A legitimidade do Ministério Público do Trabalho para propor ação civil pública em casos de dano moral coletivo

12/11/2015

Por Rodrigo Wasem Galia e Luis Leandro Gomes Ramos - 12/11/2015

Breves Considerações

O poder constituinte originário, com o fito de tornar dinâmica a atividade jurisdicional, institucionalizou atividades profissionais (públicas e privadas), conferindo-lhes o status de funções essenciais à justiça, estabelecendo regras, no que tange à instituição do Ministério Público, definidas nos artigos 127 a 130 da Constituição Federal de 1988.[1]

Nesse sentido, com base no art. 127, caput, da Carta Magna de 1988, define-se que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis dos cidadãos. Ademais, dita instituição vem ocupando lugar cada vez mais de destaque na organização do Estado, haja vista o alargamento de suas funções de proteção dos direitos indisponíveis e de interesses coletivos.[2]

Nessa esteira de entendimento, considerando que o Ministério Público da União compreende, entre outros, o Ministério Público do Trabalho, torna-se imperioso analisar suas atribuições e prerrogativas, precipuamente na defesa dos direitos dos trabalhadores e sua atuação nos casos de assédio moral coletivo.

Faz-se, assim, importante salientar que a organização e as atribuições do Ministério Público do Trabalho estão disciplinadas na Lei Complementar n. 75, de 20.05.1993, em seus artigos 83 a 115, a qual define como chefe da instituição o Procurador-Geral do Trabalho, com a função de representá-la, entre outras atribuições elencadas no artigo 91 da referida lei.[3]

Além disso, impõe informar que o Ministério Público da União tem como princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, este último, inclusive, tem relevância nas ações propostas pela instituição em defesa dos interesses difusos e coletivos do cidadão, em especial, dos trabalhadores, uma vez que este estudo visa analisar a violação dos direitos personalíssimos dos trabalhadores nas práticas de assédio moral coletivo no ambiente de trabalho.

Contudo, há que se ressaltar que uma das funções essenciais da Instituição é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, sempre respeitando os princípios e fundamentos constitucionais, a teor do art. 5º da Lei Complementar n. 75/93 e do art. 127, caput, da CF/88.[4]

Evidencia-se, portanto, que uma das atribuições do Ministério Público do Trabalho é justamente perseguir modelos de relações de trabalho que valorize a dignidade da pessoa humana, relação essa que indubitavelmente não se compatibiliza com as relações de trabalho que incentivam ou não previnam a prática do assédio moral no ambiente laboral.

Legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho na defesa dos interesses difusos e coletivos 

A lei n. 7.347 de 24 de julho de 1985, a qual disciplina a ação civil pública, é taxativa ao dispor em seu artigo 1º que “Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: “[…] IV – qualquer outro interesse difuso e coletivo; bem como a Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, dispõe, em seu artigo 83, que 

“compete ao Ministério Público do Trabalho no exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

[…]

III- promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais garantidos constitucionalmente[5],” 

afastando, portanto, qualquer divergência acerca da legitimidade do Ministério Público do Trabalho na defesa dos interesses coletivos violados nos casos de assédio moral coletivo.

Ademais, a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (CDC), enuncia em seu artigo 81, parágrafo único que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de

“[…] II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.[6]

Assim sendo, com o apoio da doutrina e legislação evidenciando a esfera extrapatrimonial da coletividade (CDC art. 2º, par. único, e art. 6º, VI; Lei 8.884-94, art. 1º, único), possuindo natureza de interesse coletivo, resta claro a legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho na defesa de tais interesses, através da Ação Civil Pública[7], assunto que verificar-se-á em tópico próprio mais adiante.

