Sobre “A defensoria pública e a proteção de direitos metaindividuais por meio da Ação Civil Pública”, de Amanda Oliari Melotto

25/07/2015

Por Maurilio Casas Maia - 25/07/2015

Após referenciar as obras do professor Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho e da professora Amélia Soares da Rocha, eis aqui a “apresentação da contribuição de uma ‘cronópia’ aos necessitados vulneráveis sociais[1].

Trata-se de um marco. A obra de Melotto é o primeiro livro publicado – ao que se tem notícia –, desenvolvendo expressamente o Estado Defensor enquanto “Custos Vulnerabilis”, ou seja, enquanto um guardião dos vulneráveis sociais. Até o presente momento, pouquíssimos trabalhos impressos desenvolveram a temática do “Custos Vulnerabilis”[2]. Portanto, trata-se de um primeiro passo para os estudos de caráter constitucional (e legal) sobre a missão defensorial de tutelar os segmentos sociais vulneráveis. Certamente, apresenta-se aqui o trabalho de uma “Cronópia”[3] entre famas – para entender, clique aqui.

O livro “A Defensoria Pública e a proteção de direitos metaindividuais por meio da Ação Civil Pública” denuncia a premente imperiosidade de adequar o termo “necessitado” à realidade social (MELOTTO, 2015, p. 73), estimulando e promovendo a releitura da referida expressão conforme a realidade dos vulneráveis sociais. O resultado é um só: maior possibilidade de atuação do Estado Defensor em prol da redução das desigualdades sociais e ainda a maior efetividade na proteção constitucional de cidadãos e coletividades em situação de vulnerabilidade social.

Na apresentação do livro publicado, esclareci que a afinidade acadêmica com a autora da obra apresentada, Amanda Oliari Melotto, iniciou-se quando – separadamente e em regiões diferentes do país (norte e sul) –, pesquisávamos temas relacionados à legitimidade coletiva do Estado Defensor, em especial quanto à proteção dos necessitados vulneráveis sociais. De minha parte, a preocupação com a temática processual coletiva e a legitimidade defensorial se agigantou quando – desrespeitando uma linha de precedentes favoráveis à amplitude da legitimidade defensorial coletiva[4] –, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) limitou a legitimação coletiva do Estado Defensor em caso envolvendo hipervulneráveis consumidores idosos de plano de saúde, os quais merecem a tutela do seu melhor interesse[5].

Na ocasião, preocupando-me com o déficit democrático e constitucional da supracitada decisão e também com a infinidade de demandas sociais coletivas que seriam deixadas para trás por não encontrarem quem as patrocinasse em juízo, produzi um texto chamado “Custos Vulnerabilis Constitucional: O Estado Defensor entre o REsp 1.192.577-RS e a PEC 4/14”, publicado na Revista Jurídica Consulex (1º Jun. 2014). Tal texto, buscando revelar o liame entre Defensoria Pública e vulnerabilidade social, apresentava uma alegria e uma tensão: A comemorada EC n. 80/2014 – positivando constitucionalmente e de modo expresso a anteriormente implícita legitimidade coletiva do Estado Defensor –, e a decisão retrocitada do STJ – colocando consumidores hipervulneráveis e defensores públicos em tormenta preocupante.

Os meses de 2014 foram passando e Amanda Oliari Melotto, por seu turno, produzia valorosa e densa pesquisa sobre a legitimidade coletiva do Estado Defensor com especial ênfase na tutela coletiva dos vulneráveis. E finalmente, no fim de 2014, os dois rios, as duas pesquisas, desaguaram na mesma correnteza. Aí, por obra do “acaso” – se o acaso de fato existir –, recebi a dádiva natalina de conhecer um trabalho bem escrito, bem orientado – as homenagens à orientadora Fernanda Mambrini Rudolfo, a qual assina ainda o prefácio da obra de Melotto (2015, p. 15-16) –, e que certamente será útil aos operadores jurídicos ansiosos por estudos holísticos sobre a legitimidade coletiva defensorial.

