No texto anteriormente postado nessa coluna houve abordagem sobre o fechamento de capital, ou seja, a transformação de uma companhia aberta em fechada[i]. É mais natural a abertura de capital, e quase que uma exceção o fechamento, todavia há regra legal expressa apontando pela viabilidade do cancelamento do registro da companhia aberta (Lei 6.404/76 – LSA, artigo 4º, § 4º e § 5º, e artigo 4º-A), cuja justificativa decorre das estratégias adotadas pela coletividade social, que encontra fundamento na redução dos custos de transação e na desregulação, no sentido de desvinculação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Entidade Autárquica, vinculada ao Ministério da Economia, que controla, regula e fiscaliza as Sociedades Anônimas de Capital Aberto.
Motivos maiores, entretanto, apontam para a alavancagem dos negócios e das atividades econômicas desenvolvidas pela empresa, sem perda do controle acionário e captação de recursos mais atraentes daqueles decorrentes da tomada de empréstimos em Instituições Financeiras.
Lembre-se que “uma Companhia de Capital Aberto tem acesso às alternativas que o mercado de capitais proporciona como fonte de financiamento (fundo de direito creditório - FIDC, debêntures, emissão de ações, etc.) não disponíveis à empresa de capital fechado, além de usar as suas próprias ações como moeda para adquirir outras empresas”[ii].
Sem nenhuma dúvida a abertura de capital altera de forma definitiva a gestão da empresa e a própria administração, diante da necessidade de novas habilidades e novas competências, pois exigências adicionais e obrigações permanentes terão que ser atendidas. De fato, a oferta pública inicial de ações, chamada de IPO (sigla em inglês para Initial Public Offer), constitui um evento de transformação na organização, diante da mudança de paradigmas na gestão e na cultura da empresa, tanto em razão da chegada de novos sócios/acionistas, como também pela submissão aos atos de regulação, o que significa dizer, garantia de informações mais detalhadas, prestação de contas ao mercado e a criação de uma estrutura de controle que permita aos sócios minoritários acompanhar e fiscalizar o desempenho da gestão[iii].
Em inúmeros artigos publicados na coluna empório do direito expressamos a importância dos princípios da transparência, equidade e isonomia nos tratos societários, bem como a relevância da regularidade dos atos sociais e das demonstrações financeiras, além da preocupação quanto ao abuso do poder de controle, e suas consequências jurídico-legais.
Assim, não menos importante, e absolutamente necessários serão os cuidados com os atos preparatórios, ou seja, prévios ao registro da companhia na CVM, especialmente no que diz respeito às boas práticas (governança corporativa, gestão do risco e compliance). A existência de mecanismos e regras de controle de condutas é indispensável para atrair investidores, melhorar o desempenho da companhia e evitar conflito entre sócios e demais agentes econômicos.
Partindo-se do pressuposto de que uma companhia deve estar registrada na CVM para ter seus valores mobiliários negociados (LSA, art. 4º, parágrafo 1º), entende-se que as ofertas públicas de ações, designadas pela sigla IPO, serão processadas mediante rotina própria e sob o controle da CVM.
Essas ofertas, como esclarece Eizirik, serão primárias ou secundárias, a depender de quem as faz. Em se tratando de ofertas pela companhia, serão primárias, vinculadas ao atendimento econômico e ao fim da ofertante, cujos recursos obtidos serão destinados ao financiamento de médio e longo prazo da companhia, e aplicados na execução de projetos ou saneamento de passivos. Por outro lado, em se tratando de ofertas pelos acionistas da companhia ou pelos titulares de outros papéis emitidos por ela, serão secundárias, cujos recursos obtidos a partir dessas ofertas não serão destinados à empresa, mas aos titulares ofertantes. Percebe-se, desse modo, dois movimentos indissociáveis, o registro da companhia perante a CVM e a instrumentalização do pedido de registro da oferta pública, que deve ser instruído com os documentos e informações constantes do Anexo II, da IN/CVM nº 400/2003, com as alterações introduzidas pelas INs CVM nºs 429/2006 e 548/2014, ou seja, cada ato contendo documentos e informações peculiares[iv].
