REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA: FUSÃO, AQUISIÇÃO, INCORPORAÇÃO, CISÃO E TRANSFORMAÇÃO

04/02/2021

As Sociedades Empresárias nascem e se modificam, movimentam-se na busca de caminhos mais atraentes, competitivos e compatíveis com o desenvolvimento das suas atividades econômicas.

O empresário, por um lado, pode lançar mão de várias estratégias para melhorar o desempenho do seu negócio, aprimorando sua estrutura de governança, compliance e proteção de dados, além de direcionar investimentos para trazer inovações aos produtos e serviços que dispõe ao mercado. Por outro lado, tem à sua disposição, a “reorganização societária”, tanto para momentos de saúde financeira abundante e de sucesso pleno, como para momentos difíceis, onde a empresa se encontra em crise.

A própria lei que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, Lei n. 11.101/2005, no artigo 50, inciso II, neste aspecto não alterado pela Lei n. 14.112/2020, estabelece como meios de recuperação judicial, dentre outros, “a cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente”. O plano de recuperação pode levar em consideração estratégias desse gênero.

Neste contexto, tanto no sentido positivo da alavancagem como para o soerguimento da empresa, a reorganização pode assumir os seguintes movimentos: Fusão, Aquisição, Incorporação, Cisão e a Transformação.

A Joint Venture societária ou contratual também pode ser considerada para esse efeito, mas sobre ela já dedicamos um texto nessa Coluna[i].

No que se refere às fusões e aquisições, é comum a utilização da sigla M&A derivada da junção de duas expressões de locução inglesa, a saber: “Mengers and Aquisitions”.

A FUSÃO (CC, arts. 1.119 – 1.121 e LSA, art. 228) é o ato pelo qual ocorre a extinção das sociedades, que se unem para formar uma nova. A exemplo do que ocorreu com a fusão da Antártica e da Brahma, formando a AmBev, no ano de 1999.  

A tomada de decisão pela fusão envolve profundo conhecimento das consequências, diante da repercussão no poder de controle.

Sob o foco da gestão, em que pese variações conceituais e de estratégia administrativa, ela, a fusão, assume diferentes formas, considerando-se alguns cenários, a saber: união de empresas concorrentes que participam do mesmo mercado e oferecem os mesmos produtos ou serviços (horizontal); união de empresas em razão dos negócios que se complementam (vertical); união de empresas que desenvolvem atividades econômicas totalmente díspares ou diferentes (conglomerado); união de empresas que desenvolvem os mesmos produtos e serviços, mas servem mercados diferentes (extensão de mercado); empresas que se unem para agrupar produtos, objetivando ampliar o público consumidor (extensão de produtos)[ii].

Em relação à estrutura jurídica, para efeito prático e como ato preparatório, será estabelecido o protocolo da operação entre as sociedades interessadas. Compete à assembleia geral aprovar o respectivo protocolo e nomear os peritos que farão a avaliação do patrimônio líquido de cada sociedade. O laudo de avaliação será submetido à aprovação de modo inverso, pois é vedado ao sócio votar sobre o laudo da própria sociedade, ou seja, daquela de que participa. Com a aprovação dos laudos, competirá à assembleia aprovar ou não a fusão. Aprovada, serão extintas as sociedades participantes da operação, surgindo uma nova, formada pela soma dos patrimônios líquidos das sociedades fusionadas[iii].

A AQUISIÇÃO é um ato societário complexo e envolve a compra do controle acionário. Por envolver riscos, passa, invariavelmente, por processos de due diligence e valuation, diante da necessidade de se examinar com profundidade os ativos, passivos e o potencial de geração de caixa. Perceba-se que a aquisição não se confunde com a fusão, pois nesta, duas empresas se fundem para formar uma nova, enquanto a aquisição se caracteriza pela compra da maioria das quotas ou das ações sem perda, em um primeiro momento, da continuidade das atividades econômicas da empresa adquirida.

