Justiça Federal concede liminar proibindo a repressão às manifestações políticas "pacíficas" durante os Jogos Olímpicos - Rio/2016

09/08/2016

Por Redação - 09/08/2016

O Ministério Público Federal- Procuradoria Regional dos direitos do cidadão- ingressou com Ação Civil Pública (Processo 0500208-93.2016.4.02.5101) em face da União, do Estado do Rio e do Comitê Organizador da Rio-2016 argumentando que essas entidades têm afrontado o princípio constitucional da liberdade de expressão ao impedirem a exibição de cartazes ou utilização de camisetas com manifestação política nas arenas esportivas, obrigando os manifestantes  a guardarem os cartazes/camisetas e, nos piores casos, retirando-os do recinto por agentes da Força nacional ou da Polícia Militar.

Na análise do pedido, por decisão em tutela de urgência, o  juiz federal João Augusto Carneiro Araújo, da 12ª Vara Federal do RJ, concedeu medida liminar para determinar que a União, o Estado do Rio e o comitê organizador da Rio-2016 "se abstenham, imediatamente, de reprimir manifestações pacíficas de cunho político nos locais oficiais, de retirar do recinto as pessoas que estejam se manifestando pacificamente nestes espaços, seja por cartazes, camisetas ou outro meio lícito permitido durante os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio-2016".

No caso de descumprimento estabeleceu uma multa de R$ 10.000 por cada manifestação reprimida, em desacordo com a decisão.

Segundo a decisão, reprimir as manifestações "afronta o núcleo inviolável do direito fundamental da liberdade de expressão, a qual deve ser afastada imediatamente".

Confira a decisão na íntegra.

Processo nº 0500208-93.2016.4.02.5101 (2016.51.01.500208-6)

DESPACHO/DECISÃO

DECISÃO EM REGIME DE PLANTÃO

Recebido em regime de plantão, cuja hipótese se encontra prevista no art. 115 e inc. IX do art. 116 da Consolidação de Normas da Corregedoria-Regional da Justiça Federal da 2ª Região, tendo em vista a urgência do caso, com possibilidade de perecimento do direito, como se passa a expor. Não se verifica a presença do pressuposto negativo do § 1º do art. 115 a afastar a competência do juízo plantonista.

Trata-se de pedido de concessão de liminar em Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da UNIÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO e COMITÊ ORGANIZADOR DOS JOGOS OLÍMPICOS RIO-2016, objetivando provimento jurisdicional para determinar que os réus se abstenham de impedir a manifestação pacífica de cunho político através da exibição de cartazes, uso de camisetas e de outros meios lícitos nos locais oficiais dos Jogos Olímpicos Rio2016. Narra que chegou ao conhecimento da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro a prática coordenada e adotada pelos réus de impedir os espectadores dos jogos de exibir cartazes ou usar camisetas com manifestações políticas nas arenas esportivas, obrigando-os a guardarem os mesmos e, nos piores casos, retirando-os do recinto por agentes da Força Nacional ou da Polícia Militar. Informa que, provocado pela imprensa, o Comitê Organizador dos Jogos respondeu às acusações de abuso de autoridade com a confirmação de que continuará a agir da mesma maneira, embasado no conceito de "arena limpa".

Sustenta que os réus estão extrapolando seu poder de polícia ao aplicar a Lei nº 13.284/2016 como fundamentação legal para reprimir pessoas que pacificamente manifestam durante os jogos a sua discordância com o governo atual.

Defende o MPF que não cabe aos réus interpretar extensivamente o inciso X ou qualquer outro inciso, visto que versa sobre princípio de direito fundamental, qual seja, a liberdade de expressão, devendo-se prezar pela interpretação da Lei nº 13.284/2016 em acordo com os princípios da Constituição Federal.

É o breve relatório. Decido.

O art. 300 do novo Código de Processo Civil autoriza a concessão da tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

A Constituição Federal assegura, como direitos fundamentais do cidadão, a livre manifestação do pensamento, a inviolabilidade do direito de consciência e a proibição de privação de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (artigo 5º, incs. IV, VI e VIII, respectivamente).

A Lei nº 13.284/2016, que dispõe sobre as medidas relativas aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, dentre outras disposições, prevê em seu artigo 28 as condições de acesso e permanência nos locais oficiais:

Art. 28. São condições para acesso e permanência nos locais oficiais, entre outras: I - portar ingresso ou documento de credenciamento na forma do art. 10; II - não portar objeto que possibilite a prática de ato de violência; III - consentir a revista pessoal de prevenção e segurança; IV - não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação; V - não entoar xingamentos ou cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos; VI - não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo; VII - não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos, inclusive instrumentos dotados de raios laser ou semelhantes ou que os possam emitir, à exceção de equipe autorizada pelas entidades organizadoras ou pessoa por elas indicada, para fins artísticos; VIII - não incitar e não praticar ato de violência, qualquer que seja sua natureza; IX - não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, das áreas restritas a competidores, representantes de imprensa, autoridades e equipes técnicas; X - não utilizar bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável. § 1º É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana. § 2º O não cumprimento de condição estabelecida neste artigo implicará a impossibilidade de ingresso da pessoa no local oficial ou o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais.¿

Dos dispositivos transcritos, não se verifica qualquer proibição à manifestação pacífica de cunho político através de cartazes, uso de camisetas e de outros meios lícitos nos locais oficiais dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio2016.

O inc. IV do art. 28 proíbe expressamente apenas as manifestações com mensagens ofensivas, de caráter racista ou xenófobo ou que estimulem outras formas de discriminação, ou seja, condutas evidentemente censuráveis em um regime democrático e plural.

Qualquer interpretação que seja conferida ao inciso X ou ao § 1º do destacado artigo que possa tolher a manifestação pacífica de cunho político afronta o núcleo inviolável do direito fundamental da liberdade de expressão, a qual deve ser afastada imediatamente.

Ademais, a conduta impugnada nesta Ação Civil Pública contraria o próprio espírito olímpico de união e respeito entre os povos e o respeito à diferença, verificado, inclusive, na bela abertura dos Jogos Olímpicos no último dia 5 de agosto no Estádio do Maracanã. É notório que para a promoção dos referidos valores é indispensável a proteção da liberdade de expressão do pensamento.

Verifica-se a presença, portanto, dos elementos que evidenciam a probabilidade do direito, assim como o perigo de dano e o risco ao resultado útil do processo, tendo em vista que os jogos Olímpicos já estão em curso, a autorizar a concessão da tutela provisória.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de concessão da tutela de urgência para o fim de determinar aos réus que se abstenham, imediatamente, de reprimir manifestações pacíficas de cunho político nos locais oficiais, de retirar do recinto as pessoas que estejam se manifestando pacificamente nestes espaços, seja por cartazes, camisetas ou outro meio lícito permitido durante os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos RIO2016, sob pena de multa pessoal ao seu responsável no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada ato que viole a presente decisão, sem prejuízo das demais sanções previstas legalmente.

Intimem-se, com urgência, os réus, por mandado. Ciência ao MPF. Após, encaminhem-se para distribuição para uma das Varas Federais Cíveis do Rio de Janeiro/RJ. Rio de Janeiro, 8 de agosto de 2016. João Augusto Carneiro Araújo Juiz Federal Substituto .   .

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Imagem Ilustrativa do Post: Revezamento da tocha olímpica na Catedral Metropolitana // Foto de Agência Brasília// Sem alterações Disponível em: https: https://www.flickr.com/photos/agenciabrasilia/26792792195/  

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