Stalking e o outro lado do amor

23/01/2016

Coluna Espaço do Estudante 

O fenômeno Stalking denominado por muitos como perseguição insidiosa ganhou a atenção da mídia apenas algum tempo, devido alguns casos de assédio a famosos, contudo, o stalker esta mais perto do que possamos imaginar e é uma realidade que muitas vezes pode bater em nossa portar. Já pensou no caso em que dormes com o inimigo e não sabes?  Ou até mesmo que sofre essa perseguição que muitas vezes é velada e ainda não conseguiu identificar?

A psicanálise tem estudado o stalking, psiquiatras e psicólogos conhecem essa ameaça há bastante tempo, ainda no século XIX, um dos pais da psiquiatria forense, Richard Von Krafft – Ebing escreveu a respeito de mulheres com fixação obsessiva que viajavam atrás de seus ídolos.  O que observamos é que não é algo restrito somente ao gênero masculino, qualquer pessoa pode ser agente ativo desse delito.

O Dr. Micheal A. Zona, estudioso da mente humana, publicou em conjunto com outros autores um estudo que divide o comportamento dos stalkers em quatro categorias especificas: 

  • Simples obsessivo: São os casos onde a vitima e ofensor se conhecem, sendo que a maioria tem uma relação doméstica, seja namoro, casamento ou relação casual. Segundo o autor, esses são os tipos mais perigosos de stalkers. 
  • Amor obsessivo: São os casos em que ofensor não mantém relação com a vítima. Geralmente o ofensor busca perseguir celebridades ou pessoas que estão sempre presentes na mídia, porém há casos em que a vítima é desconhecida. Para o autor, a grande característica deste grupo, é o isolamento social e as doenças mentais. Alguns são esquizofrênicos ou bipolares, enquanto outros são desajustados socialmente que não tiveram uma relação intima com outra pessoa. 
  • Eroctomaniac: Neste caso, o stalker ilusoriamente acredita que a vítima o ama. Nesse grupo, segundo o autor, a maioria dos casos envolvem stalkers mulheres. 
  • Falsa vitimização: O ultimo grupo de stalker do estudo do Dr. Zona aponto os casos em que a pessoa elabora e cria um cenário de que é vítima de um stalker, com o objetivo de prejudicar a vítima.

Nos anos 80, a erotomania também chamada de síndrome de Clérambault, foi classificada como um distúrbio psíquico, a pessoa parte do principio de que é amada por outra pessoa mesmo que não haja motivos nenhum para que isso ocorra. Embora as motivações amorosas sejam as mais frequentes, os stalkers não se restringem somente a elas.

Uma jovem brasiliense em seu Facebook denunciou o ex-namorado por agredi-la levando o caso a policia e consequentemente gerou a vítima danos irreparáveis. Em relato a jovem contou:

Ele foi ao meu aniversário. Disse a minha irmã que era a pessoa mais maravilhosa que conheceu. Disse-me as melhores palavras e carinhos. Apresentou-me a família, disse que eu era a mulher dos filhos dele. Ele me mimou me encheu de carinho e me chamava de "minha".

Ele pegou a senha do meu celular, viu uma conversa passada e ficou com ciúmes. Chamou-me mentirosa, ingrata e que não merecia o respeito e a confiança dele, mas que me perdoava e voltaríamos porque ele ia me dar uma nova chance.

Eu não podia falar com meus amigos, pelo fato deles serem homens, e por me alertarem fazia deles apenas pessoas com segundas intenções. Eu não podia sair com minhas amigas, elas eram putas. Eu era puta. Eu era piriguete por já ter ficado com outras pessoas. Eu não merecia a confiança de uma pessoa que só me amava e eu só destruí essa confiança.

Eu falei com um amigo que encontrei na festa. QUEM ERA ELE? VOCÊ JÁ FICOU COM ELE? VOCÊ CONVERSA COM ELE? VOCÊ É UMA PUTA, VOCÊ JÁ FICOU COM TODOS, VOCÊ NÃO É SER HUMANO, VOCÊ NÃO É GENTE, VOCÊ NÃO É DIGNA DE RESPEITO.

Acordamos. Após a briga, ganho mimos, jura de amor, promessas que nunca foram cumpridas. Ele nunca mais ia me xingar, me humilhar, ia cuidar de mim e que eu era a mulher da vida dele. Não há outra pessoa no mundo que ele via a não ser eu.

Perdoei. Procurava justificativas em vão, tentando colocar na minha cabeça que "ele tem razão, se fosse ao contrário não ia gostar", "ele agiu pelo impulso", "foi o calor do momento". Tentei falar pros meus amigos que esse "era o jeito dele", que foi apenas uma briga. Eu juro que a gente se amava, ou achava que amava.