A obra ora apresentada tem declaradamente o escopo de demonstrar as potencialidades constitucionais do Estado Defensor enquanto “custos vulnerabilis”. A autora sabia a que veio e cumpriu bem a missão proposta. Já no primeiro capítulo fixou a base principiológica para os próximos itens de seu trabalho, iniciando pela concepção de acesso à Justiça, assim também pelo seu histórico, pelos obstáculos a tal direito fundamental e pelas ondas de acesso à Justiça. Sem tal capítulo, seria impossível estudar seriamente a extensão da legitimidade coletiva da Defensoria Pública. É importante ressaltar que a autora não descuidou de tratar das peculiaridades do acesso à Justiça no cenário brasileiro – se não o fizesse, correria o risco de produzir trabalho desconectado da realidade social para o qual foi produzido –, nesse ponto, mais elogios à autora. Em seguida, observou-se esse mecanismo constitucional de acesso à Justiça chamado Defensoria Pública, em seus princípios, objetivos e funções institucionais.

A autora então, metodicamente, rumou para a segunda grande base de sua pesquisa: A proteção de direitos metaindividuais por meio de Ação Civil Pública (ACP). Nesse segundo capítulo, foram investigadas as categorias de direitos e interesses metaindividuais, as situações jurídicas heterogêneas, a legitimação na Ação Civil Pública – destacando-se aqui o atento olhar sobre a representatividade adequada e a natureza jurídica da legitimação.

Primeiro e segundo capítulos escritos, eis que sobreveio o terceiro e desafiador capítulo: “A Defensoria Pública como Custos Vulnerabilis na Ação Civil Pública”. É nesse momento que o potencial criativo e jurídico da autora apresenta suas maiores contribuições para a análise da legitimidade coletiva defensorial. Amanda Melotto conduz seu leitor a um passeio pedagógico a partir da Lei 11.448/2007, perpassando pela ADI n. 3.943 – proposta perante o Supremo Tribunal Federal (STF) pela Associação dos membros do Ministério Público (CONAMP), em desfavor da legitimidade coletiva do Estado do Defensor –, pela LC 132/2009, até chegar à edição da LC n. 80/2014, positivando no plano constitucional, agora expressamente, a legitimidade coletiva da Defensoria Pública.

Em continuidade, com a coragem típica dos desbravadores do desconhecido, Oliari Melotto apresenta a conexão entre os “necessitados” (Constituição, art. 134) e as “vulnerabilidades sociais”. Nessa senda, conforme dita a autora em suas conclusões, a Defensoria Pública Coletiva atuará para a “proteção dos necessitados, aqui interpretado com ampliação semântica, para incluir os carentes organizacionais” (2015, p. 94) – abandonando-se assim a concepção meramente econômica e individualista dos “necessitados” que jamais foi literal na expressão constitucional, sendo possível cogitar a presença de uma mutação constitucional no conceito de “necessitados”[6] – conforme já foi ressaltado no Empório do Direito, ao se tratar dos “necessitados de Carnelutti” e do “risco de guetificação do Processo Coletivo”.

Aproximando-se do fim de seu trabalho, Amanda Oliari Melotto nos brinda com uma análise constitucionalizada da metagarantia da defesa pública, via Estado Defensor, demonstrando que a amplitude da legitimidade defensorial coletiva é uma resposta constitucionalmente adequada e, por meio de um caso concreto – o REsp n. 1.192.577, cuja decisão segue atualmente impugnada via Embargos de Divergência no STJ –, firma posição crítica, jurídica e constitucional em favor da ampliação democrática e plural da legitimidade transindividual da Defensoria Pública.

Ao remate, reitero aqui a identificação de uma “cronópia entre famas”[7]. Uma “cronópia” que enxerga a beleza e a importância social (e constitucional) da luta em prol dos necessitados vulneráveis sociais e, dessa forma, foi capaz de produzir um belíssimo e útil texto contra a “guetificação[8] do processo coletivo. Indo além, antecipou-se no tempo ao julgamento da ADI n. 3.943[9], produzindo um texto deveras afinado com a atual visão do Supremo Tribunal Federal acerca da temática, razão pela qual a presente obra chegará às livrarias atualizada e constitucionalizada.

