Limites do Poder Diretivo do Empregador

21/01/2016

Por Rodrigo Wasem Galia e Luis Leandro Gomes Ramos - 21/01/2016

Identificar os limites do poder diretivo do empregador não é tarefa muito fácil, haja vista que a própria natureza da subordinação existente na relação de emprego, isto é, a subordinação jurídica, evidencia a relativização de tal poder, embora o ordenamento jurídico pátrio não delimite expressamente os limites das atividades de fiscalização e de controle empresarial. Contudo, existem regras e princípios suficientes para delimitar o exercício legítimo ou abusivo do poder de direção.[1]

Ademais, a partir da leitura do preâmbulo da Constituição Federal, verifica-se a declaração de um Estado democrático de direito objetivando o exercício dos direitos sociais e individuais fundados na dignidade da pessoa humana, cujo escopo é construir uma sociedade justa e solidária, instituindo regras impositivas com vistas a declarar a inviolabilidade da intimidade e vida privada do cidadão.[2]

Conforme sustenta Hainzenreder[3], o estado de sujeição do empregado denota tão somente subordinação hierárquica oriunda do contrato de trabalho, não significando, pois, que o empregador disponha sobre a pessoa do trabalhador, mesmo diante do seu dever de obediência, de diligência e de fidelidade ao empregador, evidenciando, assim, um dos limites do poder de direção. Destarte, a limitação deste poder deve ser observada a partir da participação efetiva do trabalhador na atividade empresária, pois o reconhecimento desse poder visa a assegurar meios de regular o desenvolvimento da atividade empresarial.

Assim, não poderá o empregador, ao dispor do seu poder de direção, submeter seus empregados a tratamento desrespeitoso e ofensivo[4], à revista pessoal de modo abusivo, atingindo a privacidade e a intimidade do trabalhador[5], dispensá-los tratamento com rigor excessivo, extrapolando os limites estritos do poder diretivo.[6]

É importante salientar que outro aspecto que deve ser observado na limitação do poder de direção, segundo Hainzenreder, é que toda relação jurídica, quer seja de emprego ou de qualquer outra natureza, deve sempre se pautar na dignidade da pessoa humana. Sustenta o autor que não foi por menor razão que o legislador, no que concerne ao direito do trabalho, através do art. 170, caput, da Constituição Federal, relacionou a vida digna ao princípio da valorização do trabalho humano, posto que a dignidade humana figura não apenas como o fundamento do Estado democrático de direito, mas também de todas as relações jurídicas e humanas. Portanto, o poder diretivo jamais poderá ser utilizado para obtenção de vantagens indevidas, desrespeitando a dignidade humana e os direitos fundamentais.[7]

Impende ressaltar, por oportuno, que, em razão do avanço tecnológico, as novas situações trazidas pela informática no ambiente de trabalho, precipuamente sobre o uso do correio eletrônico, além de terem possibilitado a adoção de novos métodos de fiscalização e controle, geraram novos conflitos decorrentes do confronto entre o poder diretivo do empregador e os direitos à intimidade e à vida privada do empregado.[8]

Nessa esteira, convém informar que uso de e-mails corporativos carece de um cuidado acentuado, tanto para o empregado quanto para o empregador. Isto porque, quando o e-mail for utilizado pelo empregado de forma inadequada ou em desacordo com o regulamento interno da empresa, poderá dar ensejo à sua dispensa por justa causa, haja vista que o e-mail corporativo é considerado ferramenta de trabalho disponibilizado pelo empregador para o exercício exclusivo da atividade do empregado.[9]

Nesse sentido, é interessente analisar o acórdão proferido no Recurso Ordinário nº 01258-2005-221-04-00-1, pelo TRT da 4ª Região, 1ª Turma, da lavra da Desembargadora Relatora Carmen Gonzalez, em 11.12.08, in verbis: 

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. Justa Causa. Envio de e-mails com conteúdo pornográfico. Ato do empregado que caracteriza motivo para justa causa. Correta a empregadora ao exercitar seu poder disciplinar através do despedimento. Recurso provido.[10] 

In casu, o reclamante foi dispensado por justa causa, em face da utilização do e-mail corporativo para envio de material de conteúdo pornográfico a outros colegas de trabalho, o que ensejou sua dispensa. Destarte, o reclamante, inconformado com a atitude da empregadora, ajuizou reclamatória trabalhista requerendo a declaração de nulidade da despedida motivada, alegando rigor excessivo por parte do empregador ao penalizá-lo pelo ato faltoso, sem qualquer advertência prévia.

