Por Débora Costa Ferreira – 23/05/2017
Nos últimos dias, a pergunta que pairou foi porque, a essa altura dos acontecimentos, esmagando mais uma vez aquela sensação do “agora vai”, vêm à tona todas essas denúncias, as quais abalam, não somente a noção de conveniência de manutenção do atual Presidente na condução do Governo, mas a própria estabilidade das instituições. Seria somente reflexo da impossibilidade fática de segurar uma informação bombástica por tanto tempo? Ou haveria uma quebra de pactos pré-estabelecidos a ponto de romper com a “responsabilidade republicana” dos atores sociais que realizam essa gerência de riscos? Resposta clara não há, mas é válido o esforço de reflexão sobre esses últimos acontecimentos.
Há dois aspectos que ficam claros na conjuntura e levam à conclusão de que vivemos uma crise institucional, no sentido do que Douglas North[1] descreveu como instituições. O primeiro ponto diz respeito à corrupção sistêmica instalada, a qual não responde à constrições institucionais existentes, enquanto o segundo aspecto refere-se ao esfacelamento da capacidade de controle por parte das instituições da atuação dos agentes conforme os papéis a ele estabelecidos.
Em primeiro lugar, e o que mais choca, é o fato de que a corrupção chegou a um nível sistêmico, que não se distingue de um partido para o outro. Essa é a prática institucional que dói ser explicitada: essas são as regras do jogo vigentes. E o pior: a sensação que não existem checks and balances ou accountability popular capazes de realmente restringir o comportamento dos agentes políticos, como seria de se esperar, em tese[2]. Como, em meio a um ambiente de ativa reprovação social das práticas de corrupção e de amplas investigações, ainda se observa pedido explícito de pagamento de propina, sem quaisquer cuidados razoáveis para não ser pego?! Não faz sentido.
Diante disso, observa-se a disjunção da teoria democrática com a prática e uma profunda desesperança do surgimento de soluções efetivas para o problema da corrupção. Espera-se, mais uma vez, um conjunto de medidas paliativas, à brasileira, para evitar o estado de caos total. Trata-se de um incrementalismo institucional que se esgarça aos seus limites máximos e se reflete nessa profunda ressaca republicana, amplamente compartilhada por 208 milhões de brasileiros que desejam apenas “tocar a vida” com um mínimo de estabilidade, em ambiente que sejam respeitados padrões básicos compartilhados de moralidade pública nas instituições democráticas.
Essa ressaca não é fruto somente dos acontecimentos dessa semana. Tem-se experimentado, nos últimos três anos, a inaudível dicotomia entre, de um lado, a garantia da governabilidade, da estabilidade e credibilidade econômica – que repercute diretamente na qualidade de vida dos cidadãos – e, de outro, a insustentabilidade de longo prazo da manutenção de regras do jogo autodestrutivas e inquietantemente contrárias aos níveis mínimos de moralidade pública[3]. A sociedade ainda não decidiu efetivamente até que ponto está disposta a suportar e dissimular a lógica de funcionamento atual da política em nome da estabilidade institucional. Essa sequência de escândalos publicizados, por razões ainda obscuras, força novamente o confronto com essa escolha, em um curto espaço de tempo. Mas a grande trava, que retorna com mais robustez a cada nova crise, é a inexistência de alternativa razoável e simples para a solução do problema[4].
Para além do inegável fato da corrupção sistêmica, o segundo aspecto que desvela a crise institucional no contexto atual é o de que, já há algum tempo que o desempenho dos papéis institucionais vem sendo desprezado a níveis alarmantes. Juízes, agentes da Polícia, membros do Ministério Público, entre outros atores públicos, vêm externando, inclusive em atos institucionais e nos principais meios de comunicação, posições políticas e comportamentos estratégicos, que não condizem com o papel traçado institucionalmente para os ocupantes dos respectivos cargos.
A necessidade de atuação dos agentes nas raias do expectável de seu papel decorre da necessidade de tornarem previsíveis as interações sociais e o funcionamento das instituições. Observe-se que, se cada agente público pode agir sem razoáveis contenções funcionais, não há como garantir que a instituição desempenhe acuradamente a função a que se presta, porquanto as regras do jogo não possuem efetividade.
Assim, a erosão da capacidade de contenção institucional dos agentes coloca a sociedade sobre constante risco, incrementando instabilidade e descontinuidade no sistema. Nesse sentido, a vaidade e a estratégia dos agentes públicos tanto na colocação da sua posição no âmbito do circuito público de comunicação quanto no uso estratégico das informações institucionais além dos limites funcionais do cargo transmuta-se em prática difusa que gera elevada perturbação da opinião pública, fazendo com que o sistema funcione sob constante tensão.
Não se defende que as informações acerca de escândalos de corrupção não devam ser trazidas a público – o que constitui pré-condição essencial da democracia –, mas que uma prática difusa de vazamento de elementos de prova, às vezes em fase de investigação ainda não conclusiva, como barganhas estratégicas, eleva o risco social, na medida em que se tornam constantes as crises de legitimidade do Estado e, por consequência, as crises econômicas. Esse processo somente deixará de ser alarmante quando for estabelecida uma solução provisória suficientemente consistente até a próxima crise, ou quando as notícias não mais chocarem, diante da escolha entre aceitar que as coisas são como são e abandonar o barco [e ir para Miami]. Aprazível seria a emergência de solução que estancasse toda essa sangria, mas – como contra ressaca – não existe remédio milagroso.
Notas e Referências:
[1] NORTH, Douglas. Institutions, Institutional Change and Economic performance, Cambridge University Press, Cambridge, 1990.
[2] Refiro-me a teorias institucionais, da democracia e da separação dos poderes.
[3] Não que não haja representatividade dessa prática social, já que a política expressa, em grande medida, a realidade e as práticas sociais.
[4] Somente a improvável implementação conjunta e complementar de medidas seria capaz de propiciar alívio.
. Débora Costa Ferreira é Graduada em Direito e em Ciências Econômicas. Especialista em Direito Constitucional. Mestranda em Direito Constitucional no Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP. E-mail: debora.costaferreira91@gmail.com. . .
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