Um exemplo de aquisição foi a compra da Avon pela Natura no ano de 2019, formando uma gigante do setor de beleza[iv].

Cabe ressalvar, que a Lei que disciplina o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei n. 12.529/2011, submete determinadas operações (especialmente fusões, aquisições e incorporações) à aprovação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), pois os atos de concentração econômica não podem implicar na eliminação da concorrência. É o artigo 88 da Lei em referência que disciplina quais são os atos de concentração econômica a serem submetidos à aprovação prévia, mediante processo administrativo, instaurado nos moldes do artigo 53.

O CADE, por exemplo, reprovou, no ano de 2017, a compra da Estácio pela Kroton Educacional, que criaria um gigante no setor educacional de mais de R$ 27 bilhões[v].

A INCORPORAÇÃO (CC, arts. 1.116 – 1.118 e LSA, art. 227) é ato de concentração empresarial. Como regra ocorre para melhorar a competitividade, para ganho de escala. Uma sociedade é absorvida pela outra. Isto quer dizer que a sociedade incorporadora assume todos os direitos, deveres e obrigações da incorporada que é extinta, qualificando-se, portanto, a sucessão.

Segundo Carvalhosa, “a incorporação constitui negócio plurilateral que tem como finalidade a integração de patrimônios societários por meio da agregação do patrimônio de uma sociedade em outra com a extinção de uma delas”.

Pela incorporação é possível proceder o “de – para” (empresa incorporada para empresa incorporadora), tanto nas questões tributárias, como trabalhistas (os funcionários são transferidos sem necessidade de rescisão).

Com a incorporação, verte-se o patrimônio líquido. Haverá a subscrição dos bens da incorporada no capital social da incorporadora, tendo como pressuposto a avaliação prévia dos respectivos bens[vi].

 A CISÃO (LSA, art. 229) é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

Para a cisão aplica-se o conceito legal acima, derivado da LSA (Lei 6.404/76), isto porque o Código Civil apenas se refere à cisão no Capítulo X, ao lado de outros movimentos societários, mas dela não trata expressamente.

O conceito legal abrange inúmeras possibilidades de cisão, com consequências diferentes para diferentes operações, podendo-se qualificar uma cisão total ou parcial, cuja variação dependerá da versão total ou parcial do patrimônio. 

Mamede esclarece que o procedimento a ser adotado para a cisão dependerá das suas características, contudo “a sociedade cindida pode ter qualquer forma societária e as parcelas cindidas podem assumir (na hipótese de ganharem personalidade jurídica própria) qualquer tipo societário ou incorporar-se à sociedade que tenha qualquer tipo. Portanto, é perfeitamente lícito haver na cisão uma ou mais transformações societárias concomitantes”.

A TRANSFORMAÇÃO (CC, arts. 1.113 – 1.115 e LSA, art. 220) é o ato pelo qual uma sociedade passa de um tipo societário para outro. “Na transformação, a vontade social é apenas dela própria, cuja organização legal (tipo) vai alterar-se com a permanência do mesmo patrimônio, quadro social e valor declarado do capital. Não há com efeito, qualquer alteração patrimonial da sociedade transformada. O balanço anterior à transformação e o posterior devem refletir as mesmas variações patrimoniais”[vii].

Com a transformação, o ato constitutivo da sociedade anterior é extinto (não há dissolução da sociedade), originando um novo, de natureza estatutária (sociedade anônima) ou contratual (sociedade simples ou limitada). Não haverá sucessão trabalhista ou tributária, pois os contratos de trabalho não serão afetados e os tributos serão honrados pela sociedade transformada[viii].

Ainda, segundo Carvalhosa, com a edição do CC de 2002, muitas anomalias foram sanadas, ficando expressamente permitida a transformação de modo universal, cujo instituto aplica-se a qualquer tipo societário mediante decisão unânime dos sócios, como regra, não prevalecendo, portanto, a vontade majoritária, salvo disposição permissiva expressa no contrato social. Tal fato (unanimidade) encontra fundamento nos direitos individuais dos sócios, intangíveis, imutáveis e não derrogáveis por decisão majoritária, o que acarreta maior segurança jurídica[ix].

