Rápido (anti - )manual de como não se aplica(r) a Lei (Estatuto da OAB) e outros “jeitinhos” interessantes e pouco jurídicos: “Aspectos destacados” do curioso caso de Benjamin Button aplicável à Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina

30/08/2017

Por Luiz Fernando Ozawa – 30/08/2017

PRÓLOGO

Estamos na década de 80 do século passado, exatamente em 1988, quando em outubro daquele ano foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, estabelecendo que o “advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”

No mesmo texto constitucional, em sua redação original (até 2014) previa: “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV)”. Apenas para não deixar de citar garantia fundamental, cláusula pétrea: “LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”.

Estamos em 1989, e a Constituição do Estado de Santa Catarina é promulgada com o seguinte verbete: “Art. 104. A Defensoria Pública será exercida pela Defensoria Dativa e Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da Lei Complementar”.

Estamos em 1992, e o Deputado Ulysses Guimarães (que dispensa apresentações), apresenta em junho daquele ano o projeto de Lei nº 2938, que dispõe sobre o Estatuto da OAB, cuja Relatoria original ficou a cargo do Deputado Nelson Jobim, quem veio a presidir o Supremo Tribunal Federal anos depois.

Naquele histórico documento, ficou proposto o Capítulo VI, “Dos Honorários Advocatícios”, que em seu artigo 23 e, em especial, seu parágrafo primeiro, versava na íntegra:

Art. 23. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento e aos de sucumbência. 

§ 1º. O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de ausência ou deficiência de Defensoria Pública no local da prestação do serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Estadual da OAB, e pagos pelo Estado.

Estamos em 1994, e em maio, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aprova por unanimidade a redação final, que é aprovada em Plenário e, após encaminhamento à sanção em 04/07/1994 é publicada a Lei Ordinária Federal nº 8.906/1994, alcunhada de Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil”, que, passou a conter a seguinte redação do dispositivo alterado no Projeto:

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. 

§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.

Portanto, do que fora proposto originalmente por Ulysses, Jobim acabou por adicionar o verbete “judicial” no que tange a “arbitramento” e, amenizou o termo “ausência ou deficiência” por “impossibilidade” de atendimento da Defensoria Pública.

Estamos em 1997, e a Assembleia Legislativa do Estado aprova em 15/04/1997 a Lei Complementar nº 155/1997 que dispunha a respeito da regularização do artigo 104 da Constituição Estadual, ou seja, a forma de credenciamento, distribuição e remuneração da “Defensoria Dativa e Assistência Judiciária Gratuita”.

Merece destaque especialmente negativo, o “Anexo Único” que institui a famigerada URH - “Unidade Referencial de Honorários”, uma subespécie de cotação paralela (aos moldes da antiga URV) e uma Tabela que, obviamente, não era a “organizada pelo Conselho Seccional da OAB”, e, mais óbvio ainda, tinha valores aquém do piso da então Tabela da OAB/SC vigente na época.

Estamos em 2012, e o Supremo Tribunal Federal se reúne em sessão plenária para julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4270 (em conjunto com a 3892), e por unanimidade declara a inconstitucionalidade do artigo 104 da Constituição Estadual e da Lei Complementar 155/1997, e por maioria, dá eficácia diferida por 12 (doze) meses. Eis a Ementa:

EMENTA: Art. 104 da constituição do Estado de Santa Catarina. Lei complementar estadual 155/1997. Convênio com a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC) para prestação de serviço de “defensoria pública dativa”. Inexistência, no Estado de Santa Catarina, de órgão estatal destinado à orientação jurídica e à defesa dos necessitados. Situação institucional que configura severo ataque à dignidade do ser humano. Violação do inc. LXXIV do art. 5º e do art. 134, caput, da redação originária da Constituição de 1988. Ações diretas julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade do art. 104 da constituição do Estado de Santa Catarina e da lei complementar estadual 155/1997 e admitir a continuidade dos serviços atualmente prestados pelo Estado de Santa Catarina mediante convênio com a OAB/SC pelo prazo máximo de 1 (um) ano da data do julgamento da presente ação, ao fim do qual deverá estar em funcionamento órgão estadual de defensoria pública estruturado de acordo com a Constituição de 1988 e em estrita observância à legislação complementar nacional (LC 80/1994).

Destaque para a fala do Decano: “É preciso dizer claramente: o Estado de Santa Catarina tem sido infiel ao mandamento constitucional dos artigos 134 e 5º, inciso 74, e essa infidelidade tem de ser suprimida por essa Corte”. [...] “É uma questão nacional que interessa a todos, a não ser que não se queira construir a igualdade e edificar uma sociedade justa, fraterna e solidária”[1]

Destaque especialmente negativo para o papel da OAB/SC na ocasião, que em que pese tenha se habilitado como amicus curiae, não usou a tribuna para defender o seu posicionamento, que, na época, era de manutenção do sistema inconstitucional, talvez antevendo a acachapante derrota unânime de tal tese pelo Plenário.

Estamos em 2012, e em julho, é aprovada a Emenda Constitucional Estadual nº 62, que altera o artigo 104 da Constituição de SC, que substitui o Sistema (Defensoria Dativa) declarado inconstitucional pela Defensoria Pública do Estado.

Estamos em 2012, e em agosto, é publicada a Lei Complementar Estadual (SC) nº 575 que cria e implementa a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

Estamos em 2013, e especificamente em 14/03/2013, encerra-se a modulação temporal da Decisão unânime do Plenário do STF que julgou inconstitucional o Sistema de Defensoria Pública e Assistência Judiciária Gratuita, previsto no artigo 134 da Constituição Estadual de SC e a Lei Complementar 155/1997, ambas inconstitucionais.

Estamos em 2013, e a Seccional da OAB/SC publica Nota de Esclarecimento da lavra do então Presidente, que diz:

O prazo concedido pelo Supremo Tribunal Federal exauriu-se e, embora já tenha sido sancionada lei criando a Defensoria Pública Estadual em SC, até o momento a estrutura física e de pessoal da mesma não foi totalmente implantada.

[...]

  1. A partir de hoje, 15 de Março de 2013, o modelo de Defensoria Dativa, regulado pela Lei 155/1997, está oficialmente declarado inconstitucional, bem como toda a sistemática de nomeação ou indicação de advogados até então vigente.
  2. A OAB/SC não tem qualquer instrumento jurídico que lhe permita receber recursos financeiros do Estado e repassar aos advogados, relativos a processos que tenham se originado de indicações e nomeações ocorridas a partir de 15/03/2013.
  3. Em função disso, a OAB/SC está gestionando junto ao TJSC a suspensão das funções de nomeações e indicações de advogados para novos processos, por falta de amparo legal.
  4. Julgamos oportuno advertir aos colegas para que reflitam sobre a aceitação de novas indicações e/ou nomeações a partir de 15/03/2013, à vista da inexistência de qualquer instrumento legal em vigor que ampare a intervenção da OAB/SC no pagamento dos honorários fixados futuramente.