A juíza a quo, em suas razões de decidir, entendeu que, embora reprovável o comportamento do empregado, não havia hipótese para despedida por justa causa, em virtude da inexistência de sanções anteriores e a aplicação direta da pena capital.

Ato contínuo, a reclamada, irresignada com a decisão, interpôs, obviamente, recurso ordinário buscando a reforma da decisão singular, sobrevindo acórdão do juízo ad quem, dando parcial provimento ao recurso da reclamada, por unanimidade de votos, reconhecendo a justa causa para a extinção do contrato de trabalho, reformando, portanto, a decisão de primeiro grau, no tocante a nulidade da justa causa.

Entretanto, é imperioso ressaltar que o uso do e-mail também poderá ser utilizado de forma inadequada por parte do empregador, fato que tem ocorrido com frequência para a prática de assédio moral, seja pelo empregador ou por seu preposto, utilizando de tal ferramenta para humilhar, ofender e expor seus empregados a situações vexatórias, através de divulgações de e-mails com conteúdos pejorativos e depreciativos entre seus subordinados.

Tal situação se verifica na análise do acórdão proferido pelo Tribunal Regional da 4ª Região, no Recurso Ordinário Nº 01857-2001-221-04-00-1, 3ª Turma, da lavra do Desembargador Relator Ricardo Carvalho Fraga, in verbis: 

EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Demonstrado nos autos que a reclamante esteve submetida a situações constrangedoras e humilhantes capazes de causar abalo moral à empregada, cabendo a indenização por danos morais.[11]

No caso em tela, restou condenada uma empresa transnacional fabricante de computadores, a pagar indenização a sua ex-empregada por assédio moral, através do uso inadequado do e-mail corporativo. In casu, a reclamante alegou que sofria humilhações pelo supervisor por não atingir as metas de vendas. Referiu que o supervisor, de maneira desrespeitosa, acusava-a de não ser boa funcionária, pois não colaborava com os colegas, chamava-a de incompetente, comparando-a com animais diante de seus colegas, acarretando inegável abalo emocional. Tal procedimento se dava através de e-mails informando o desempenho dos empregados, inclusive da reclamante, acrescidos de expressões como “moooooo” (igual ao som de uma vaca), “fundo do poço”, “no fundo”, “no último”, fazendo alusão a pessoas que por diversos motivos chegaram a um ponto de suas vidas em que o próximo passo seria quem sabe, a morte, expressões atribuídas a quem vendia pouco ou não conseguia atingir as metas estabelecidas pela empresa. Saliente-se que tais alegações por parte da reclamante, restaram comprovadas nos autos da reclamatória por depoimentos de ex-funcionários, os quais asseveraram que também recebiam referidos e-mails.

Assim sendo, sobreveio acórdão negando provimento ao Recurso Ordinário da reclamada, por unanimidade de votos, mantendo, portanto, a condenação da empresa por assédio moral.

Dessarte, deduz-se que o exercício abusivo do poder diretivo poderá tornar nulos os atos dele emanados, ensejando o exercício do jus resistentiae do empregado, o qual poderá ir às últimas consequências, tema que será analisado de forma acurada em capítulo próprio.[12]


Notas e Referências:

[1] HAINZENREDER Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. p. 79.

[2] HAINZENREDER Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. p. 79.

[3] HAINZENREDER Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. p. 80-82.

[4] EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Hipótese na qual restou demonstrado a submissão do empregado a tratamento desrespeitoso e ofensivo, o que excede o poder diretivo do empregador. São presumíveis as conseqüências negativas na estrutura psíquica do empregado, atingida sua honra subjetiva e objetiva. Violação aos preceitos do art. 5º, inciso X, da Constituição Federal. Reparação por danos morais que deve atender às finalidades punitivo-educativas e de compensação à vítima. Recurso não provido. (TRT4-RO – 00567-2008-732-04-00-1 – 1ª Turma - Des. Relator José Felipe Ledur – 30.07.09.)

