A (natimorta) MP das Redes Sociais: entre erros e acertos, o debate público é essencial      

20/09/2021

No dia 06/09, às vésperas do emblemático feriado de 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória nº 1.068 que alterou o Marco Civil da Internet (lei nº 12.965/2014). A MP dificulta que as redes sociais realizem moderação de conteúdo relacionados principalmente à Fake News e dificulta a suspensão e/ou exclusão de contas de usuários. Essa limitação à remoção espontânea dos controladores determinada pela MP ocorre tanto quando o conteúdo consiste numa infração à lei, quanto quando há violação das regras e termos de uso das plataformas. Dessa forma, a MP elenca de forma restritiva e exaustiva, as regras para que os conteúdos se sujeitem a regulação e moderação pelas redes sociais. Seria preciso haver justa causa e motivação específica e não apenas ir contra as regras de cada plataforma digital.

Desde sua edição, a MP vem promovendo uma série de debates acerca da sua constitucionalidade por não atender aos requisitos exigidos para a edição de uma Medida Provisória, que são a urgência e a relevância. Em relação ao primeiro ponto, tem-se que a MP foi editada num contexto de conflito institucional no país, no qual, o Presidente Bolsonaro, em embate com o Poder Judiciário, parece querer, unilateralmente, garantir a liberdade de expressão de seus apoiadores nas redes sociais. Entretanto, quem defende a inconstitucionalidade da Medida Provisória acredita que a urgência da MP não é justificada, uma vez que o Presidente teria agido de forma oportunista usando do momento (um dia antes das manifestações em prol do seu governo) para ameaçar as redes sociais e seus controladores.

Sobre o segundo ponto, da relevância da MP, vê-se que todo esse debate ocorre num contexto de ataques à democracia e a suas instituições no qual a regulação e moderação do conteúdo das redes sociais existe para assegurar um ambiente plural e saudável que possa, além de ter informações íntegras e confiáveis, fomentar o debate público e a livre formação de opinião. A relevância da MP é posta em debate justamente por que, com a premissa inicial de assegurar a liberdade de expressão, impedindo que as plataformas digitais possam fazer um controle do conteúdo, a Medida Provisória não  protege a livre manifestação diante de um cenário massivo de disseminação de fake news e discursos de ódio e não promove a liberdade de expressão, pois esta só é possível frente a um ambiente saudável e plural.

Passando a análise do mérito da Medida Provisória, é possível identificar pontos positivos e negativos que fomentam o debate. Para os opositores à MP, ela cria uma insegurança jurídica muito grande, na medida em que impede que a internet permaneça constante e previsível apta a promover o desenvolvimento e a inovação do país. Nesse sentido, a constante alteração de estruturas já consolidadas da legislação em vigor pode ocasionar de um lado lacunas de regulação em assuntos importantes, e de outro, um excesso regulatório que pode cercear direitos à liberdade de expressão dos usuários e o direito à livre iniciativa das plataformas.

Além disso, o estabelecimento de limitações excessivas frente a atuação de moderação dos controladores, pode criar uma série de efeitos negativos para o bom funcionamento da rede e a proteção dos usuários, abrindo precedentes para uma crescente judicialização desse tipo de demanda. Isso poderá fazer com que as plataformas se tornem cada vez mais um lugar de difícil debate e com grande potencial lesivo aos usuários. Ademais, conforme consolidado no art.19 do Marco Civil da Internet, o regime de responsabilidade de intermediários existe para assegurar que haja um equilíbrio entre a livre atuação e a responsabilização tanto dos usuários, quanto dos controladores. 

Agora, com base nos pontos positivos abordados pela MP, vê-se que esta traz ao debate a questão fundamental da transparência na atuação dos controladores na internet. Ela determina ser necessário processos claros e transparentes acerca da remoção de conteúdo postado pelos usuários da rede, sendo possível enxergar um equilíbrio entre a liberdade de expressão dos usuários e a garantia de um ambiente de correta aplicação dos termos de uso de cada controlador. Segundo determina a MP, é preciso estabelecer um conjunto de limites e critérios proporcionais para a arbitrariedade da moderação dos provedores mitigando danos a direitos fundamentais dos indivíduos e assegurando o contraditório, bem como, impedindo abusos por parte dos controladores e regras diferentes para cada plataforma, muitas vezes sem qualquer fundamento técnico. Aqui, aliás, cabe a seguinte indagação: o que as plataformas consideram “fake news” para fins de moderação de conteúdo? A pergunta, aparentemente sem sentido, traz grandes problemas, na medida em que não é um conceito jurídico e tampouco temos leis que estabeleçam critérios que permitam a sua qualificação como tal. Isso abre portas para que cada plataforma utilize seus próprios critérios (muitos deles não transparentes), algumas vezes sem qualquer fundamento técnico. O Governo não está de todo errado ao se insurgir contra a moderação destas plataformas por conta de “fake news”, mas o caminho escolhido está longe de ser o ideal.