Estamos em 2014, e a Emenda Constitucional nº80, amplia a redação do artigo 134 da Constituição Federal de 1988:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

Estamos em 2017, e em julho, a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Santa Catarina começa mais uma campanha em massa nas mídias de valorização da advocacia, com a defesa de prerrogativas e etc.

Estamos em 2017, e no começo de agosto, o Defensor Público Geral do Estado de Santa Catarina, precipitadamente (antes que a OAB/SC sequer pautasse tal tema), faz circular pelos meios e rodas de discussão de juristas, proposta de remuneração de advogados para funcionar como substituto de Defensores, em Tabela própria por si desenhada, fora do âmbito da OAB/SC. É convocado e usa a Tribuna da OAB/SC para reiterar suas posições, sendo “alvejado” por vários Conselheiros.

Estamos em 2017, e no fim de agosto, e o 25º Colégio de Presidentes da Jovem Advocacia de Santa Catarina aprova por “unanimidade” (destaque para a unanimidade) a Carta do encontro com o seguinte item:

  1. Os Presidentes de Comissões da OAB Jovem das Subseções, assim como da Comissão Estadual da OAB/SC, por unanimidade, votaram no sentido de sugerir a implantação de uma tabela suplementar de honorários pelo Conselho Seccional, exclusivamente para fins de remuneração dos serviços advocatícios prestados à população carente através de Credenciamento junto à Defensoria Pública, levando em conta a inviabilidade de o Poder Público implementar o Credenciamento mediante pagamento dos valores previstos na atual Tabela de Honorários da OAB/SC dirigida à advocacia privada"

Eis o necessário prólogo, uma espécie de síntese histórica.

1. BREVES CONTEXTOS (ESTADO DA ARTE)

1.1 Sobre quem-o-quê

Nestes tristes tempos em que o hospedeiro vira vítima por suas ideias (e provavelmente o inverso também é verdadeiro), ou seja, em que os debates se personificam e as ideias ficam de lado, antes que ressurja a pergunta (comum, sacana e nada importante) de quem é (sou), digo rapidamente que fui co-Relator da re-Definição da Tabela de Honorários da OAB/SC (Resolução 10/2014).

Temos uma estrutura do nosso modo de ser no mundo, que é a interpretação. Por isso, podemos dizer que “estamos condenados a interpretar”. O horizonte do sentido nos é dado pela compreensão que temos de algo. Compreender é um existencial, que é uma categoria pela qual o homem se constitui. A faticidade, a possibilidade e a compreensão são alguns desses existenciais. É no nosso modo da compreensão enquanto ser no mundo que exsurgirá a “norma” (sentido do texto) produto da “síntese hermenêutica”, que se dá a partir da faticidade e historicidade do intérprete.[2]

Assim, antes que questionem o hospedeiro (eu) e não suas (minhas) ideias, digo que a Constituição da República é clara ao assentar “assistência jurídica integral” fornecida pelo Estado (ainda que soe estranho aos ouvidos neoliberais), que sou militante dos Direitos Humanos e que estive e estarei conveniado porque enxergo o contexto social em que vivemos, e a tragédia social histórica brasileira e entendo que tal atendimento é função social, mesmo sob o risco intermitente de “dependência” do Estado à tal “muleta”.

Peço vênia apenas para registrar que tal tema (Tabela, aviltamento, convênio, remuneração e etc.) é muito sensível, porque penso estar estritamente vinculada à desvalorização da advocacia. Não há valorização sem valor, e aqui não é só valor humanístico, valor de sobrevivência, ante o evidente caráter alimentar da verba honorífica do advogado que, via de regra, não vive de salário.

É por isso que ainda no ano de 2010 (era parte da Jovem Advocacia, ainda), redigi um extenso Relatório na 15ª. Subseção da OAB/SC criticando a discricionariedade das nomeações fora do Sistema randômico de seleção que o “SAJ” (Sistema de Automação Judiciária) dispunha na época. Apenas alguns rápidos trechos daquele Relatório:

A não utilização do sistema da Assistência Judiciária, através da internet ou intranet via site do Tribunal de Justiça, inevitavelmente, gera favorecimento indevido, pois, há automática preterição pela ordem estabelecida pelo sorteio automático do Sistema. 

[...] 

É nítido que a maioria dos atos judiciais que nomeiam defensor estão desacompanhados da prova do sorteio via Sistema TJ/SC-OAB/SC. 

Ou seja, a priori, o survey indica que hegemonicamente as nomeações são indevidas ou, ao menos, contrárias ao Sistema TJ/SC-OAB/SC. 

Em 2013, ainda no primeiro mandato como Conselheiro Estadual da OAB/SC fiz dura manifestação no Pleno do Conselho a respeito da então (pré) proposta de reativação da Defensoria Dativa, por ocasião do histórico pagamento da dívida do Governo para com a advocacia. Cito trecho em que ainda parece bem atual:

Mesmo cientes das experiências de outros estados, o vocábulo legal “segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB” é tão claro ao mencionar “uma” Tabela quanto “um” Conselho. É dizer, não há duas tabelas como não há dois conselhos. 

Isso porque todos têm a desilusão exata de que a tardia Defensoria Pública, como um eco retardado em mais de 20 anos em comparação a outras unidades da federação, em menos de uma década não se tornará uma realidade na sociedade catarinense. 

Sr. Presidente, é preocupante a situação porque tenho consciência de que uma gama razoável de advogados catarinenses irão, tão logo se estabeleça algum convênio, habilitar-se para o múnus público ad-hoc, por variadas razões, mas que importam em remuneração digna e sistema republicano de distribuição. 

Não se pode perder a exata dimensão de que qualquer convênio entre a Defensoria Pública e a advocacia catarinense é de caráter precário, transitório, auxiliar e extraordinário. 

É exatamente em razão disso que o Governo do Estado não pode utilizar a advocacia catarinense como verdadeira muleta de seu trôpego atendimento à população mais abaixo daquilo que chamamos de pirâmide social, garantido pela Constituição Federal. É dizer, se apoiamos a Constituição Federal como norma maior, apoiamos a Defensoria Pública como realidade. Perdoe-se o silogismo. 

Não há convênio que a OAB/SC possa firmar com a novel Defensoria Pública catarinense senão por prazo determinado. E esse prazo, quanto mais curto, maior é a homenagem que a advocacia catarinense faz àqueles ávidos colegas que concursados defendem os mais necessitados deste Estado. Isso porque a OAB/SC não pode fomentar o atraso para a concretização da Defensoria Pública. Pelo contrário. Queremos o texto constitucional, ainda que tardio, uma realidade. 

E não se pode admitir, algo que já nos marcou a recente história da OAB/SC. Estaríamos diante de uma armadilha histórica para ciclicamente incorrermos no mesmo erro de ainda ontem? Estaríamos sob uma roupagem constitucional novamente desmerecendo a sociedade, e agora o próprio órgão recém criado?

