do ambiente de trabalho prejudica, de forma direta e definitiva, os trabalhadores que no local militam e, ainda mesmos danos podem ser identificados individualmente, segundo as sequelas mais ou menos graves que provoquem. Na primeira hipótese, haverá proteção do interesse difuso por meio de ação civil pública – retius, ação coletiva – para impedir ou reparar a ação danosa, com cobrança de indenização revertida ao fundo de que trata o art. 13 da LAC; na segunda hipótese, por meio da mesma ação ou do mandado de segurança coletivo, alcançar-se-á a tutela de interesse coletivo em sentido estrito, beneficiando-se, com a atuação jurisdicional, a coletividade dos membros daquela categoria; e, por fim, através de ação coletiva para proteção de interesses homogêneos, os que têm natureza comum, porque decorrentes da degradação do meio ambiente do trabalho, arquitetará a reparação do dano individual (ação civil coletiva, nos termos da Lei Complementar n. 75/93).[5]

Desse modo, para a efetivação dos direitos fundamentais de terceira dimensão foi criado um sistema de jurisdição civil denominado de microssistema de tutela dos direitos ou interesses coletivos. Tal sistema é formado pela integração sistemática da Constituição Federal de 1988, da Lei da Ação Popular, da Lei da Ação Civil Pública, do Código de Defesa do Consumidor e de forma subsidiaria do Código de Processo Civil. Na seara trabalhista deve-se acrescentar a todos esses diplomas legais a Lei Orgânica do Ministério Público da União e a Consolidação das Leis do Trabalho, denominada essa junção como sistema de jurisdição trabalhista metaindividual.[6]

O poder constituinte originário, com o fito de tornar dinâmica a atividade jurisdicional, institucionalizou atividades profissionais (tanto públicas como privadas), conferindo-lhes o status de funções essenciais à justiça, estabelecendo regras, no que tange à instituição do Ministério Público, definidas nos artigos 127 a 130 da Constituição Federal de 1988.[7]

Com fulcro no art. 127, caput, da Carta Magna de 1988, define-se que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis dos cidadãos. Além disso, dita instituição vem ocupando lugar cada vez mais de destaque na organização do Estado, haja vista o alargamento de suas funções de proteção dos direitos indisponíveis e de interesses coletivos.

Nessa esteira de entendimento, considerando que o Ministério Público da União compreende, entre outros, o Ministério Público do Trabalho, torna-se imperioso analisar suas atribuições e prerrogativas, precipuamente na defesa dos direitos difusos e coletivos. Com isso, pretende-se realçar que é defensável que o MPT atue frente às dispensas coletivas, posto que estas atingem direitos difusos, de titularidade indeterminada.

Faz-se, assim, importante salientar que a organização e as atribuições do Ministério Público do Trabalho estão disciplinadas na Lei Complementar n. 75, de 20.05.1993, em seus artigos 83 a 115, a qual define como chefe da instituição o Procurador-Geral do Trabalho, com a função de representá-la, entre outras atribuições elencadas no artigo 91 da referida lei.[8] Ademais, impõe informar que o Ministério Público da União tem como princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, este último, inclusive, tem relevância nas ações propostas pela instituição em defesa dos interesses difusos e coletivos do cidadão, em especial, dos trabalhadores.

Evidencia-se, portanto, que uma das atribuições do Ministério Público do Trabalho é justamente perseguir modelos de relações de trabalho que valorize a dignidade da pessoa humana, relação essa que indubitavelmente não se compatibiliza com as relações de trabalho que incentivam ou não previnam a dispensa em massa.

A lei n. 7.347 de 24 de julho de 1985, a qual disciplina a ação civil pública, é taxativa ao dispor em seu artigo 1º que “Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: “[…] IV – qualquer outro interesse difuso e coletivo”; bem como a Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, dispõe, em seu artigo 83, que

compete ao Ministério Público do Trabalho no exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

[…]

III- promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais garantidos constitucionalmente.[9]

Afasta-se, portanto, qualquer divergência acerca da legitimidade do Ministério Público do Trabalho na defesa dos interesses coletivos violados nos casos de dispensa coletiva. A Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (CDC), enuncia em seu artigo 81, parágrafo único que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de

[…] I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.[10]

Assim sendo, evidenciada a esfera extrapatrimonial da coletividade, possuindo natureza de interesse difuso, resta claro a legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho na defesa de tais interesses, através da Ação Civil Pública, no plano judicial, ou através do Termo de Ajustamento de Conduta, no plano extrajudicial. Este último, com imposição de multa diária para tentar garantir a sua efetividade.

É importante esclarecer, por oportuno, que tanto os direitos difusos, quanto os coletivos, são transindividuais, de natureza indivisível, divergindo apenas quanto aos titulares do direito posto em juízo. Assim, enquanto na tutela dos interesses difusos são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, os interesses coletivos são adstritos a um conjunto de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica.


Notas e Referências:

[1] ZAVASKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 6. ed. rev., atual. e ampl. 3. Tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 38.

[2] O objetivo fundamental de um Estado Democrático de Direito deve ser o de garantir a todos os homens o direito de trabalhar e de viver com dignidade. A atuação das pessoas e da sociedade diante da ordem econômica contemporânea deve pautar-se, sempre, por dar ênfase ao valor social do trabalho. Afinal, somente através do trabalho é que se promoverá a diminuição das desigualdades regionais e sociais pela inclusão dos menos favorecidos. ROESLER, Átila da Rold. Crise econômica, flexibilização e o valor social do trabalho. São Paulo: LTr, 2014. p. 95.

[3] COIMBRA, Rodrigo. Efetivação dos Direitos e Deveres Trabalhistas com Objeto Difuso a Partir da Constituição e da Perspectiva Objetiva dos Direitos Fundamentais. Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre: HS Editora, ano n. 8, n. 28, p. 106, Julho/Setembro de 2014.

[4] FAVA, Marcos Neves. Ação Civil Pública Trabalhista. São Paulo: LTr, 2005. p. 104.

[5] FAVA, Marcos Neves. Ação Civil Pública Trabalhista. São Paulo: LTr, 2005. p. 109.

[6] EÇA, Vitor Salino de Moura; ROCHA, Cláudio Jannotti da. O direito ao trabalho analisado sob a perspectiva humanística: efeito corolário a uma (super) proteção na dispensa coletiva. In: BEZERRA LEITE, Carlos Henrique; EÇA, Vitor Salino de Moura (Coord.). Direito Material e Processual do Trabalho na Perspectiva dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2014. p. 31.

[7] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13a ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 601.

[8] BRASIL. Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm>. Acesso em 10 de novembro de 2015.

[9] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao processo do trabalho. 3. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 422.

[10] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao processo do trabalho. 3. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 425.

COIMBRA, Rodrigo. Efetivação dos Direitos e Deveres Trabalhistas com Objeto Difuso a Partir da Constituição e da Perspectiva Objetiva dos Direitos Fundamentais. Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre: HS Editora, ano n. 8, n. 28, p.  100-124, Julho/Setembro de 2014.

EÇA, Vitor Salino de Moura; ROCHA, Cláudio Jannotti da. O direito ao trabalho analisado sob a perspectiva humanística: efeito corolário a uma (super) proteção na dispensa coletiva. In: BEZERRA LEITE, Carlos Henrique; EÇA, Vitor Salino de Moura (Coord.). Direito Material e Processual do Trabalho na Perspectiva dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2014.

FAVA, Marcos Neves. Ação Civil Pública Trabalhista. São Paulo: LTr, 2005. p. 109.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13a ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2009.

ROESLER, Átila da Rold. Crise econômica, flexibilização e o valor social do trabalho. São Paulo: LTr, 2014.

ZAVASKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 6. ed. rev., atual. e ampl. 3. Tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.


rodrigo-wasem-galiaRodrigo Wasem Galia é Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Advogado Trabalhista. Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis - UNIRITTER/RS, nas disciplinas de Direito do Trabalho I e Direito do Trabalho II. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho da PUCRS. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho da FADERGS. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário do IDC. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Advocacia Cível e Trabalhista do IDC. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho do IDC. Professor convidado do curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário do Verbo Jurídico. Professor dos Cursos Preparatórios para a OAB (1ª fase e 2ª fase – Prática Trabalhista) e Concursos Públicos do IDC e do Verbo Jurídico. É membro do Grupo de Pesquisa Estado, Processo e Sindicalismo PUCRS-CNPQ, liderado pelo Professor Doutor Gilberto Stürmer. Foi membro do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional, liderado pelo Professor Doutor Ricardo Aronne. Foi Professor convidado dos cursos de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Foi Professor dos Cursos de Direito da PUCRS (2002-2004), da ULBRA (2005), do IPA (2006-2009), da Dom Alberto (2010), da UFRGS (2010-2012), da São Judas Tadeu (2012-2013), da UNISINOS (2012-2016). Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Parecerista da Revista Quaestio Iuris da UERJ. Parecerista da Revista CEJ – Centro de Estudos Jurídicos da Justiça Federal (Brasília). Parecerista da Revista Pensar – UNIFOR. Membro do Conselho Editorial da Revista VOX LEX: Direito e Processo do Trabalho. Membro do Conselho Editorial da Revista da Justiça do Trabalho, da HS Editora. Palestrante.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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