Resenha do livro “Prisões e Medidas Cautelares à Luz da Constituição” de Thiago M. Minagé

01/08/2016

Por Kelven de Castro Soeiro Santos  - 01/08/2016

O presente livro do professor e advogado criminalista, Thiago Minagé, apresenta a recente lei de n° 12.403, de maio de 2011, sobre uma ótica Constitucional, abordando de forma percuciente e crítica de como a mesma vem sendo instrumentalizada em nosso cenário jurídico brasileiro. O autor vem apontando em sua introdução aspectos teóricos de cunho filosófico, sociológico, dogmático e criminológico para demonstrar que o assunto tem que ser levado a sério e que é imprescindível contextualizar com a dogmática processual penal.

Indaga o autor se é mesmo a função do Estado interferir através do Direito penal e se a solução está na criminalização de tudo aquilo que não é bom. Ainda nas palavras do autor: Acabar com a criminalidade (se é que é possível) deve começar com uma estrutura social competente, educando nossas crianças, possibilitando inclusão social aos mais necessitados e não limitando os direitos inerentes às pessoas de forma ilegal e arbitrária. Percebe-se a preocupação do mesmo com o outro e com as garantias de seu direito inerente à pessoa humana.

Ainda em sua introdução, o autor vem discorrendo sobre a filosofia de Habermas e sua aplicação no direito brasileiro, aborda de forma crítica a teoria da pena, fala do dever de fundamentação, do Princípio Democrático que tem como ponto de partida uma constituição que estabelece as regras do jogo e a tão malsinada discricionariedade judicial, tão criticada por Streck. A passagem por temas introdutórios tem por escopo demonstrar a importância ideológica adotada desde o começo para o estudo do tema central, buscando o estudo da temática em conformidade com a Constituição.

Em seu capítulo inicial, o autor expõe sobre a necessidade de o processo penal ter sua autonomia e independência, em suas palavras: Desvincular os estudos, institutos e desenvolvimento do processo penal frente ao processo civil, ramo do direito distinto que, em nada se equivalem, podendo até coincidirem determinados pontos, mas não passam de meras coincidências. Reconhece-se a importância da temática tendo em vista as complicações que destas coincidências podem resultar, mas não nos cabe aprofundar o assunto aqui.

Na sequência, o autor dedica um pouco de seu tempo para se pronunciar rapidamente sobre o Sistema Processual Penal Acusatório, um autêntico e verdadeiro processo de partes, estando o juiz numa posição passiva e longe da colheita da prova, o que se distingue do sistema inquisitivo que a produção probatória é concentrada nas mãos do julgador. Vale ressaltar, a distinção crucial entre os dois sistemas é a existência de partes na participação da produção probatória, sendo isto de extrema importância num Estado Democrático de Direito.

Dando seguimento, o autor vem discorrendo sobre os princípios inerentes ao processo penal, destacando que os mesmos não se esgotam nos textos que estão descritos, estando em constante evolução, nunca reduzidos à norma legal. Frisando que o autor versa sobre os princípios de forma crítica e pontual, podendo causar náusea aos mais reacionários. Não cabe a mim vir pontuando cada princípio e sim despertar a atenção do leitor.

Na sequência, aborda-se de forma sintetizada e precisa a lei processual no tempo e no espaço. O autor demonstra as duas regras do direito intertemporal em matéria penal, a contida na CF, art:5°, XL, estabelecendo que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” e a outra do art. 2º, parágrafo único, do código Penal que regulamenta que “ A lei posterior que, de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se os fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. Vem apontando de forma embasada que a regra da novatio legis in melius, aplica-se a lei 12.403/2011, imediatamente alcançando assim situações já consolidadas. Destarte, percebe-se seu posicionamento crítico e inovador de adotar o entendimento de haver retroatividade da lei mais benéfica, também para matéria processual penal, e seu pensamento vem amparado pela regra de cunho constitucional que estabelece que no seu art. 5°, parágrafo 1º “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Em seu quinto capítulo o autor faz uma excelente introdução às providências/medidas cautelares que limitam direitos inerentes à pessoa, chegando a afirmar que não existe um processo cautelar penal, com procedimento autônomo e independente, que tenha por objeto a imposição de uma medida prisional ou restritiva de direitos. E sim que há uma verdadeira antecipação da tutela improvisada do processo civil. Nesse caminhar o mesmo discorre com uma dicção garantista e de extremo respeito à constituição, relembrando que qualquer restrição deve ser respeitada o princípio da Estrita legalidade, ou seja, a lei é a única fonte do direito penal quando se quer proibir ou impuser condutas sobre ameaça de sanção. Demonstrando os requisitos essências para as medidas cautelares (Fumus Comissi Delict e Periculum Libertis) de maneira crítica como sempre e manifestando sua inquietação em relação ao descaso que alguns fazem sobre o inquérito policial.

Ao chegar ao sexto capítulo da obra do professor, Thiago Minagé, trata da prisão preventiva de forma brilhante e detalhada. Pontuando que à prisão preventiva baseada num CPP de 1941, tem sua essência inquisitiva considerando-a como verdadeiro instrumento persecutório e, por consequência lógica, ao revés de dispensar tratamento de caráter excepcional para a prisão cautelar, considerando-a como efetiva exceção à regra que é a liberdade. Destacando que a prisão preventiva por ser baseada em uma cognição sumária, carrega uma carga exorbitante de dúvida quanto ao alegado e decidido para sua decretação. Demonstrando clara a sua preocupação com as garantias constitucionais, o direito a ampla defesa e o contraditório garantido em todos os processos e procedimentos administrativos. Ressaltando que devem ser observados todos os requisitos processuais específicos contidos no art.312 do CPP, que o autor vem esmiuçando de forma bem crítica em seu livro e a motivação, fundamentação que devem estar presente, sempre.

Logo na sequência, trata-se da prisão em flagrante em que o autor discorre de forma bem didática e com grande domínio sobre o assunto, chegando a falar da onde decorre a expressão flagrante, que significa queimar do latim flagrare e flagrans, flagrantes (ardente, brilhante) que expressa à visibilidade do cometimento de um desvio punível (infração penal), ou seja, remonta a ideia de delito ardente, queimante, no calor dos acontecimentos. Fala de sua natureza pré-cautelar, por ser uma verdadeira exceção da exceção, utilizando o instrumento (flagrante) do instrumento (preventiva ou temporária). Classifica as várias espécies de flagrante comentando todas de forma consiste, demonstrando excelente domínio tanto da dogmática processual penal como da penal, ao falar sobre o flagrante em crime permanente em que ele vem discorrendo mesmo que de forma sucinta as várias espécies de crimes, para poder se pronunciar a respeito do mesmo.

Ele versa minuciosamente sobre a audiência de custódia, que é um ato estritamente jurisdicional como um direito subjetivo do preso a uma audiência de garantia de restabelecimento de sua liberdade, tratando de todo o aspecto a ela pertinente. Mostra de forma fundamentada que sim, existe previsão legal da mesma e ela está no art.9, “3”, do Pacto internacional de Direito Civil e Políticos das Nações Unidas e art.7°, “5” da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e que ganhou caráter obrigatório e vinculante após as decisões do STF na Adin-5240 e ADPF-347, tendo assim eficácia em todo território brasileiro. Ademais, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) editou a resolução n° 213 e 214, conferindo assim densidade à normatividade internacional. Cabendo ressaltar, que o auto em flagrante tem que ser encaminhado em até 24 horas ao juiz.

No seu oitavo capítulo, ele vem se pronunciando sobre as medidas cautelares diversas à prisão, como sempre de forma precisa e com extremo domínio. Falando do surgimento das providências cautelares conhecidas como medidas que já remonta ao direito romano. Discorrendo sobre toda sua parte histórica, demonstrando a inexistência de um poder geral de cautela no processo penal, que é específico do processo civil, caracterizando um verdadeiro respeito às categorias próprias do processo penal, para que assim se possam evitar distorções interpretativas. Fala sobre os critérios para aplicação das medidas cautelares sempre enfatizando uma concepção constitucional, retorna aos princípios processuais penais constitucionais demonstrando muito bem a sistematização do ordenamento jurídico e analisa criticamente cada Espécie das Medidas Cautelares da (ou alternativas à) prisão. E também aborda a liberdade provisória que também é uma providência cautelar e cedendo espaço para falar de modo conciso sobre o habeas corpus.

Por fim, em seu último capítulo, ele discorre brilhantemente como lhe é inerente, da prisão temporária, que tem seu fundamento na lei 7.960/89. Falando sobre o seu procedimento, o direito do preso, a celeuma que há na doutrina entre inconstitucionalidade formal e material da lei em comento. Pontuando ainda, o princípio da presunção de inocência e da proporcionalidade frente à prisão temporária. Destacando que a prisão temporária é espécie de prisão provisória, ou seja, trata-se de verdadeira medida cautelar, sendo aquela que priva o indivíduo de sua liberdade de locomoção ainda na fase investigação criminal preliminar. Ainda nas palavras do autor, a aplicação da prisão temporária deve ser extremamente necessária (para não dizer banida), pois, quebra a regra que a liberdade é regra e prisão é a exceção, já que a prisão temporária possui os mesmos elementos da prisão preventiva, logo não há justificativa alguma para instituição de uma prisão temporária.

Desde já, deixo em aberto o convite para todos que tiverem a curiosidade e a coragem de ir além de um senso comum teórico e aprofundar-se nessa bela obra. Meu intento não foi discorrer profundamente sobre o livro, logo, se dúvidas patentear no decorrer da leitura, terei alcançado um singelo objetivo. Com toda certeza, vale muito a leitura!


Kelven de Castro Soeiro Santos. . Kelven de Castro Soeiro Santos é acadêmico do sétimo semestre de Direito da Universidade Cândido Mendes- RJ. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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