Em 2014, ainda na gestão passada, apresentei voto “divergente” à proposta de Tabela de Honorários da OAB/SC, que acabou sendo incorporado ao Voto do Conselheiro Relator original. Após discussão, foi aprovada por unanimidade do Pleno da OAB/SC a Resolução nº 10/2014, cito alguns dispositivos daquela Norma[3] da OAB/SC – ainda vigente (trecho de minha redação):

CONSIDERANDO QUE o fiel cumprimento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 com a tardia instalação da Defensoria Pública no Estado de Santa Catarina, leva à aplicação do princípio da legalidade e observância do §1º do artigo 22 da Lei Ordinária Federal nº 8.906/94 pelas autoridades judicantes;

[...]

Art. 16. Esta resolução servirá de referência para arbitramento de honorários aos advogados que aceitarem a delegação do múnus público de substituir a Defensoria Pública, onde não a houver, contratação de serviços jurídicos pela administração pública, ou mesmo funcionar na Curadoria Especial em processos judiciais ou extrajudiciais.

Em 2015, a Jovem Advocacia tentou, sem êxito – em razão de resistência que me filiei entre Conselheiros da OAB/SC – introduzir uma “segunda” tabela aplicável apenas aos advogados com menos de 5 (cinco) anos de inscrição, ou seja, valores abaixo do standard. Ficou emendada a Tabela da OAB/SC (Resolução 10/2014) com valores para advocacia de apoio (itens até então não existentes), tão somente, e no meu Voto Vista (que foi seguido pela maioria) assim assentei:

Inicialmente, pois, tem razão o I. Relator ao apontar a desnecessidade de uma Tabela “própria” de diligências. A Tabela de Honorários Advocatícios de Santa Catarina é uma, e assim deve ser. A atual redação vigente é a da Resolução 10/2014 que coube, justamente a relatoria original do Dr. Eduardo e as contribuições após o voto vista de minha autoria.

[...]

Outro aspecto importante, é que não se trata de uma tabela temática de público específico. A Advocacia de apoio é realidade perene entre jovens e não-jovens advogados. Apenas por uma questão de contexto é que grande parte dos serviços intra-advocacia é que são realizados por jovens advogados, com até 5 anos de inscrição, importante fonte de renda, evidentemente. 

Mesmo assim, é bom que se advirta sobre a exploração dos jovens advogados por advogados nem tão jovens assim. Como dito, é necessário que se tenha respeito e dignidade com a profissão, tanto na relação cliente-advogado como, e talvez principalmente, na relação advogado-advogado. 

Em outras palavras, é necessário o fim do aviltamento de honorários e audiências realizadas por valores (sur)reais abaixo da linha da dignidade. 

Eis o grande problema: o jovem advogado, diante do ingresso em nova carreira profissional, ante todas as dificuldades de praxe, pode vir a ser suscetível de realizar serviços cujo valor honorífico pode estar bem abaixo da dignidade profissional e até humana. 

A presente proposta, portanto, deve ser respeitada por clientes, jovens e não-jovens advogados, grandes e pequenos escritórios, etc. É para todos e por todos.

Em 2017 fiz dura manifestação de mais de 20 minutos, em contraposição ao que foi dito da Tribuna do Conselho Seccional da OAB/SC (por iguais 20 minutos), pelo atual Defensor Público Geral do Estado de Santa Catarina (vídeo na íntegra disponível nas redes[4]).

Portanto, trata-se de um tema particularmente sensível. Assim, espero superada a personificação do “quem” (o famoso “quem é ele para...”), pelo qual, passemos para o “quê” do presente texto.

1.2. Sobre o não-o-quê

O título do texto é bastante claro ao definir que se trata de um (anti-) Manual de como burlar a Lei (Estatuto da OAB). É constrangedor, porque o tema o é. Ou melhor, a forma como o tema é tratado é constrangedor, e, portanto, tratemos de constranger epistemologicamente quem assim o quer constranger. No pacote vão os famosos “aspectos destacados” porque, afinal, são tantos aspectos que se destacam nos dias de hoje (notadamente pela dogmática jurídica) que mal dá para separar o ordinário do extraordinário, faltam, pois, “aspectos”, portanto, é uma retórica jocosa, admite-se.

Mas é preciso dizer o que este texto não é. Ele não é algo contra o convênio que a Defensoria Pública do Estado de SC suplica que a Advocacia “privada” (vou evitar esse dilema neológico, pois Advocacia é uma só, e a Defensoria é sub-espécie dela, bastando leitura da Constituição da República para entender isso) aceite e assine, e muito menos contra a própria Defensoria mais que essencial, aliás, garantia fundamental, Direito Humano, cláusula pétrea, reitera-se.

Portanto, também em uma espécie de “habeas lux” preventivo, digo que o presente texto joga luzes (ideias e questionamentos) especificamente sobre a remuneração do advogado que se quer credenciar e remunerar. Ou seja, trata-se de um questionamento legal. É o Dilema-da-Luna[5]: “Eu quero saber”... como pretenderão burlar a Lei Federal?

O homem possui a capacidade de construir linguagens com as quais se pode exprimir todo sentido, sem fazer ideia de como e do que cada palavra significa como também falamos sem saber como se produzem os sons particulares. A linguagem corrente é parte do organismo humano, e não menos complicada que ele. É humanamente impossível extrair dela, de modo imediato, a lógica da linguagem. A linguagem é um traje que disfarça o pensamento. [...] A maioria das proposições e questões que se formularam sobre temas filosóficos não são falsas, mas contrassensos. Por isso, não podemos de modo algum responder a questões dessa espécie, mas apenas estabelecer seu caráter de contrassenso. A maioria das questões e proposições dos filósofos provém de não entendermos a lógica de nossa linguagem.[6]

E, finalmente, não é um texto ilusório, no sentido que há uma desilusão previamente assentada de que este posicionamento provavelmente ficará apenas registrado, mais uma vez, como voto declarado e vencido (não seria a primeira vez no Conselho Estadual, nesta e na gestão anterior, mas sigo o fazendo como dever de obrigação para com a minha função de Conselheiro), pois, sinto que muito embora haja relutância e resistência por boa parte da base da advocacia catarinense, da forma como se coloca o debate (com a própria nítida ausência dele), o Governo do Estado e a Defensoria Pública do Estado de SC (e seu orçamento) “vencerão”, e a advocacia catarinense se curvará, dobrando-se em detrimento ao seu próprio Estatuto, para tangenciar a sua norma.

Portanto, eis o que o texto não é. 

1.3. Das premissas: inegáveis crises

Este texto é uma espécie de réplica à súplica do Defensor Público Geral de Santa Catarina, como dito – e obviamente direcionado à comunidade da advocacia. E de certa forma é uma crítica a todos aqueles que pretendem, sob os mais “fofos” argumentos cabíveis (e incabíveis), tergiversar sobre a norma (Estatuto da OAB) em que, ao menos eu, juramentei por 4 (quatro) ocasiões distintas, em sessões solenes e públicas, respeitar, cumprir e fazer cumprir: 1) formatura; 2) entrega da identidade profissional; 3) 1ª. posse como Conselheiro Estadual; 4) 2ª. posse como Conselheiro Estadual. Não é agora que romperei com meus juramentos. E muito menos para “agradar” quem o fará.