Ele invadiu minha privacidade de novo. Minhas amigas são putas, falam de homens, brincam sobre a beleza deles. Eu sou puta, eu entrei na brincadeira. Eu não sou gente, não sou digna de estar com uma pessoa como ele. Dessa vez, xingamento não foi o limite, fui empurrada da casa, bateu no carro com a mão ao ponto de amassar, meu celular sentiu a queda até o chão inúmeras vezes até um amigo separar. Eu sou puta, tinha um novo contato de um menino no celular, apesar de ser da faculdade. E então acordamos. Sou a mulher da vida dele e isso nunca mais vai acontecer. Ele chora, como quem quer mostrar sinceridade em sua fala. Eu acredito em melhora. Eu estou exausta, como quem chega ao ponto de acreditar nas ofensas a ponto de evitar briga. É só o calor do momento.

Vou pra festa da minha amiga puta, onde aparentemente, por ser uma também, teria ficado com todos que ali estavam. Calei-me para evitar briga. Falei com o meu antigo melhor amigo, crime gravíssimo. Não sou gente, sou mentirosa, não mereço alguém maravilhoso assim como namorado. E então quero levá-lo até o carro para que não haja mais briga. A exaustão me cala. Assim, pelos meus cabelos minha cara vai de encontro ao chão. Desculpa, eu cai. Cai sozinha. Machuquei-me apenas sozinha.

E foi assim que meu relacionamento acabou com ajuda da polícia. E foi assim que acabou mais um dia normal para inúmeras mulheres, que sofrem com seus relacionamentos abusivos, com ciúmes, com esse falso poder de posse. Foi assim, que mais uma vez, um casal acabou a briga com o pensamento "foi só uma briga, se fosse ao contrário eu não ia gostar". Foi perdoando que estendi todo o limite que um relacionamento pode chegar, e achando que era briga de casal, que ciúmes é "bonitinho". Precisei me afastar de todas as pessoas que eu amo por ameaças, precisei regular minhas saídas (não digo pra festa, digo para casa de amigas, comércios, confraternização). Rede social virou dica para saber com quem estava sendo infiel. Eu nunca imaginaria que chegasse aonde chegou, muito menos meus amigos que já presenciaram diversas vezes seus episódios abusivos. Eu nunca pensei que isso estava ocorrendo comigo.

Eu agradeço eternamente por existirem pessoas que hoje me apoiam e estão comigo. Que me amam que se sensibilizaram por mim. Fico triste pelo autor e família conseguirem ver isso como algo normal, como um exagero da minha parte, a alegarem que "cai sozinha". Como podem colocar seres humanos no mundo e os privarem de ter EDUCAÇÃO? Como posso dormir com dores no corpo inteiro se este está ileso? Como posso me agonizar limpando meus machucados enquanto na delegacia o monstro fala "independente da fiança eu pago, tenho dinheiro" a ponto de não saber educar sua cria? Como posso passar todo dia pela vergonha de todos ficarem me encarando com a cara machucada, se na cabeça da cria ele agiu certo, afinal, eu instiguei isso nele, eu sou puta. COMO POSSO VIVER EM UM MUNDO ASSIM?”

Podemos observar neste relato fortes características do Stalking, onde primeiro cerca a vitima de forma velada fazendo com quem ela não percebesse suas reais intenções, mas como todo bom stalker tratou de logo mostrar suas reais intenções fazendo um verdadeiro cerco psicológico a vitima, afastando de seus amigos, criando situações e incertezas na vida da vitima.

Como sabemos o Stalking pode levar muitas vezes a crimes mais graves como neste caso, a violência domestica, mas criminalizar condutas típicas do cotidiano não me parece a melhor solução para este problema. A forma em que se foi proposta não vai gerar eficácia jurídica e quem sabe não seria o caso de introduzi-la na Lei Maria da Penha que a meu ver traria de fato a punição a estes indivíduos, uma vez que, no Brasil pouco se observa as outras espécies de stalker acima estudadas.

Fato é que a maioria das vitimas alvo de stalker são mulheres, sendo assim, a Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha), não abrange ainda todas as condutas que podem ser considerados como Stalking, mas evidentemente, assegura maior proteção a estas mulheres.


Notas e Referências:

BRASIL. Decreto-lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>.

______. Decreto-lei nº 3688, de 3 de outubro de 1941. Lei de contravenções penais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>.

______. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>.

DIAS. Tatiana de Mello. Só o lado ruim da internet. Blog do Estadão, 10 de julho de 2011. Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/link/so-o-lado-ruim-da-internet/>.

RIBEIRO. Roseli. Perseguição constante deve virar crime, defende Damásio de Jesus. Disponível em: < http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/24072/ >.

MACHADO. Fábio. Stalkers são famosos por fuçar a vida alheia na web. Folha, 31 de janeiro de 2011. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folhateen/868428-stalkers-sao-especialistas-em-fucar-a-vida-alheia-na-web.shtml>.

ZONA, Michael et al. The psychology of stalking: clinical and forensic perspectives. San Diego: [s.n.], 1998.


Júlia Passos

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Júlia Quaresma Passos Jorge é acadêmica de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Woman reflection 2 // Foto de: Vincent Albanese // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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