SERÁ QUE VALE A PENA MESMO TANTO ESFORÇO, E PARA QUEM?        

08/07/2019

Nos dias 11 e 12 de abril realizou-se na cidade de Vitória da Conquista/BA, o I Seminário Regional do IBADPP. Convidado pelo seu Presidente, Professor Luiz Gabriel Batista Neves, tive a oportunidade de falar no dia da abertura do evento, antes do Professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, que encerrou a primeira noite do seminário tratando de “Constituição, Processo Penal e Futuro.”

Não foi uma tarefa fácil anteceder o notável jurista brasileiro, um Mestre do Processo Penal. Como meu tema escolhi o título que dá nome a esta coluna. O meu intuito, desde que o elegi, foi fazer uma reflexão consistente em pensar qual a razão pela qual tantos esforços eram despendidos por nós, com viagens cansativas, etc., e exatamente para quem o fazíamos e (por que não) para quê?

Logo no início, depois de prestar as minhas homenagens ao cineasta Glauber Rocha, que dá nome ao auditório onde se realizava o encontro regional[1], bem como à nova (e jovem) Diretoria do IBADPP e, evidentemente, ao Professor Jacinto Coutinho, fiz questão de justificar a escolha do meu tema. Revelei, então, que há alguns meses eu voltava de uma viagem exaustiva, desde a cidade de Jacobina, também na Bahia, onde houvera proferido uma palestra na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Ao retornar, já no final da tarde, fui jantar com um meu filho e, diante de um homem já afadigado pela rotina, eis que ele me pergunta, talvez um tanto angustiado: “Será que vale a pena tanto esforço, e para quem?”, indagou-me ele. Eis o mote da minha preleção naquela noite.

Qual a razão mesma que leva dezenas e dezenas de Professores de Direito Processual Penal a percorreram o País, irem aos lugares mais longínquos, a dedicarem toda uma vida ao estudo do Processo Penal e à sua disseminação aos estudantes brasileiros? Estamos a todo o tempo nos mais variados lugares, falando para diferentes públicos e afirmando, por exemplo, acerca da necessidade de um novo Código de Processo Penal brasileiro que, efetivamente, traduza o sentimento que moveu a grande maioria dos constituintes que elaborou a Constituição de 1988.

Um novo código sujeito às regras e ao princípio reitor (dispositivo) do sistema acusatório, devidamente garantidores dos direitos elencados no art. 5º. da Constituição. Não um código emendado, remendado, rasurado, mambembe, maltrapilho, prenhe de reformazinhas que não alteram substancialmente nada, antes pelo contrário, torna confuso um texto que, exatamente por ser codificado, deveria ser algo íntegro e coerente entre os seus todos dispositivos.

Agora, por exemplo, estupefatos!, estamos diante da possibilidade de aprovação de um tal “pacote anticrime” que, aliás, eu tenho chamado, propositadamente, de “lixo anticrime”, tais são as incongruências sistêmicas e epistemológicas nos respectivos projetos de lei, verdadeiro acinte à Constituição Federal. Tudo, o que é muito pior!, conduzido por um ex-Juiz Federal e ex- Professor de Direito Processual Penal, hoje Ministro da Justiça.

Na verdade, não devíamos nos surpreender com tais propostas (nem ficar estupefatos, portanto), e outras tantas que virão... Trata-se do cumprimento dos compromissos de campanha para a eleição presidencial. Óbvio! O poder no Brasil está sob o comando da ultradireita da pior espécie – a populista! -, e é preciso que não haja ilusões de que medidas progressistas irão ter lugar em um lugar de gente assim.