O Defensor Público Geral de Santa Catarina usou a Tribuna da Casa da Advocacia, perante o Conselho Pleno da OAB/SC, apenas e tão somente por 3 (três) crises:

Crise 01: Permanece a tragédia social brasileira que afeta a alcunhada “Suíça” brasileira (estado de Santa Catarina), que passa pela diminuição do já estado mínimo – e suas obrigações em prestar garantias fundamentais (direitos humanos, cláusula pétrea).

Crise 02: Há em curso uma grave crise da advocacia que perpassa pelo aviltamento de honorários, pelo quantitativo de oferta de serviço, e uma multidão de jovens advogados. Em um ambiente de “empoderamento”, ou seja, em que todos os profissionais não estivessem vivenciando suas próprias crises, tal proposta de diminuição (para não se usar “aviltamento”) de honorários nem seria sequer debatida e seria rechaçada com estilo.

Crise 03: A Defensoria Pública não é uma realidade perene no Estado de Santa Catarina. Passados mais de quatro anos e meio, somando-se ainda um ano da eficácia diferida (modulação temporal da declaração de inconstitucionalidade), o Governo do Estado não tornou a Defensoria Púbica uma realidade! Eis o porquê da súplica do Defensor Geral do Estado de SC na e para a OAB/SC.

Convenhamos que, se o Governo do Estado de SC tivesse “ganho” (como modulação temporal) do Supremo Tribunal Federal, os mesmos 25 (vinte e cinco) anos que demorou para efetivar a Defensoria Pública Estadual, e não apenas 1 (um) ano, mesmo assim, provavelmente estaria eu em 2037 escrevendo texto parecido com este, já que o Governo do Estado não parece querer cumprir a Constituição da República Federativa do Brasil.

São os porquês deste debate residual, da existência dos questionamentos que ora se colocam neste texto, e consequentemente, a ele servirão de premissas.  

2. SOBRE O RÁPIDO (ANTI-) MANUAL 

2.1. Entre o “fofo” e o jurídico

Antes de qualquer linha a mais, eu preciso dizer que me filio à corrente (e ensinamentos)[7] do Prof. Lenio Luiz Streck (caso isso ainda não tenha ficado claro) no sentido de que nestes tempos de baixa constitucionalidade, fruto da modernidade tardia vivenciada pelo Brasil, e diante da “inovação” do intérprete, tornamos de certa forma conservadores, e a defesa do texto da Lei passou de certa forma à pauta “revolucionária” (quem diria!).

E, por favor, que não se venha com a velha história de que “cumprir a letra 'fria' (sic) da lei” é assumir uma postura positivista...! Aliás, o que seria essa “letra fria da lei”? Haveria um sentido em-si-mesmo da lei? Na verdade, confundem-se conceitos. As diversas formas de positivismo não podem ser colocadas no mesmo patamar e tampouco podemos confundir uma delas (ou as duas mais conhecidas) com a sua superação pelo e no interior do paradigma da linguagem. Tentarei explicar isso melhor: positivismo exegético (que era a forma do positivismo primitivo) separava direito e moral, além de confundir texto e norma, lei e direito, ou seja, tratava-se da velha crença – ainda muito presente no imaginário dos juristas – em torno da proibição de interpretar, corolário da vetusta separação entre fato e direito, algo que nos remete ao período pós-revolução francesa e todas as conseqüências políticas que dali se seguiram. Depois veio o positivismo normativista, seguido das mais variadas formas e fórmulas que – identificando (arbitrariamente) a impossibilidade de um “fechamento semântico” do direito – relegou o problema da interpretação jurídica a uma “questão menor” (lembremos, aqui, de Kelsen). Atente-se: nessa nova formulação do positivismo, o problema do direito não está(va) no modo como os juízes decidem, mas, simplesmente, nas condições lógicodeônticas de validade das “normas jurídicas”.[8]

Aliás, além de sua vasta bibliografia, e dos tantos eventos em que fui seu aluno, utilizo como base teórica dois fantásticos textos de Lenio, que de certa forma, se complementam: o primeiro foi publicado em 2008 e levou o título “Hermenêutica E Possibilidades Críticas Do Direito: Ensaio Sobre A Cegueira Positivista”[9]; o outro, publicado em 2010, intitulado “Aplicar a ‘Letra da Lei’ É Uma Atitude Positivista?”[10]. Aliás, recomendo leitura para quem quer ser iniciado nos ensinamentos do Professor Lenio.

Há fatores exógenos do Direito, como a doutrina bem aponta, como a política, a economia e a moral. Não raramente são tais fatores que baseiam argumentos e fundamentos que “driblam” a aplicação das fontes do direito. São tais fatores, que não raramente, servem de pretexto para a filosofia da consciência, ou seja, que culminam no famigerado “decido conforme a minha consciência” (seja lá o que isso signifique).

Nesta quadra do tempo, na era das Constituições compromissórias e sociais, enfim, em pleno pós-positivismo, uma hermenêutica jurídica capaz de intermediar a tensão inexorável entre o texto e o sentido do texto não pode continuar a ser entendida como uma teoria ornamental do direito, que sirva tão somente para colocar “capas de sentido” aos textos jurídicos.[11]

E há uma evidente crise da linguagem, que em verdade é fruto da maior crise do país neste início de Século XXI, que é o déficit de interpretação: não se consegue interpretar um frasco de xampu, e esse mesmo especialista-tudista (que em verdade é um analfabeto funcional, outra vítima da tragédia social brasileira) é aquele que emite opinião sobre tudo e todos, multiplicado pela praga das redes sociais.

Nesta crise, as palavras passam a perder o sentido social e histórico[12]. Quer dizer, nesta quadra histórica, a linguagem passa a iniciar o processo de perda da função social de comunicação, pois a cada interlocutor ela tem um sentido próprio, ou seja, as neologias inundam o cenário brasileiro e a Ciência Jurídica não está imune a esta tragédia.

Com efeito, em um universo que calca o conhecimento em um fundamento último e no qual a “epistemologia” é confundida com o próprio conhecimento (problemática presente nas diversas teorias do discurso e nas perspectivas analíticas em geral), não é difícil constatar que a hermenêutica jurídica dominante no imaginário dos operadores do direito no Brasil (perceptível a partir do ensino jurídico, da doutrina e das práticas dos tribunais) continua sendo entendida como um (mero) saber “operacional”. Domina, no âmbito do campo jurídico, o modelo assentado na idéia de que “o processo/procedimento interpretativo” possibilita que o sujeito (a partir da certeza-de-si-do-pensamento-pensante, enfim, da subjetividade instauradora do mundo) alcance o sentido que mais lhe convém, o “o real sentido da regra jurídica”, etc.[13]

Nestes tempos sombrios, em que a Constituição é rebaixada a mera peça formal, uma carta de princípios políticos e um plano de futuro, a Lei passa a ser a próxima da pirâmide a sofrer o processo de des-normatização. Tudo pode, mediante um “fofo” argumento, neste que é o país-dos-jeitinhos, do “veja bem” (sic).

