Visita íntima nos presídios. Um direito chancelado pelo STF mesmo que subornando o carcereiro

25/10/2015

Por Antônio Julião da Silva - 25/10/2015

“Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.”

Friederich Nietzsche

A Lei de Execuções Penais[1] prevê diversos benefícios prisionais dentre eles a “visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados” (inc. X do art. 41 da Lei n. 7.210/84).

Embora não previsto expressamente, inclui-se nesse direito de visitação a “visita íntima”.

Aludido direito está disciplinado pela Resolução n. 04, de 29 de junho de 2011, que “Recomenda aos Departamentos Penitenciários Estaduais ou órgãos congêneres seja assegurado o direito à visita íntima a pessoa presa, recolhida nos estabelecimentos prisionais.”[2], asseguradas as relações heteroafetivas e homoafetivas[3].

A benesse não poderá ser suspensa ou proibida como sanção disciplinar, salvo se a infração disciplinar estiver relacionada ao seu exercício (art. 4º da Res.04/2011 do CNPCP).

A propósito:

“APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO (ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, III, TODOS DA LEI N. 11.343/2006). RÉU QUE GUARDAVA DROGAS NO INTERIOR DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL E, APÓS VISITA ÍNTIMA, ENTREGA À COMPANHEIRA O ENTORPECENTE, COM O INTUITO DE SER LEVADO PARA CASA. RÉ SURPREENDIDA NA SAÍDA DA PENITENCIÁRIA, TRANSPORTANDO A SUBSTÂNCIA DENTRO DA ROUPA ÍNTIMA. PRESA EM FLAGRANTE. SENTENÇA CONDENATÓRIA RECURSO DA RÉ. ALEGADA AUSÊNCIA DE DOLO E COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL. TESES SEM RESPALDO PROBATÓRIO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. [...]. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (Apelação Criminal n. 2014.008563-0, de Joinville, Rel. Des. Substituto Volnei Celso Tomazini, Segunda Câmara Criminal/TJSC, julgado em 05.08.2014)[4]

Em que pese constar das “Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal”[5] do Ministério da Justiça a necessidade dos estabelecidos prisionais disporem de local adequado para as visitas íntimas, sabe-se que são poucas as unidades prisionais de possuem tal espaço físico, submetendo o(a)s preso(a)s à situações constrangedoras para o exercício do aludido benefício.

Diante de tantas omissões legislativas, cabe ao juiz dispor as normas e as regras necessárias para suprir essas lacunas.

Para ABREU[6]:

“O Juiz, na verdade, tem um papel bem maior do que lhe é atribuído falsamente pelo legislativo, já que o monopólio legislativo, em matéria de elaboração e fixação do direito, é pura falácia. O juiz, em verdade, é soberano na atividade jurisdicional e, como tal, pode estabelecer as normas e as regras de aplicação necessárias, uma vez que, em relação à lei, não se caracteriza jamais pela passividade e tampouco a lei será considerada elemento exclusivo na busca de soluções justas aos conflitos. A lei não é medida exata que assegura a estabilidade e a continuidade do direito. Há uma antinomia entre lei e os princípios fundamentais da ordem jurídica, e o resguardo e a manutenção desses princípios incumbem ao juiz e não ao Poder Legislativo.”

Nessa linha de entendimento o STF, por ocasião do julgamento Habeas Corpus n. 106.300[7], Minas Gerais, em 16.04.2013, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio, entendeu não haver crime na conduta do preso que paga o carcereiro para que possa ter um encontro íntimo no interior de sua cela (O que não se faz por amor!):

“VISITAS ÍNTIMAS – OPORTUNIDADE – CARCEREIRO – RECEBIMENTO DE VALOR. Ante o fato de a visita íntima compor o gênero “acesso a familiares”, estando ligada a um direito do reeducando a ser proporcionado pelo Estado, e de não ter o carcereiro, entre as funções a serem exercidas, a definição do momento, descabe cogitar dos crimes de corrupção ativa e passiva.”

Do acórdão, vale à pena pinçar a seguinte passagem embasada no princípio da insignificância[8] como excludente da ilicitude do ato:

“[...] surge a problemática da insignificância e de não caber exigir daquele que está custodiado postura mais apegada à ordem natural das coisas ante os empecilhos para a realização do denominado encontro íntimo. Se o Estado cumprisse o dever de preservar a integridade moral do preso, não haveria situação como a presente. Na cláusula alusiva à visita do cônjuge e da companheira, fica embutida a possibilidade do encontro reservado. De início, o caso em exame teria solução no campo administrativo-funcional [...]”.

É isso: “O amor remove montanhas” e até a ilicitude.


Notas e Referências:

[1] “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” (art. 1º da Lei n. 7.2010/84. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm >. Acesso em 21 de outubro de 2015.

[2] Disponível em < http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/mulheres-1/anexos-projeto-mulheres/resolucao-no-04-de-29-de-junho-de-2011.pdf/view >. Acesso em 21 de outubro de 2015.

[3] “Art. 1º - A visita íntima é entendida como a recepção pela pessoa presa, nacional ou estrangeira, homem ou mulher, de cônjuge ou outro parceiro ou parceira, no estabelecimento prisional em que estiver recolhido, em ambiente reservado, cuja privacidade e inviolabilidade sejam asseguradas às relações heteroafetivas e homoafetivas.”

[4] Disponível em < http://app6.tjsc.jus.br/cposg/servlet/ServletArquivo?cdProcesso=01000QWZX0000&nuSeqProcessoMv=null&tipoDocumento=D&cdAcordaoDoc=null&nuDocumento=7124108&pdf=true >. Acesso em 21 de outubro de 2014.

[5] Disponível em < http://portal.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJ091F9E35ITEMID58725736264041509258575CA245CB89PTBRNN.htm >. Acesso em 21 de outubro de 2015

[6] ABREU, Pedro Manoel. Processo e Democracia: O processo jurisdicional como um locus da democracia participativa e da cidadania inclusiva no estado democrático de direito – vol. 3 / Pedro Manoel Abreu – São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 307

[7] Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3736542 >. Acesso em 21 de outubro de 2015

[8] Sobre o princípio da insignificância, conferir o artigo: “Morador de rua é preso depois de furtar e comer 20 kg de charque, legumes e verduras? Uma Promotora de Justiça de respeito” de Alexandre Morais da Rosa. Disponível em < http://emporiododireito.com.br/morador-de-rua-e-preso-depois-de-furtar-e-comer-20-kg-de-charque-legumes-e-verduras-uma-promotora-de-justica-de-respeito/ >. Acesso em 22 de outubro de 2012.

ABREU, Pedro Manoel. Processo e Democracia: O processo jurisdicional como um locus da democracia participativa e da cidadania inclusiva no estado democrático de direito – vol. 3 / Pedro Manoel Abreu – São Paulo: Conceito Editorial, 2011.


Antônio Julião da SilvaAntônio Julião da Silva é Bacharel em Direito pela UFSC, pós-graduado em Relações Internacionais pela UNISUL e em Gestão do Serviço Público pela UDESC. Autor das seguintes obras jurídicas: “Prática da Execução Penal” (6ª edição), “Lei de Execuções Penais Interpretada pela Jurisprudência do STF, STJ e TJSC (3ª edição) e “Juizados Especiais Cíveis e Criminais Interpretada pela Jurisprudência do STF, STJ e TJSC” (3ª edição), todos pela editora Juruá.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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