EUA e União Europeia intensificam a regulação das Redes Sociais

11/07/2020

Parece notícia repetida. Desde o começo do ano tenho insistido que o modelo atual de regulação das redes sociais precisaria ser revisto[1]. A propagação das fake news por empresas profissionais na divulgação desse conteúdo é tema ainda bastante complexo em termos de regulação.

O problema, entretanto, não é apenas este. Barrar o discurso de ódio está na pauta do dia. Assim como entender as consequências do cada vez mais frequente controle ativo das redes sociais em relação a conteúdos diversos, em um cenário no qual elas não respondem civilmente se ficarem passivas (art. 19 Marco Civil da Internet, art. 14 da Diretiva 31/2000 da União Europeia e art. 230 do Communications Decency Act nos EUA).

Na tentativa de regular de maneira mais efetiva as redes sociais no que concerne ao discurso de ódio, a União Europeia em 2016 criou um Código de Conduta para a utilização das redes sociais. O objetivo, a partir do apoio de plataformas de mídias sociais, era uma tutela linear e transparente sobre este tipo de conteúdo.

Nessa linha, as empresas se comprometeram a analisar as solicitações de remoção, por discurso de ódio, em até 24h, procedendo à exclusão do conteúdo tido como violador dos termos de uso das plataformas.

Os resultados parecem satisfatórios. Cerca de 90% das solicitações são respondidas dentro do prazo de 24h e cerca de 70% das notificações são analisadas como procedentes, fazendo com que boa parte das postagens com discurso de ódio sejam removidas pelas redes sociais. “

O Código era um compromisso voluntário assumido pelas empresas de TI que se inscreveram. Não é um documento legal e não concede aos governos o direito de remover o conteúdo. O Código não pode ser usado para fazer com que essas empresas de TI retirem conteúdo que não conta como discurso de ódio ilegal ou qualquer tipo de discurso protegido pelo direito à liberdade de expressão estabelecido na Carta dos Direitos Fundamentais da EU.

É, antes de tudo, uma solução engenhosa e inteligente que poderia ser também feita no Brasil, em um modelo de autorregulação, quase sempre mais benéfico para os envolvidos do que a regulação estatal. Exemplo de sucesso de autorregulação no país, o CONAR é um excelente espelho do que poderia ser feito no âmbito das mídias sociais, a exemplo do razoável sucesso europeu no combate ao discurso de ódio.

Apesar dessa aparente tentativa, a União Europeia resolveu adotar medidas mais rígidas. Desde 2018 (Diretiva EU 2018/1808), as plataformas de mídias online estarão submetidas às regras que tutelam o discurso de ódio nas emissoras de rádio e TV da União Europeia (“Audiovisual Media Services Directive – AVMSD”).

imagem retirada de https://ec.europa.eu/digital-single-market/sites/digital-agenda/files/avmsd_infograp_1.jpg

Em síntese, as redes sociais deverão garantir que os usuários estejam protegidos contra o discurso de ódio e que menores de idade não tenham acesso à conteúdos inadequados[2]. Tudo isso virá regulado na nova Diretiva de Serviços Digitais, que está em consulta pública nesse momento.

Como isso será feito? As linhas desta implementação foram anunciadas esta semana no Jornal Oficial da União Europeia (07.07.2020)[3]. Basicamente, as plataformas deverão etiquetar cada conteúdo e, se for o caso, remover aqueles que incitem a violência, o ódio e terrorismo, e garantir que sejam colocados produtos adequados nos programas infantis (ou na seção destinada ao público infantil).

De qualquer forma, além desta questão do discurso de ódio, também já restou decidido que os fornecedores de conteúdo online deverão promover filmes e programas de TV europeus. Isso significa que os catálogos desses serviços sob demanda deverão oferecer pelo menos 30% de conteúdo europeu, e deverão dar destaque para este conteúdo “nacionalizado”. É uma tentativa de fomento e preservação da cultura europeia, que provavelmente obrigará que plataformas de streaming como Netflix, AmazonPrime, Disney+ apostem em produtos europeus, a fim de cumprir essa meta, sob pena de violação das normas europeias.

Nos EUA, após a remoção de postagens do Presidente Donald Trump pela plataforma Twitter, surgiu um movimento de rediscussão da isenção de responsabilidade das redes sociais, capitaneado por Trump. No final de maio, ele assinou um Decreto que prevê a abertura de um debate para reformar o já mencionado art. 230 do Communications Decency Act (que isenta as plataformas de responsabilidade por conteúdos postados)[4].

Assim, o FCC (autoridade regulatória do setor de comunicação) deverá editar norma que defina as hipóteses de isenção legal, nos termos do art. 230 do CDA. O Decreto ainda prevê o corte de verbas públicas de publicidade em veículos que censurem conteúdo, em um claro movimento de boicote ao Twitter e outras redes socais que tem adotado postura mais ativa e altiva no combate às fake news, ao discurso de ódio e outros temas regulatórios.

Enquanto isso, essa semana o Facebook removeu várias páginas e perfis falsos (especificamente 35 contas, 14 páginas e 1 grupo no Facebook, em um total de 883 mil seguidores pelo país), relacionadas ao PSL e a gabinetes da família Bolsonaro, sob a alegação de que os partícipes tentavam ocultar suas reais identidades: “segundo a empresa, essas contas estavam envolvidas com a criação de perfis falsos e com "comportamento inautêntico" — quando um grupo de páginas e pessoas atuam em conjunto para enganar outros usuários sobre quem são e o que estão fazendo” [5].

Ainda essa semana, o WhatsApp barrou e baniu 9 (nove) contas relacionadas ao PT por disparos em massa. O PT se pronunciou dizendo ser represália ao PL das Fake News, apoiado pelo partido, aprovado no Senado e agora na Câmara para análise.

Ainda vale lembrar que o artigo 19 do Marco Civil da Internet (cláusula de isenção de responsabilidade das plataformas no país) é objeto de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade no Supremo. O que até pouco tempo atrás indicava uma provável improcedência da ação, agora, com esses diversos movimentos de tentativa de mudança na regulação das redes sociais ao redor do mundo, isso se torna cada vez mais imprevisível, inclusive do ponto de vista político, com a família do Presidente sendo alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal.

 

Notas e Referências

[1] Para ler mais sobre isso, ver (i) Tempos de pandemia e a remoção de conteúdo pelas redes sociais, disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/tempos-de-pandemia-e-a-remocao-de-conteudo-pelas-redes-sociais; (ii) Ecossistema de desinformação e regulação: o exemplo do Sleeping Giants, disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/ecossistema-de-desinformacao-e-regulacao-o-exemplo-do-sleeping-giants e (iii) Sobre fake news, anonimato e controle das plataformas, disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/sobre-fake-news-anonimato-e-controle-das-plataformas.

[2] Texto disponível em https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/07/02/redes-sociais-serao-reguladas-por-regra-contra-discurso-de-odio-que-cobre-emissoras-da-ue.htm. Acessado em 10.07.2020.

[3] Texto disponível em  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52020XC0707(02)&from=EN. Acessado em 10.07.2020.

[4] Texto completo em https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2020-05/trump-assina-decreto-que-limita-protecao-a-redes-sociais. Acessado em 10.07.2020.

[5] Texto completo em https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/07/08/facebook-remove-rede-de-contas-falsas-relacionada-ao-psl-e-a-gabinetes-da-familia-bolsonaro.ghtml. Acessado em 10.07.2020.

 

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