É nesse sentido que proponho a resistência através da hermenêutica, apostando na Constituição (direito produzido democraticamente) como instância da autonomia do direito para limitar a transformação das relações jurídico-institucionais em um constante estado de exceção. Disso tudo é possível dizer que, tanto o velho discricionarismo positivista, quanto o pragmatismo fundado no declínio do direito, têm algo em comum: o déficit democrático. Isto porque, se a grande conquista do século XX foi o alcance de um direito transformador das relações sociais, será (é?) um retrocesso reforçar/acentuar formas de exercício de poder fundados na possibilidade de atribuição de sentidos de forma discricionária, que leva, inexoravelmente, a arbitrariedades, soçobrando, com isso, a própria Constituição. Ou seja, se a autonomia do direito aposta na determinabilidade dos sentidos como uma das condições para a garantia da própria democracia e de seu futuro, as posturas axiologistas e pragmatistas – assim como os diversos positivismos stricto sensu – apostam na indeterminabilidade. E por tais caminhos e condicionantes que passa a tese da resposta correta em direito.[14]

Neste texto chamaremos tais argumentos de “fofos”, pois, inexoravelmente são aditivados com cargas subjetivas muito interessantes (mas pouco convincentes). Fofos porque podem até fazer algum sentido moral, político, econômico e etc., mas o direito precisa ser levado mais a sério, por si mesmo. Sem argumento jurídico, a Ciência Jurídica padece perante seus “invasores”.

Muito nos causa, pois, nós advogados (com ou sem mandato na OAB) não raramente nos indagamos se não estamos agindo de forma exatamente igual a tudo aquilo que criticamos dos demais poderes, a exemplo de nossas decisões e, em especial, nossos fundamentos. Reclamamos tanto que juízes não aplicam a Lei, tangenciam suas decisões por outras veredas que não a norma, e volta e meia, nos deparamos com o paradoxo de agirmos de forma muito parecida. Freud talvez explique, o maltratado-maltratará, mas é preciso racionalidade.

É dizer, nestes tempos, como diz o Prof. Lenio, defender a Lei passou a ser algo extraordinário, revolucionário até. E acrescento, se eu mesmo lesse este texto nos bancos universitários, me adjetivaria imediatamente como “conservador”, pois, que tristes tempos estes de tamanho regresso que até nós, os “progressistas”, precisamos dar passos atrás e defender a Lei.

Portanto, não devemos confundir “alhos” com “bugalhos”. Obedecer “à risca o texto da lei” democraticamente construído (já superada a questão da distinção entre direito e moral) não tem nada a ver com a “exegese” à moda antiga (positivismo primitivo).

Repito: “cumprir a letra [sic] da lei” significa sim, nos marcos de um regime democrático como o nosso, um avanço considerável.[15]

Pois bem, de tudo que ouvi e li até agora, é preciso enaltecer a capacidade cognitiva do intérprete brasileiro, catarinense, advogado. Não consegui me convencer – e sempre estou aberto ao convencimento – sobre como é que vão desdizer o que está escrito no §1º do artigo 22 da Lei Ordinária Federal 8906/1994, não por acaso, o Estatuto da OAB.

2.2. Dos duplos saltos carpados de costas hermenêuticos e os obstáculos que devem saltar os hermeneutas-acrobatas

Não é à toa que um dos maiores “prêmios” que se concede aos juristas brasileiros é chamado de “Innovare” – com o apoio da Globo, claro – pois o intérprete tupiniquim tem esse diferencial: a capacidade cognitiva, ligada à invencionice, este remelexo-balacobaco-ziriguidum que é capaz de dar sobressaltos ao texto da Lei, que prefere a força normativa de uma portaria, um anexo, uma resolução, preterindo Lei Federal ou a sua Constituição da República. É a tal criatividade, que “não desiste nunca”.

Afinal, o direito é um fenômeno bem mais complexo do que se pensa; o direito não é uma mera racionalidade instrumental. Isso implica reconhecer que fazer filosofia no direito não é apenas pensar em levar para esse campo a analítica da linguagem ou que os grandes problemas do direito estejam na mera interpretação dos textos jurídicos.[16]

Nós temos este “capital” e não podemos negar (abstraindo o axioma se certo ou errado). Não se sabe bem ao certo quem nasceu primeiro, se a quantidade de leis, ou a capacidade de burla-las. Mas há um grau de parentesco muito íntimo, e não é “apenas” socioafetivo, é jus sanguinis, é jus solis, pois não.

As palavras precisam ser enaltecidas. O sentido das coisas não pode ficar à mercê do intérprete, livre e individualmente, pois do contrário, cairemos mais uma vez na “consciência” e sua filosofia. Se cada um der sentido próprio às palavras, o caos será inevitável. As coisas precisam voltar a ser nominadas como o são, ou seja, cada sentido já estabelecido precisa gozar de certo respeito histórico. A epistemologia não é um "Menu de Combos”, destes fast-foods que se possa escolher qual sentido dar às palavras.

A impossibilidade dessa cisão – tão bem denunciada por Gadamer – implica a impossibilidade de o intérprete “retirar” do texto “algo que o texto possui-em-si-mesmo”, numa espécie de Auslegung, como se fosse possível reproduzir sentidos; ao contrário, para Gadamer, fundado na hermenêutica filosófica, o intérprete sempre atribui sentido (Sinngebung).[17]

Iniciemos com a Constituição da República, que traz como garantia fundamental, cláusula pétrea, direito humano e fundamental: o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Grifei “o Estado prestará” pois toda vez que a Constituição menciona o Estado está se referindo à União. Portanto, não é a OAB quem prestará, nem a Advocacia, e sim, o Estado, e, evidentemente, é a Defensoria Pública a ferramenta constitucional para tal garantia.

Depois, o Estatuto da OAB, no §1º do artigo 22: “O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado”.

Aqui os grifos precisam de atenção especial (eis os “aspectos destacados” talvez):

a) “No caso de impossibilidade da Defensoria Pública”: em Santa Catarina, a redação do Deputado Ulysses Guimarães de 1992 talvez fosse mais precisa, pois é “caso de ausência ou deficiência de Defensoria Pública”. Mas indubitavelmente, o legislador de 1992-1994 quis claramente dispor sobre a advocacia suprir demanda da Defensoria. OU seja, não há que se falar de não ser a hipótese.

b) “Tem direito aos honorários fixados pelo juiz (...) e pagos pelo Estado”: bueno, trata-se de um DIREITO (!) da advocacia, e o Estado de Santa Catarina, portanto, diante de sua omissão, pagará por ordem judicial e não há margem para discricionariedade judicial para arbitramento, é fixação conforme.

c) “Segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB”: a referência para o pagamento é uma só: Tabela da OAB/SC. Uma Tabela, um Conselho Seccional da OAB. Não há espaço para outra Tabela, ou outro Conselho. Não é por Lei, nem por convênio, contrato, anexo, nem por portaria ou algo assim, é matéria interna corporis da OAB/SC de competência exclusiva e privativa de seu Conselho Seccional (inciso V do art. 58 do Estatuto da OAB).

