Um final (in)feliz para Dilma e Cunha

14/09/2016

Por Alan Pinheiro de Paula – 14/09/2016

Desde o dia 7 de setembro de 1822, o que era uma simples colônia de exploração da metrópole portuguesa, tornou-se uma entidade soberana, na época, denominada de Império do Brasil[1]. Depois de uma breve passagem de Dom Pedro I pelo trono brasileiro, sucedido por seu filho Dom Pedro II, o Brasil tornou-se uma república no dia 15 de novembro de 1889, passando ser denominado de Estados Unidos do Brasil[2], figurando como primeiro presidente da Nova República o militar Marechal Deodoro da Fonseca. A partir de então, passamos a viver sob a égide de um Estado Republicano.

Diferentemente de uma Monarquia, a República (do latim “res publica”, “coisa pública”) é caracterizada por um governo temporário, eletivo e responsável, devendo o Chefe de governo e/ou de Estado prestar contas (“accoutability”) de sua orientação política na condução dos destinos do país[3]. Todos os países do continente americano, com exceção do Canadá, são repúblicas e, por sua maioria, repúblicas presidencialistas[4].

Mas quais são as formas de responsabilizar o Presidente aqui no Brasil, Doutor? De acordo com a Constituição Federal, o Presidente da República pode ser responsabilizado tanto pela prática de infração penal comum, como em face da prática de crime de responsabilidade. Mas qual a diferença, Doutor? No primeiro caso, as infrações têm natureza penal, sendo o Presidente submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. Já no segundo caso, as infrações apresentam natureza política, sendo ele submetido a julgamento perante o Senado Federal, conforme previsão no art. 86, da Constituição Federal[5].

Os crimes de responsabilidade são tipificados no art. 85 da Constituição e na Lei n° 1.079 de 1950, que regula o respectivo processo de julgamento, denominado processo de “impeachment”, que corresponde ao “ato pelo qual se destitui, mediante deliberação do legislativo, o ocupante de cargo governamental que pratica crime de responsabilidade; impedimento”[6].

O Presidente da República pode ser preso, Doutor? Não! De acordo com o próprio texto Constitucional, salvo nas infrações penais comuns após sentença condenatória[7]. E quanto aos crimes de responsabilidade? Nestes casos nunca, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, como reza o art. 52, parágrafo único da Carta Magna[8].

Mas o que aconteceu no julgamento da ex-Presidente Dilma Rousseff, Doutor? No dia 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff foi responsabilizada pela edição de três decretos de crédito suplementar, sem autorização legislativa, e por atrasos no repasse de subvenções do Plano Safra ao Banco do Brasil, em desacordo com leis orçamentárias. Ocorre que, muito embora Dilma Rousseff tenha perdido o mandato, manteve o direito de exercer função pública[9].

Como assim, Doutor? Conforme o rito previsto, os Senadores pretendiam decidir conjuntamente sobre a perda do cargo e a inabilitação para exercer função pública, no entanto, após uma viragem procedimental, o julgamento foi dividido em duas partes, sendo a primeira referente à perda do cargo e outra em relação à inabilitação, conforme petição apresentada pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

A citado pedido teve como fundamento jurídico a natureza autônoma das penas, que acabou emplacando no Senado, conforme entendimento do Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente do STF, que conduzia a sessão. Desta forma, realizados os julgamentos em separado e, havendo a necessidade de um quórum mínimo de dois terços para uma possível condenação, Dilma Rousseff teve apenas decretada a perda do cargo de Presidente da República por 61 votos a 20. Já em relação à inabilitação para o exercício de função pública, não foi alcançado o quórum mínimo, sendo conferidos apenas 42 votos.

Mas está certo isso, Doutor? Acredito eu que não, já que não há essa possibilidade expressa na Constituição. Conforme a própria redação do já citado parágrafo único do art. 52, da Constituição Federal, chego à conclusão de que as penas são cumulativas e não alternativas, conforme leciona Alexandre de Moraes[10].

Não obstante, em aprofundada análise do teor do art. 68 da Lei n° 1.079 de 1950, que regulamenta o processo de “impeachment”, isso parece possível[11]. A pergunta é: teria sido esse dispositivo recepcionado pela atual Constituição? Para respondermos a esse questionamento, devemos relembrar o processo de “impeachment” do ex-Presidente Fernando Collor, o qual renunciou ao cargo durante o processamento. Diante deste evento, já que não mais havia o que se falar em perda do cargo, poderia ele ser condenado apenas em relação à inabilitação para o exercício de função pública? Naquela oportunidade isso foi possível, sendo esta decisão referendada pelo próprio STF[12].

No entanto, em que pese o STF ter entendido naquela ocasião que as penas seriam autônomas, não poderia abrir margem a uma votação em separado, conforme inteligência do referido parágrafo único do art. 52, CF. Logo, a ex-Presidente Dilma Rousseff deveria sim ficar inabilitada para o exercício de função pública por oito anos.

Diante de tudo isso que acabamos de ver, poderia o ex-Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha ser beneficiado, Doutor? Não! No entanto, a despeito da controvérsia jurídica provocada pelo fatiamento da votação do "impeachment" de Dilma Rousseff, rumores apontavam que Eduardo Cunha estaria avaliando uma estratégia buscando a mitigação de sua pena[13]. Cunha respondia, até ontem, dia 13 de setembro de 2016, a um processo por quebra de decoro parlamentar por ter mentido em depoimento à CPI da Petrobras sobre suas contas no exterior e, como consequência da cassação de seu mandado, automaticamente torna-se inelegível, conforme previsão no art. 1° da LC n° 64/1990[14].

E como foi essa votação, Doutor? Para a surpresa de muitos, durante a madrugada de ontem, como já mencionado, o Plenário da Câmara aprovou a cassação do mandato de Eduardo Cunha por 450 votos a 10, ficando ele inelegível até 2026[15]. Que “lavada” heim, Doutor? Pois é, nem eu esperava esse quórum. Que outras dessas estejam por vir!


Notas e Referências:

[1] Constituição Política do Império do Brasil de 1824;

[2] Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891;

[3] Sobre o assunto, ver Dallari, Elementos, op.cit., p. 227 e segs.;

[4] STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. 183 p.;

[5] Constituição Federal de 1988, art. 86;

[6] (Dicionário Aurélio Século XXI: 1999);

[7] Constituição Federal de 1988, art. 86, § 3°;

[8] Constituição Federal de 1988, art. 52. Parágrafo único;

[9] http://www12.senado.leg.br/noticias/noticias/materias/2016/08/31/dilma-rousseff-perde-o-mandato-e-temer-e-confirmado-presidente;

[10] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 32ª ed., São Paulo: Atlas, 2016, p. 768;

[11] Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950;

[12] STF. Plenário. MS 21689, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 16/12/1993;

[13] http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2016/09/eduardo-cunha-pretende-usar-fatiamento-de-processo-para-evitar-cassacao-de-seu-mandato-7363632.html

[14] Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990;

[15] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/516150-PLENARIO-DA-CAMARA-APROVA-CASSACAO-DO-MANDATO-DE-EDUARDO-CUNHA.html;


Alan Pinheiro de PaulaAlan Pinheiro de Paula é Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Especialista em Gestão de Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Professor de Direito na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Professor convidado em diversos cursos preparatórios para concursos públicos. Professor da Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (ACADEPOL). Delegado de Polícia.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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