Enfim, o livro ora apresentado é claramente importante não só para os estudiosos do Processo Coletivo, mas também para quem se interessar pelo Direito Constitucional, graças à proposta de intepretação renovada do artigo 134 da Constituição – que é um dos eixos da obra. Ademais, transpassando a seara acadêmica, o livro pode servir como referência profissional para Advogados (Públicos e Privados), Juízes, membros do Ministério Público e Defensores Públicos (óbvio), a fim de produzirem suas peças processuais respectivas com embasamento efetivamente constitucional e atualizado.


Notas e Referências: [1] Trata-se aqui de versão adaptada da apresentação que fiz para o livro de Amanda Oliari Melotto (2015, p. 17-19).

[2] No meio acadêmico, mencionando também expressamente o “Custos Vulnerabilis”, pode-se citar ainda a dissertação de Denise Cândido Lima e Silva Santos, com o título “Defensoria Pública e Tutela Coletiva: a atuação da Defensoria Pública na defesa de direitos coletivos no cenário pós-Emenda Constitucional n. 80/2014”, do Mestrado em proteção de Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna – veja aqui. Ademais, a função defensorial de “Custos Vulnerabilis” foi ainda referenciada na “RePro”: ALMEIDA FILHO, Carlos Alberto Souza; MAIA, Maurílio Casas. O Estado-defensor e sua legitimidade para os pedidos de suspensão de liminar, segurança e tutela antecipada. Revista de Processo. São Paulo, v. 239, p. 247-261, jan. 2015.

[3] Recomenda-se a leitura do seguinte brilhante texto: Rudolfo, Fernanda Mambrini. Defensor Público: um cronópios entre tantos famas. Disponível em: <http://justificando.com/2015/04/17/defensor-publico-um-cronopio-entre-tantos-famas/>. Acesso em; 10 Mai. 2015.

[4] “(...) 1. A jurisprudência desta Corte Superior é consolidada no sentido de que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ações coletivas na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Precedentes: REsp 1.275.620/RS, rel. min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22/10/2012; AgRg no AREsp 53.146/SP, rel. min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 5/3/2012; REsp 1.264.116/RS, rel. min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/4/2012; REsp 1.106.515/MG, rel. min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2/2/2011; AgRg no REsp 1.000.421/SC, rel. min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 01/06/2011. [...]”. (STJ, AgRg no AREsp 67.205/RS, rel. min. Benedito Gonçalves, 1ª T., j. 1/4/2014, DJe 11/4/2014).

[5] MAIA, Maurilio Casas. Os planos de saúde e o melhor interesse do paciente hipervulnerável no tratamento mais adequado e indicado: Da distinção entre a técnica moderna e a experimental Notas ao REsp 1.320.805/SP. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 942, p. 342-348, Abr. 2014.

[6] MAIA, Maurilio Casas. Os necessitados de Carnelutti e o mito de Sísifo: a (i)legitimidade coletiva da Defensoria Pública para a tutela dos encarcerados. Revista Jurídica Consulex, Brasília (DF), v. 436, p. 42-45, 15 Mar. 2015.

[7] RUDOLFO, Fernanda Mambrini, op. cit.

[8] Vide texto publicado em 7 de maio de 2015, pouco antes do julgamento da ADI n. 3943: Maia, Maurilio Casas. O risco da guetificação no processo coletivo: breve reflexão sobre a legitimidade defensorial coletiva – o NCPC e a ADI n. 3943. Disponível em: < http://emporiododireito.com.br/o-risco-da-guetificacao-no-processo-coletivo-breve-reflexao-sobre-a-legitimidade-defensorial-coletiva-o-ncpc-e-a-adi-n-3943-por-maurilio-casas-maia/>. Acesso em: 10 Mai. 2015.

[9] Em 7 de maio de 2015, o STF julgou improcedente por unanimidade de votos – 9 a 0 –, a ADI n. 3943 proposta pela CONAMP.


Para saber mais sobre o livro e a autora, vide entrevista concedida ao Empório do Direito: clique aqui.

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Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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