Por último, para aquele arquétipo de intérprete que mesmo no Século XXI ainda não se convence com a Constituição da República e com a Lei Federal, e valora (no sentido de axioma mesmo) “Portarias”, ainda resta a Resolução 10/2014, cuja redação da atual Tabela da OAB/SC 2016, aprovada por unanimidade, repete na íntegra, em especial, o artigo 16:

Art. 16. Esta Resolução servirá de referência para arbitramento de honorários aos advogados que aceitarem a delegação do múnus público de substituir a Defensoria Pública, onde não a houver, contratação de serviços jurídicos pela admininstração pública, ou mesmo funcionar na Curadoria Especial em processos judiciais ou extrajudiciais.

É neste momento que se encaixaria a célebre frase “I rest my case you honor”.[18]

Portanto, não há espaço para maledicências, jeitinhos, interpretações, ilações, katchangas[19]. É Lei Federal, e tanto faz se o intérprete “gosta” ou “odeia” o texto, fato é que no sistema democrático, há que se respeitar o texto normativo previsto explicitamente em Lei. A Lei democraticamente concebida, é a pior coisa que vivenciamos fora todas as outras[20]. Onde a Advocacia Catarinense suprir a demanda da Defensoria Pública do Estado de SC, o Juiz ordenará que o Estado de SC pague ao profissional o valor da Tabela da OAB/SC. Bingo. Não é preciso nem ter segundo grau completo para tal interpretação.

Mas o “innovare” permeia entre nós. É uma espécie de fantasma, um “id” freudiano que atormenta o intérprete do tipo: “deixa comigo que eu vou dar um jeito da gente sair dessa” (sic). Há um obstáculo legal à intenção do agente, o que ele faz? Innovare!

E aí vem o rol:

a) A Tabela da OAB é só referencial:

Este argumento é fantástico, porque depõe contra a ideia de seu hospedeiro.

A Consulta ao Órgão Especial do Conselho Federal que recebeu o nº 200/97, recebeu a Ementa nº 001/98, no seguinte sentido (grifei):

TABELA DE HONORÁRIOS. MÍNIMO. NÃO-OBRIGATORIEDADE. As tabelas de honorários advocatícios, estabelecidas pelas Seccionais em obediência ao Estatuto e seu respectivo regulamento, são simples referenciais nas relações entre cliente e advogado, sendo o mínimo nelas inserido obrigatório tão-somente para a fixação de honorários do defensor dativo e quando o arbitramento do judicial de remuneração não ajustada na prestação de serviços advocatícios.

Portanto, a Consulta é clara ao indicar o valor mínimo da Tabela estabelecida pela Seccional para DEFENSOR DATIVO. Apenas para que não fique sem comentário, necessário distinguishing pois a Resolução da Tabela catarinense é vinculante, no sentido de que é piso deontológico sim, pois traz ambos valores: referência e piso.

b) A ADPF 47163/SP autoriza o convênio:

Primeiro reitera-se que o presente texto não é contra o convênio, ainda que haja quem defenda tanto a inconstitucionalidade federal (“O Estado proverá”) quanto estadual (não há disposição expressa que autorize a DPE/SC formular convênios desta natureza) de tal proposta, o tema aqui é o Estatuto da OAB, sua aplicação (e não).

Concessa vênia, mas a ADI 4163/SP (convertida em ADPF) não ajuda em nada quem quer-não-aplicar o §1º do artigo 22 do Estatuto da OAB (quem quer dar ar de legalidade à ilegalidade) – o objeto era a inconstitucionalidade de Lei Complementar que “obriga” a DPE/SP a realizar convênio com a OAB/SP, ou seja, em nada ajuda no tema “remuneração”, absolutamente nada. In obter dictum, constou do inteiro teor do Acórdão, apenas que não seria infração ética por captação de clientela pois, para o Relator, “cliente, no quadro, é a Defensoria mesma, que, quando impossibilitada de cumprir o mister de assistência jurídica, e tão-somente nesta hipótese, arcará com os honorários de outro profissional”. Não há, no julgado, nenhuma linha que autoriza a não-aplicação do §1º do artigo 22 do EOAB

c) A OAB/SC não dá conta de fiscalizar, que o digam as grandes bancas que cobram valores abaixo:

Esse argumento é que chamamos de “Teorema da Pulga”: como não se dá conta das pulgas (infrações), que se mate o cachorro (advocacia) de vez. Se há hipoteticamente reiteradas infrações ético-disciplinares – ainda que o Órgão Especial do Conselho Federal trate a Tabela como “referencial” e não como “piso deontológico”, há um problema (menor) a ser resolvido.

d) O Estado de SC não tem dinheiro:

Esse argumento também é muito “fofo”, convenhamos. O Estado de Santa Catarina teve mais de 5 anos para efetivar a Defensoria Pública e se preparar “orçamentariamente” e, agora, é a advocacia quem vai “pagar a conta”? Se a falta de dinheiro fosse justificativa plausível para a não aplicação da Lei, estaríamos todos imersos ao caos.

e) Outras Defensorias fecharam convênios:

Mais uma vez, é importante delimitar o presente texto. Estamos diante do caso de Santa Catarina, que tem Tabela de Honorários própria. O texto não analisa outros casos, e não tem essa pretensão. Cada seccional que resolva seus problemas, ainda que alguns argumentos aqui possam ser transplantados acolá.

f) A Jovem Advocacia e a advocacia “do interior” precisam desses valores, mesmo abaixo:

É o Paradoxo do Rabo-Cortado: se o rabo é curto, proíba-se de abanar. Este argumento ultrapassa os limites do bom senso e chega ser ofensivo. Fico imaginando um Jovem Advogado (com menos de 5 anos de inscrição) na cidade de Porto União/SC, que hoje não tem, nem é sede da Defensoria Pública de SC[21], tentando ser convencido de não ter seus honorários valorizados pelo piso da Tabela da OAB/SC, ou seja, rasgar o Estatuto que há pouco juramentou cumprir, em razão de sua potencial (aqui se registra que não há dados que baseiem tal afirmação) penúria ou hipossuficiência econômica.

E aqui faço um inevitável registro, que com todo o respeito à unanimidade do  25º Colégio de Presidentes da Jovem Advocacia de SC, a Jovem Advocacia errou ao aceitar rebaixar o patamar mínimo (piso deontológico) da Tabela da OAB/SC sob o argumento que "falta dinheiro" ou que é para a "advocacia privada" (como se o conveniado passasse a ser advogado público), pois, a Jovem Advocacia se rebaixa junto quando a régua do standard honorífico passa a bater as canelas..

g) Mas vai haver “pré-empenho” e garantia de pagamento:

Que bom. Mas o “como” não resolve a questão do “quê” (ou melhor, quanto). Em que pese não conhecer a previsão legal para tal, a garantia de pagamento deveria ser sinal de boa-fé, condição pressuposta para qualquer negociação de convênio, diante do (ruim) histórico que o Estado de Santa Catarina tem com a advocacia. É dizer, já eram aquém da Tabela as tais URHs, e o suplício para o recebimento era vexaminoso. Entre o vexame de valores e efetivo recebimento, aparentemente, resolvemos metade dos problemas.

h) É promessa de campanha e a ampla maioria votou nesta proposta:

Imagino que seja a proposta de convênio, mas não a proposta de rasgar o Estatuto da OAB. Não posso imaginar que a maioria dos advogados votariam por aviltar honorários aquém do piso deontológico em hipótese alguma. 