Nesse contexto, considerando-se que o assédio moral viola, sem sombra de dúvidas, a dignidade dos trabalhadores, a necessidade de intervenção da instituição nas relações que desprestigiam os valores sociais e desrespeitam a dignidade do trabalhador, é medida que se impõe ao parquet, através da adoção de procedimentos judiciais ou extrajudiciais, para a solução do problema nas empresas.[8]

Na esfera judicial, compete ao Ministério Público do Trabalho, entre outras atribuições, a promoção da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, visando a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais garantidos constitucionalmente, a teor do art. 83, inciso III, da Lei Complementar n. 75/93, tendo, portanto, legitimidade ativa[9] na defesa dos trabalhadores, nos casos de assédio moral nas empresas entre outras violações dos seus direitos.

É oportuno trazer à baila o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, nesse sentido, em julgado que analisou a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura da Ação Civil Pública, in verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – ILEGITIMIDADE. Conquanto irrefutável o cabimento de ação civil pública na Justiça do Trabalho, trata-se de instituto concebido eminentemente para a tutela de interesses coletivos e difusos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. Ao órgão do Ministério Público do Trabalho não é dado manejá-la em defesa de interesses individuais homogêneos, cuja metaindividualidade exsurge apenas na forma empregada para a defesa em juízo. Embora de origem comum, trata-se de direitos materialmente divisíveis, razão pela qual a reparação decorrente da lesão sofrida pelo titular do direito subjetivo é sempre apurável individualmente. Exegese que se extrai da análise conjunta dos artigos 129, inciso III, da Constituição da República de 1988 e art. 83 da Lei Complementar no 75-93. Embargos de que não se conhece. (TST-E-RR-596.135-1999.0, Relator Convocado Georgenor de Sousa Franco, SBDI-1, Dj de 25.10.02)[10]

É importante esclarecer, por oportuno, que tanto os direitos difusos, quanto os coletivos, são transindividuais, de natureza indivisível, divergindo apenas quanto aos titulares do direito posto em juízo. Assim, enquanto na tutela dos interesses difusos são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, os interesses coletivos são adstritos a um conjunto de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica, o que é o caso, por exemplo, do assédio moral coletivo.[11]


Notas e Referências:

[1] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13a ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 601.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. revista. São Paulo: Malheiros, l992, p. 510.

[3] Disponível em <http//www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/Lcp75.htm>: Acesso em 30.09.09

[4] Disponível em <http//www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/Lcp75.htm>: Acesso em 30.09.09

[5] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao processo do trabalho. 3. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 422.

[6] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao processo do trabalho. 3. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 425.

[7] BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. AIRR – 90040-64.2006.5.04.0007 – 7ª Turma – Ministra Relatora: Maria Doralice Novaes – 17.03.2010.

[8] SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direitos fundamentais e o contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 59.

[9] EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARÊNCIA DE AÇÃO, POR ILEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. A legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para ajuizar a ação civil pública encontra suporte na norma do art. 83, III, da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, que atribui competência ao parquet para promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. (TRT4 – RO n. 00819-2006-024-04-00-9 – Desa. Relatora Cleusa Regina Halfen – 24.09-09)

[10] Disponível em www.tst.gov.br – acesso em 11.10.2010.

[11] TRT4-RO – 02050-2007-403-04-00-6 – Desa. Relatora Vanda Krindges Marques – 25.03.09.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13a ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2009.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao processo do trabalho. 3. ed. Rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 425.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. revista. São Paulo: Malheiros, 1992.

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direitos fundamentais e o contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2005.


Rogrigo Galia

. Rodrigo Wasem Galia é Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor da graduação e Pós-graduação em Direito. Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Palestrante. Advogado.

.

Luis Leandro Gomes Ramos

.

Luis Leandro Gomes Ramos é Advogado Trabalhista, graduado em Direito pela FADIPA – Faculdade de Direito de Porto Alegre – IPA –, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo IDC – Instituto de Desenvolvimento Cultural.

.


Imagem Ilustrativa do Post: 7dc_b278450-arno-at-work // Foto de: Wolfgang Lonien // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/wjlonien/8225007156

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura