Por Pedro Roberto Donel - 25/03/2017
Em 1995 foi promulgada a Lei 9099 para julgar as causas de menor complexidade, assim entendida aquelas que não ultrapassassem os 40 salários mínimos, a funcionar na Justiça Estadual. Em 2001 veio a Lei 10259 que ampliou a experiência para a Justiça Federal e estabeleceu o limite de competência para conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos. Por fim, em 2009 a Lei 12153 criou o Juizado Especial da Fazenda Pública para permitir o mesmo procedimento em ações contra Estados e Municípios, também com o limite de até 60 salários mínimos.
As Leis dos Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública prevêem expressamente a aplicação subsidiária[1] da Lei do Juizado Especial Cível[2] de 1995. Apesar desta não fazer referência aquelas, até por uma questão lógica temporal, é evidente que as três leis se completam, formando o microssistema do Juizado Especial Federal.
Nos procedimentos sumaríssimos das referidas leis vigora o princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, ou seja, as decisões proferidas pelo juízo no decorrer dos processos não admitem nenhum tipo de recurso em separado, podendo ser questionadas por ocasião da interposição do recurso inominado contra a sentença terminativa[3] ou definitiva[4] ou nas contrarrazões, eis que não sofrem preclusão temporal. Tal princípio que também vigora na justiça do trabalho, cuja sentença desafia recurso ordinário. Já o sistema do CPC de 2015 permite recursos apenas contra as decisões interlocutórias arroladas nos incisos do art. 1.015 e para as demais interlocutórias adota o princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, como resta claro pela leitura do § 1º do artigo 1009 do CPC: “As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.”
Entretanto, as decisões que concedem ou negam as tutelas de urgências nos Juizados Especiais provocam lesões material ou processual às partes, como as tutelas antecipadas concedidas contra a Fazenda Pública para o fornecimento de remédios, internação e cirurgia, direitos indisponíveis do cidadão, ou a concessão de tutela cautelar para arresto de bens de particulares.
Importante salientar que a tutela provisória de urgência antecipada é satisfativa e a cautelar é uma tutela de segurança. Ao final, ambas serão substituídas pela tutela definitiva. Para sua concessão precisam estar presentes os requisitos cumulativos da fumaça do bom direito e do perigo da demora[5]. Vigora entre elas o princípio da fungibilidade prevista no artigo 305, § único, do CPC, que permite ao juiz conceder tutela cautelar mesmo que o autor tenha requerido equivocadamente tutela de natureza antecipatória e vice versa.
Não há dúvida tanto na doutrina como na jurisprudência da possibilidade do juiz conceder as tutelas de urgências no microssistema do juizado. A questão foi definitivamente resolvida com o advento da Lei 10.259/2001, que permitiu no seu artigo 4º ao juiz conceder “medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação”. A Lei 12.153/2009 foi mais longe e além da cautelar também previu, no artigo 3º, a possibilidade de antecipação dos efeitos da sentença de mérito: “O juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação.”
Como tais decisões provocam lesões materiais e processuais às partes, as vezes graves, o sistema expressamente possibilitou recurso contra a decisão que defere a antecipação destas tutelas, como se infere no artigo 5º da Lei 10.259/2001, e no artigo 4º da Lei 12.153/2009, que também se aplicam a Lei 9099/95, como já dito.
Vê-se, pois, que até 2001, quando surgiu no sistema a Lei dos Juizados Especiais Federais, não havia previsão expressa do cabimento das tutelas antecipada e cautelar, e tampouco autorização de recurso contra estas decisões interlocutórias, considerando a incidência do princípio da irrecorribilidade em separado[6]. Nem o Mandado de Segurança, que pode ser usado como sucedâneo recursal por expressa disposição de sua lei, interpretado a contrario sensu[7], é admitido pelo STF[8].
Aliás, este é o caminho trilhado pela jurisprudência, que se firmou no sentido do cabimento do “Recurso” também contra o indeferimento das medidas urgentes.
Ressalta-se que a Turma Recursal de Santa Catarina da Justiça Federal denominou este meio de impugnação de decisão judicial de “Recurso de Medida Cautelar” e sistematicamente tem deferido tutela de direito, em grau recursal, nos casos de fornecimento de remédios, internação e cirurgia, exigindo contracautela para que a parte apresente receitas médicas a cada seis meses para a manutenção do fornecimento, em caso de tratamento prolongado.[9]
Apesar da Lei 9099/95 dos Juizados Especiais Cíveis não ter a mesma previsão das leis dos Juizados Federais e da Fazenda Pública, é evidente que diante da existência do microssistema, no qual os três diplomas legais (Juizado Especial Cível, Juizado Especial Federal e Juizado Especial da Fazenda Pública) comunicam-se, os “recurso de medida cautelar” e “recurso de tutela antecipada” podem e devem ser admitidos pelas Turmas ou Colégios Recursais Estaduais no deferimento ou indeferimento das tutelas de urgência cautelar e antecipatória, respectivamente.
Notas e Referências:
[1] Lei 10.259/2001, art. 1º, e Lei 12.153/2009, art. 27.
[2] 9099/95.
[3] CPC, 485.
[4] CPC, 487.
[5] CPC, art. 300.
[6] Em separado porque elas são recorríveis após a sentença.
[7] Lei 12.016/2009, art. 5º, II.
[8] “A Lei n. 9099/95 está voltada à promoção da celeridade no processamento e julgamento de acusas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inarredável. ...Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do CPC, sob a forma do agravo de instrumento ou o uso do instituto do mandado de segurança.” (STF, Informativo 547, Plenário, RE 576.847.
[9] Recurso de Medida Cautelar nº 5025386-38.2014.404.7200/SC.
. . Pedro Roberto Donel é advogado, conselheiro estadual da OAB/SC, professor de processo civil, especialista em processo civil e mestrando em ciências jurídicas. . .
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