2.3. Escolha o “combo”, aperte o número (e com um troco a mais ganha uma batata grande) 

Primeiro, é bom que se registre, mais uma vez, que o Governo do Estado de SC teve cinco anos e meio (coincidentemente a mesma gestão, eleita e reeleita) para viabilizar a Defensoria Pública, e se já tivesse previsto tal circunstância (revestida de certa obviedade) a esta altura já teriam 4 anos de boas reservas orçamentárias.

Apenas para se registrar que a ideia do Convênio (Defensoria Dativa 2: a missão, o retorno), com valores abaixo da Tabela da OAB/SC surge na vigência da atual Tabela, ou seja, já há anos existe a Tabela de Honorários organizada pela Seccional catarinense da OAB. Repetiremos, pois, como é o atual anti-método de decisões, ou seja, decide-se primeiro depois vai se achar um “fundamento jurídico” (como disse, práxis que odiamos enquanto advogados). Ao que tudo indica já se decidiu conveniar-aviltar (quando dever-se-ia verificar se há fundamento antes), agora vamos ao fundamento.

Portanto, é equivocado afirmar, por exemplo, que o juiz, primeiro decide, para só depois fundamentar; na verdade, ele só decide porque já encontrou, na antecipação de sentido, o fundamento (a justificação). E somente é possível compreender isto a partir da admissão da tese de que a linguagem não é um mero instrumento ou “terceira coisa” que se interpõe entre um sujeito (cognoscente) e um objeto (cognoscível). O “abismo gnosiológico” que “separa” o homem das coisas e da compreensão acerca de como elas são, não depende – no plano da hermenêutica jus-filosófica – de pontes que venham ser construídas – paradoxalmente – depois que a travessia (antecipação de sentido) já tenha sido feita.[22]

Mas vamos aos combos dos jeitinhos, de como este (Anti-) Manual dispõe das “saídas” (i)legais:

JEITINHO-COMBO 1 – DESCONTINHO: Insere-se um artigo na Resolução, pode ser até como parágrafo único do artigo 16 da atual Resolução, mais ou menos assim: “Contudo, para fins do Convênio XYZ junto à Defensoria Pública do Estado de SC, fica estabelecido um desconto de 50% (cinquenta por cento) dos valores previstos na presente Tabela”. Pronto, habemus “descontinho”.

JEITINHO-COMBO 2 – ANEXO EM/DE LEI: Este “jeitinho” peca no quesito “criatividade”, pois é exatamente o receituário já utilizado com a Lei Complementar 155/1997. Mas a “saída” é legislativa, aprova-se uma Lei Estadual e institui-se um anexo com valores ou unidades referenciais para os serviços. Culpa da Assembleia.

JEITINHO-COMBO 3 – ANEXO DA TABELA: Mantem-se a Tabela da OAB/SC para a “advocacia privada” e para o “múnus público” (advocacia pública ad-hoc - sic) aplica-se uma outra com valores menores, em um anexo. Com isso, dá-se uma aparência de legalidade, afinal, está “dentro da Tabela da OAB/SC”.

JEITINHO-COMBO 4 – NOVA TABELA: Revoga-se a Tabela da OAB/SC parcialmente, ao menos no que tange ao Convênio. Seriam duas as Tabelas, mas não há problema, afinal, foi o Conselho quem decidiu, então a “maioria” vence e tem-se duas tabelas.

JEITINHO-COMBO 5 – PISO NÃO É PISO: Basta suprimir da tabela todas as referências a respeito de piso deontológico, pronto. A Tabela da OAB/SC passa a ser “só referencial”. Assim libera todos sem distinção.

Com mais uns trocados, leva-se uma batata grande. Caso ainda não tenha sido detectada a ironia, nenhum dos “jeitinho-combos” acima descritos me convencem, e todas as saídas apresentadas carecem de legalidade.

Perdoem-me os candidatos mais ávidos ao Innovare, mas a minha capacidade cognitiva – e notadamente as minhas duas hérnias de disco vertebral – não me deixam dar maiores duplos saltos carpados de costas hermenêuticos. Minha expertise em “burlas” é limitada, e só consigo enxergar esses cinco jeitinhos. Perdoem a falta (faltare) de imaginação (imaginare) para a inovação (innovare).

Aqui mais uma vez me socorro aos ensinamentos do querido Prof. Lenio, que na sua obra Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica[23], explica em palavras mais fundantes e robustas que, em tempos democráticos, sob a égide de uma Constituição da República, há apenas 6 (seis) hipóteses para não se aplicar a Lei, no caso em tela, Lei Ordinária Federal, mais especificamente, o §1º do artigo 22 do Estatuto da OAB.

1) Se ela é inconstitucional – no caso em tela é de difícil compreensão, visto que se trata de uma Lei nascida no seio do Congresso Nacional, organizada por históricos membros da advocacia, e até o presente momento, não houve declaração de inconstitucionalidade de tal dispositivo, pelo contrário;

2) Se há antinomia – não parece haver conflito. Não há previsão legal que seja contrária à aplicação da Tabela da OAB.

3) Se há interpretação conforme a Constituição – aqui temos mais um dificultador, tendo em vista que a Lei está de acordo com a Constituição, no sentido de sua literalidade. Texto e norma estão de acordo.

4) Se há nulidade parcial sem redução de texto – de novo incidiria a questão de inconstitucionalidade as determinadas hipóteses, seria algo como o inverso do item anterior. Não é o caso.

5) Se há declaração de inconstitucionalidade com redução de texto – não é o caso, ao menos não há decisão neste sentido.

6) Se há um princípio que supere a aplicação da regra - sobre este último item, é preciso dizer que sempre corrermos o risco daquilo que o Prof. Lenio batizou de “panprincipiologismo”, é dizer, dentro da capacidade “inventiva” (innovare!), tudo é princípio, mas nada desses neo-princípios tem força normativa alicerçada em alguma fonte histórica, senão uma mera ilação do interlocutor.

Voltando-se ao Dilema da Luna: “Eu quero saber”... como é que pretendem aqueles que vão aplicar o (Anti-)Manual e apertar o “botão do jeitinho”, não aplicar a Lei Ordinária Federal e o §1º do artigo 22 do Estatuto da OAB. Espero que tal “ousadia” venha revestida da coragem do intérprete fundamentar e, acima de tudo, firmar desenvergonhadamente seus posicionamentos, como o faço no presente texto.