[5] EMENTA: Ação indenizatória. Dano moral. Revista pessoal. Caso em que não se caracteriza o ato ilícito patronal. Indenização indevida. A revista pessoal do empregado só é causa de dano moral quando realizada de modo abusivo, atingindo a privacidade e a intimidade do trabalhador. O mero exercício do poder de fiscalização, que é inerente ao poder de comando do empregador, através de procedimento impessoal, não caracteriza situação vexatória ao trabalhador, não se reconhecendo, neste caso, o dano moral capaz de gerar direito indenizatório. Decisão que acolheu os fatos como relatados pela reclamada, em virtude da pena de confissão, quanto à matéria de fato, em que incidiu o autor da ação. Sentença confirmada. Recurso não-provido.  (TRT4-RO – 01772-2007-561-04-00-2 – 2ª Turma - Des. Relator Flávio Portinho Sirangelo – 05.03.09.)

[6] EMENTA: DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. Configuração de dano moral pelo rigor excessivo do empregador dispensado aos subordinados que extrapola os limites estritos do poder diretivo do empregador. (TRT4-RO – 00250-2008-221-04-00-0 – 9ª Turma - Desa. Relatora Vania Mattos – 15.07.09.)

[7] HAINZENREDER Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. p. 84.

[8] Nesse sentido, Eugênio Hainzenreder Júnior sustenta que no ambiente laboral, a inquestionável exigência da inserção das novas tecnologias e a constatação de um mercado cada vez mais competitivo tornaram indispensável a utilização de novas ferramentas de trabalho. A necessidade do uso do e-mail na atividade empresarial é incontestável, pois depende o empregador desse mecanismo para facilitar a transmissão de informação, reduzir custos operacionais, entre outros inúmeros benefícios. Não obstante, a rapidez com que tal inovação ingressou no mundo empresarial, de certa forma, obstou uma análise mais acurada acerca das conseqüências jurídicas advindas da utilização indevida do correio eletrônico pelo empregado, assim como da fiscalização demasiada pelo empregador. (HAINZENREDER Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. p. 164)

[9] Nesse sentido, convém esclarecer que, conforme aduz Eugênio Hainzenreder, a internet se tornou uma ferramenta imprescindível, tanto como meio de comunicação, como ferramenta de trabalho. Portanto, indubitavelmente, o empregador depende desse mecanismo para agilizar a transmissão de informações, aumentar a produção e reduzir os custos operacionais, substituindo, por exemplo, uma postagem de correspondência para o exterior pelo envio de e-mail com arquivos anexados. Todavia, para usufruir de tais benefícios, necessita fornecer um endereço eletrônico aos seus empregados.  Isto porque o computador e o correio eletrônico apresentam baixo custo e extrema eficiência nas comunicações. (HAINZENREDER Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009. p. 104-105

[10] TRT4-RO – 01258-2005-221-04-00-1 – 1ª Turma - Desa. Relatora Carmen Gonzalez – 11.12.08.

[11] TRT4-RO – 01857-2001-221-04-00-1 – 3ª Turma -  Des. Relator Ricardo Carvalho Fraga – 23.07.08.

[12] CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004, p. 229.

CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004.

HAINZENREDER Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009.

RAMOS, Luis Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio moral no trabalho: o abuso do poder diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado – atuação do Ministério Público do Trabalho. 2. Ed. Revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.


Rogrigo Galia

. Rodrigo Wasem Galia é Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor da graduação e Pós-graduação em Direito. Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Palestrante. Advogado. .


Luis Leandro Gomes Ramos

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Luis Leandro Gomes Ramos é Advogado Trabalhista, graduado em Direito pela FADIPA – Faculdade de Direito de Porto Alegre – IPA –, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo IDC – Instituto de Desenvolvimento Cultural. .


Imagem Ilustrativa do Post: Working at MetaMeets09 // Foto de: Roland Legrand // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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