Além de outras instruções regulamentares, o artigo 19 da Lei 6.385/76 (dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários), estabelece que o procedimento a ser adotado para a oferta pública de valores mobiliários, deve incluir no pedido informações sobre: a) a companhia emissora, os empreendimentos ou atividades que explora ou pretende explorar, sua situação econômica e financeira, administração e principais acionistas; b) as características da emissão e a aplicação a ser dada aos recursos dela provenientes; c) o vendedor dos valores mobiliários, se for o caso; d) os participantes na distribuição, sua remuneração e seu relacionamento com a companhia emissora ou com o vendedor.
O parágrafo 6º da norma legal citada estabelece que a CVM poderá subordinar o registro a capital mínimo da companhia emissora e a valor mínimo da emissão, bem como a que sejam divulgadas as informações que julgar necessárias para proteger os interesses do público investidor. Enquanto que o parágrafo 7º expressa que o pedido de registro será acompanhado dos prospectos e outros documentos quaisquer a serem publicados ou distribuídos, para oferta, anúncio ou promoção do lançamento.
Como visto, os aspectos conceituais são relativamente simples e objetivos, não havendo dificuldades para idealizar ou identificar ofertas públicas primárias ou secundárias, todavia a maior dificuldade está no nível de preparação de uma determinada empresa que pretende abrir capital e como a administração está tratando o assunto.
Desse modo, há que se fazer um estudo detalhado sobre a realidade fundacional e estrutural da empresa ou do grupo de empresas para a abertura de capital, em cujo contexto deve-se levar em conta as características das atividades econômicas e todas as demais políticas, destacando-se, dentre elas, as de gestão, gerenciamento de processos, riscos, projetos e investimentos, além das demais políticas contábeis, financeiras, tributárias e de planejamento estratégico vocacionado a uma nova abordagem, que as companhias fechadas não dominam e por isso, menos atraentes para projetos de maior envergadura.
De qualquer modo, faz-se absolutamente necessária uma prudente e especializada análise do nível de preparação de uma determinada empresa que pretende abrir capital, não sendo recomendável deixar de lado uma avaliação prévia ao IPO, para além de políticas usuais, e que, portanto, envolvam minimamente as seguintes questões: identificação dos objetivos, das necessidades de capital e dos custos envolvidos; estrutura corporativa; estrutura do conselho e de seus subcomitês; competências do conselho e da alta administração; providências relacionadas com governança corporativa; questões relacionadas com a elegibilidade para negociar ações em bolsa, bem como o cronograma de ações e atividades para maximizar o valor do investimento na dinâmica pré-abertura, seja em relação aos custos de transação da equipe da própria empresa, seja em relação à consultoria externa[v].
Como visto, a abertura de capital decorre de uma cuidadosa decisão estratégica, por envolver questões societárias sensíveis, de participação pulverizada, com repercussões nos órgãos de administração e no poder de controle. Assim, como a abertura de capital envolve pontos sensíveis da empresa e do seu relacionamento com o público interno e com o mercado de capitais (e sob regulação), tanto a avaliação prévia do nível de preparação, quanto os pedidos de registro da companhia e da oferta pública de valores mobiliários, devem estar alinhados com a estrutura organizacional, com o tipo de atividade econômica, e com o objetivo fim da empresa.
Notas e Referências
[i] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. As companhias abertas, o fechamento de capital e consequências quanto ao “fechamento Branco”. Disponível em < https://emporiododireito.com.br/leitura/as-companhias-abertas-o-fechamento-de-capital-e-consequencias-quanto-ao-fechamento-branco>. Acesso em 25/08/2020.
[ii] PWC. Disponível em < http://vemprabolsa.com.br/wp-content/uploads/2016/06/Guia-abertura-de-capital-%E2%80%93-BMFBOVESPA-e-PricewaterhouseCoopers.pdf>. Acesso em 25/08/2020.
[iii] PWC. Disponível em < http://vemprabolsa.com.br/wp-content/uploads/2016/06/Guia-abertura-de-capital-%E2%80%93-BMFBOVESPA-e-PricewaterhouseCoopers.pdf>. Acesso em 25/08/2020.
[iv] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume I. 2 ed. São Paulo, Quartier Latin, p.66-76.
[v] PWC. Disponível em < http://vemprabolsa.com.br/wp-content/uploads/2016/06/Guia-abertura-de-capital-%E2%80%93-BMFBOVESPA-e-PricewaterhouseCoopers.pdf>. Acesso em 25/08/2020. p. 92-93.
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