Vamos, a cada dia mais, viver a política pública do extermínio, a necropolítica de que fala Mbembe em um dos seus melhores livros.[2] Veja-se, pelas centenas de outros, os casos, ambos no Rio de Janeiro, da vereadora Marielle Franco e do músico Evaldo Rosa dos Santos, este morto por militares do Exército, após ser alvejado com a sua família por dezenas de tiros de fuzil. Na Bahia, aponto a vergonha que ficou nacionalmente conhecida como “Chacina do Cabula.”[3]

Aliás, “em seis dias, ao menos 25 pessoas foram mortas em supostos confrontos com a Polícia Militar no estado de São Paulo, incluindo os 11 mortos ontem pela Rota. Na última terça-feira, três suspeitos morreram supostamente trocando tiros com policiais na região da Vila Prudente (zona leste). Já entre os dias 29 e 30 de março, foram mortos em supostos confrontos com a PM mais 11 pessoas, na capital e na Grande São Paulo. De acordo com a Ouvidoria das polícias, mortes provocadas por policiais militares em serviço, em março deste ano, correspondem a 48% a mais que no mesmo mês do ano passado. Segundo relatório do órgão, em março deste ano, 64 suspeitos foram mortos em casos considerados como “intervenção policial”. No mesmo período de 2018 foram 43.[4]

Esta política do extermínio reflete-se também na estúpida banalização da prisão provisória, afrontando-se acintosa e desavergonhadamente – e cotidianamente também - o princípio da presunção de inocência, sempre sob o pálio de uma tal “ordem pública” cujo conceito, de tão árido e fugidio, serve para tudo, menos para se decretar (seriamente) uma medida processual de natureza cautelar.

O resultado vê-se no cárcere: gente pobre, negra e mulher, todos amontoados e amontoadas todas também, uns sobre os outros, e umas sobre as outras, em um espetáculo dantesco e desumano.

Eis, então, o fato pelo qual vale tanto esforço e para quem: para essa gente, afinal de contas, todos os dias temos que pensar em nossa gente, ainda que se sinta todo o nosso peito se apertar, como diz a canção popular.[5]

 

Notas e Referências

Referi-me a Glauber Rocha como um gênio brasileiro incompreendido que, certamente, morrera de tristeza e de saudade do Brasil, depois de um longo exílio em Portugal. Se voltasse à sua terra, seria assassinado pelo regime militar, pois era um homem marcado para morrer. (https://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2014/08/16/comissao-da-verdade-revela-que-militares-queriam-matar-glauber-rocha.htm, acessado em 22 de abril de 2019).

Achille Mbembe é um filósofo e pensador camaronês dos mais eruditos. Entre as suas várias obras, destaco o seu trabalho “Necropolítica”, publicado no Brasil pela Editora N-1 Edições. Neste ensaio, o autor parte do pressuposto “que a expressão máxima da soberania reside em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer.” (http://www.justificando.com/2019/01/08/a-necropolitica-e-o-brasil-de-ontem-e-de-hoje/, acessado em 23 de abril de 2019).

https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2019/02/06/chacina-do-cabula-acao-da-pm-que-deixou-12-mortos-na-ba-segue-sem-solucao-apos-4-anos.ghtml, acessado em 21 de abril de 2019. Neste episódio, o atual Governador da Bahia afirmou que o policial “é como um artilheiro em frente ao gol que tenta decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol, pra fazer o gol. Depois que a jogada termina, se foi um golaço, todos os torcedores da arquibancada irão bater palmas e a cena vai ser repetida várias vezes na televisão. Se o gol for perdido, o artilheiro vai ser condenado, porque se tivesse chutado daquele jeito ou jogado daquele outro, a bola teria entrado.” (https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/e-como-um-artilheiro-em-frente-ao-gol-diz-rui-costa-sobre-acao-da-pm-com-doze-mortos-no-cabula/, acessado em 02 de janeiro de 2019).

Aqui, o Presidente do Brasil usou as redes sociais para “parabenizar” os policiais que participaram da ação, que culminou na morte de 11 suspeitos. “Parabéns aos policiais da Rota pela rápida e eficiente ação contra 25 bandidos fortemente armados e equipados que tentaram assaltar dois bancos na cidade de Guararema e ainda fizeram uma família refém. 11 bandidos foram mortos e nenhum inocente saiu ferido. Bom trabalho!”, escreveu. Também o Governador paulista se manifestou sobre a ação da polícia, para uma plateia de empresários e agentes do mercado financeiro: “Colocaram no chão dez facínoras, mandaram para o cemitério dez facínoras”, disse se referindo às 11 mortes. (https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2019/04/policia-mata-11-suspeitos-de-assalto-a-banco-em-guararema.shtml, acessado em 15 de abril de 2019).

“Gente humilde”, de Garoto, Chico e Vinícius.

 

 

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