Por entender que a MP desrespeita requisitos fundamentais previstos na Constituição e que alterar o Marco Civil pode gerar uma imensa insegurança jurídica aos agentes da internet, o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolveu ao Planalto a Medida Provisória e em seguida, acolhendo o pedido do PGR, Augusto Aras, a Ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, também suspendeu a eficácia da MP[1]. O STF[2] entendeu que, apesar da defesa de que a MP garante os direitos dos usuários frente a remoção arbitrária de conteúdo das redes sociais pelos controladores, o que motivou a edição da Medida pelo Bolsonaro não foi a garantia ao direito de livre expressão, mas sim o contexto dos atos bolsonaristas de 7 de setembro e uma possível reeleição em 2022. Além disso, entendeu-se que o tema deveria ser amplamente discutido pelo Congresso Nacional e não ser apenas fruto de um ato unilateral do Presidente. Dessa forma, a suspensão cautelar dos efeitos da MP seria necessária até o julgamento definitivo do mérito da medida pelo Plenário do STF, o que acabou perdendo o objeto por conta da devolução integral da MP pelo Senado Federal.

O Procurador Geral de República enviou na segunda feira dia 13/09, pareceres ao STF e os principais argumentos trazidos e usados para justificar a suspensão imediata da eficácia da MP são que (i) esta, ao cercear a liberdade dos controladores das redes sociais de determinarem a exclusão ou a suspensão de conteúdos e perfis nelas presentes, violaria preceitos da Constituição Federal; (ii) a complexidade do contexto social, que está imerso em conflitos de cunho institucional entre os Poderes não justifica caráter de urgência para edição da MP e que (iii) a constante alteração do Marco Civil da Internet poderia causar imensa insegurança jurídica a todos os sujeitos da internet, prejudicando sua confiabilidade e eficiência. Além disso, afirma o procurador-geral que já está em tramitação no Congresso Nacional, um Projeto de Lei (PL) 2.630/2020 (Lei das Fake News) que almeja disciplinar toda a matéria constante na MP e que seria mais racional esperar a definição sobre os valores em discussão pelo PL em debate amplo, plural e legítimo.

A regulação das redes sociais está na pauta do dia de diversos países[3], e isso não poderia ser diferente no Brasil. É necessário discutir meios de controle de arbitrariedades na moderação de conteúdo pelas plataformas, de modo que se possa tanto proteger o princípio da livre iniciativa quanto o da liberdade de expressão. Acreditar cegamente que o problema não existe e que as plataformas não possuem vieses é um erro que não pode ser cometido pelo regulador. Contudo, antes de mais nada, é necessária a problematização e o debate público. Só assim iremos conseguir alcançar os melhores resultados. A solução rápida e imediatista frequentemente não é a melhor solução. No fim do dia, a devolução da MP foi medida acertada, ainda que ela tenha lá seus méritos em algumas premissas adotadas.

 

Notas e Referências

[1] Foram propostas seis ADIs perante o STF em face da MP: (i) ADI 6991; (ii) ADI 6992; (iii) ADI 6993; (iv) ADI 6994; (v) ADI 6995 e (vi) ADI 6996.

[2] ADI nº 6991 MC/DF. Rel. Min. Rosa Weber. STF.

[3] Esta pauta já foi abordada anteriormente nesta mesma coluna. Recomenda-se, para melhor compreensão, os seguintes textos: (i) https://emporiododireito.com.br/leitura/regulacao-das-plataformas-de-redes-sociais-na-india-e-na-australia-cobranca-pela-mineracao-de-dados-publicos-no-brasil e (ii) https://emporiododireito.com.br/leitura/eua-e-uniao-europeia-intensificam-a-regulacao-das-redes-sociais. Acessados em 17.09.2021.

 

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