Ressalva o referido autor, que “a transformação da sociedade tem caráter restrito, não podendo ser estendida a outros tipos de associação, como, por exemplo, às cooperativas (arts. 1.093 e s.), às sociedades de créditos imobiliário (Lei n. 4.380/64) ou às fundações (arts. 62 e s. do Código Civil de 2002)”[x].

Mencionam-se, dentre outras, as seguintes hipóteses de transformação: uma sociedade limitada plural passa a ser uma sociedade limitada unipessoal; uma empresa individual de responsabilidade limitada, passa ser uma sociedade limitada plural; uma companhia de capital aberto passa a ser de capital fechado, que ocorre com o cancelamento do registro da companhia aberta[xi] ou uma companhia de capital fechado passa ser de capital aberto, diante da necessidade de atrair capital, o que depende de características bem peculiares, do registro da companhia perante a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e da oferta pública de valores mobiliários (IPO)[xii].  

Cabe ressalvar que a abertura de capital envolve muito planejamento em termos organizacionais, além da identificação de um bom momento considerando-se as peculiaridades do negócio, cujo sucesso depende primordialmente de uma boa gestão, da consolidação da marca, de uma administração transparente e da aceitação perante os consumidores. Um exemplo foi o que ocorreu com a abertura de capital (IPO) da empresa Zoom Video Comunication, sediada na California, nos Estados Unidos[xiii].

Enfim, o grau de complexidade e o sucesso das operações que envolvem a reorganização societária estão relacionados com a estrutura organizacional (governança), com os tipos societários, com a qualidade e quantidade de ativos e passivos, dentre outras peculiaridades, além e com destaque, do amadurecimento do processo decisório, vinculado a uma correta análise dos custos de transação envolvidos, da estrutura jurídica a ser criada e das estratégias para melhorar o desempenho das atividades econômicas potencializadas. Isso tudo, sob a primazia da eficiência, tem por objetivo a diversificação, a expansão da clientela, o aumento do portfólio, novos mercados, dentre inúmeras outras vantagens.

 

Notas e Referências

[i]ZOLANDECK, João Carlos Adalberto.  Disponível em <https://emporiododireito.com.br/colunas/joao-carlos-adalberto-zolandeck-com-direito-empresarial-e-analise-economica-1508352084>.  Acesso em 02/02/2020.

[ii] Disponível em <https://administradores.com.br/artigos/fus%C3%B5es-e-aquisi%C3%A7%C3%B5es-de-empresas-entenda-o-termo-m-a>. Acesso em 02/02/2020.

[iii] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira e BERTOLDI, M. Marcelo. Curso avançado de direito comercial. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 364.

[iv] Disponível em <https://exame.com/negocios/formacao-de-gigantes-12-fusoes-e-aquisicoes-de-2019/>. Acesso em 02/02/2020.

[v] Disponível em < https://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/desde-2011-cade-so-barrou-8-negocios.ghtml>. Acesso em 02/02/2020.

[vi][vi] CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195), vol 13. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 515.

[vii] CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195), vol 13. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 502.

[viii] CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195), vol 13. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 499.

[ix] CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195), vol 13. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 494-495.

[x] CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195), vol 13. 2ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 500.

[xi] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Disponível em < https://emporiododireito.com.br/leitura/as-companhias-abertas-o-fechamento-de-capital-e-consequencias-quanto-ao-fechamento-branco>. Acesso em 02/02/2020.

[xii] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Disponível em < https://emporiododireito.com.br/leitura/a-abertura-de-capital-sociedades-anonimas>. Acesso em 02/02/2020.

[xiii] Disponível em <https://inteligencia.rockcontent.com/ipos-bem-sucedidos/>. Acesso em 02/02/2020.

 

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