Mas sempre estou aberto a escutar mais jeitinhos, e com um atenuante: de tudo que vi e ouvi, muito pouca coisa me surpreenderá, portanto, não é necessário economizar ou subliminar o “jeitinho”. Não se avexe! Mas assuma os riscos. 

2.4. De como enxergo o horizonte

Costumo dizer que o horizonte é o mesmo, tudo depende de quantas janelas se consegue abrir para enxergá-lo.

Finalmente, para que não digam que evidencio o problema e não apresento soluções, aí vão balizas de como um Convênio pode respeitar as Constituições Federal, Estadual, o Estatuto da OAB e a Resolução da OAB/SC (Tabela da OAB/SC):

A) PRAZO DETERMINADO, CARÁTER PRECÁRIO:

Qualquer convênio efetivamente realizada com a Advocacia catarinense, até em homenagem à Defensoria Pública, deve ser em caráter precário (a qualquer momento pode ser revogado) e por prazo determinado de no máximo 2 anos – afinal, se o STF concedeu 1 ano para o Governo do Estado, que levou mais de 5 e não realizou, não é a OAB/SC quem deve afrouxar as rédeas do Governo do Estado.

B) ATENDIMENTO PROPORCIONAL E CONTROLE DE FISCALIZAÇÃO PELA OAB/SC:

Da Tribuna da OAB/SC se ouviu em alto e bom som pela fala do Defensor Público Geral que com 300 Defensores a DPE/SC absorveria 100% da demanda. Pois bem, a Advocacia não pode e não deve, diante do atual número de Defensores Públicos concursados, absorver mais de 50% (cinquenta por cento) da demanda, sob pena de se voltar ao status quo ante da Declaração de Inconstitucionalidade em que a Defensoria Dativa substituía a Defensoria Pública, quando a Defensoria Pública sobre-existiria apenas formalmente, já que a “muleta” pode muito bem servir e mal-acostumar o Governo do Estado a ponto de nada mais investir na DPE/SC.

C) RESPEITO INTRANSIGENTE À TABELA DA OAB/SC:

Quanto a este ponto, penso que já esgotei minha fala. 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O presente texto é uma exaltação pela valorização da advocacia.

Para evitar qualquer insistente tergiversação sobre o tema, ninguém está dizendo que convênio é ilegal ou inconstitucional (não escutei essa tese ainda, mas perderia algum tempo em analisá-la certamente), ou que a OAB ou a advocacia não possam trabalhar para o jurisdicionado hipossuficiente em “parceria” (entre aspas porque estou evitando a “muleta”) com a DPE/SC (aliás, esse é o vernáculo do §1º do artigo 22 do Estatuto da OAB e do artigo 16 da Resolução da OAB/SC que recria a Tabela da OAB/SC), ou seja, é justamente essa a hipótese prevista.

O que é ilegal, no caso, é “apenas” (entre aspas de novo porque gastamos milhares de reais em campanhas de valorização da profissão e contra aviltamento de honorários) o SISTEMA DE REMUNERAÇÃO (o que certamente será objeto de judicialização).  Volto a indagar, sobre quais das seis hipóteses possíveis o intérprete – defensor de valores aquém do mínimo deontológico da Tabela da OAB/SC como prevê o Estatuto da OAB – vai deixar de aplicar tal dispositivo legal? Com a evidente observação de que é a OAB/SC deixando de aplicar o Estatuto da OAB (Lei Ordinária Federal).

Mas é claro, que o imaginário maledicente da práxis do internacionalmente conhecido jeitinho brasileiro, poderá dizer que, sob o “fofo” argumento de se tratar de pro bono, que tudo pode em nome do “bem” – como, por exemplo, a fantástica (beirando ao lúdico mesmo) “saída” de inserir um “descontinho” na Tabela da OAB/SC para o Convênio.

Por isso insisto aqui que os institutos não se confundem, porque a obrigação constitucional é do Estado (inciso LXXIV, do artigo 5º da CRFB), e a advocacia pro bono é eventual (por eventualidade evidentemente não se pode admitir cadastro, convênio escrito, administração de recursos públicos pela DPE/SC e “pré-empenho” de remuneração do Estado).

A OAB/SC deverá funcionar apenas e tão somente em caráter transitório, precário e por prazo determinado, enquanto a DPE/SC não for uma realidade, do contrário, é admitir que a DPE é dispensável, contrário senso do que foi definido à unanimidade do Pleno do STF nas ADIs 3892 e 4270, afinal, para que DPE se há dezenas de milhares de advogados privados que podem assumir a demanda por um “precinho baratinho”? Cito o Relator:

Essa, em linhas gerais, a lição que pode ser extraída da jurisprudência desta Corte, que já se debruçou sobre situações análogas que envolviam a desvalorização da defensoria pública, tendo concluído, em todas essas ocasiões, pela necessidade imperiosa de dotar o serviço de assistência judiciária de boas e estáveis condições de trabalho, por meio da criação de instituição estatal própria, independente e organizada em carreira.

E mais, do Relator:

Ministra Rosa, Vossa Excelência deve ter percebido, pela sustentação do representante do Estado de Santa Catarina, que não há, na verdade, nenhuma vontade política de criar essa Defensoria no Estado. Na verdade, essas normas aqui até impediam - podemos dizer isso - qualquer movimento no sentido de criação dessas defensorias. Nós estamos removendo esse empecilho, mas é fácil fazer uma análise sobre uma possível falta de disposição no Estado de criar, tanto é que esse é o caso mais grave de todos os que nós já examinamos aqui. É um caso em que há um pacto, ainda que não expresso, entre o poder político local e a Ordem dos Advogados.

Por isso insisto: caráter transitório e apenas uma porção menor da demanda deve ser destinada e absorvida pela advocacia, no máximo até a metade – e há que se ficar atento, pois corre-se o risco evidente da DPE destinar à advocacia apenas o “refugo”, ou seja, aquilo que não lhe interessa. Como bem alertou o Relator na ADI 4270:

Veja-se, a título de exemplo, o fato de que a defensoria dativa organizada pelo Estado de Santa Catarina com o apoio da OAB local não está preparada e tampouco possui competência para atuar, por exemplo, na defesa dos interesses coletivos, difusos ou individuais homogêneos dos hipossuficientes residentes naquele estado, atribuição que se encontra plenamente reconhecida à defensoria pública.

A OAB/SC precisa ter amplo acesso às informações do sistema de atendimento, insisto: para cada dois atendimentos da DPE, um da advocacia. Isso garantiria a proporcionalidade e a sobrevivência, aos olhos do Governo do Estado, da própria DPE, admitindo o teto de 50% (cinquenta por cento).

O canto mavioso do “pré-empenho”, ou a necessidade de organizar o credenciamento acabando com a alegada “farra” das nomeações pessoais das autoridades, ou a alegada situação de penúria da Jovem Advocacia, não me convencem. Repita-se, não me convencem para a não-aplicação do §1º do artigo 22 da Lei Federal (nosso Estatuto). Se a penúria de parte da advocacia fosse argumento suficiente, o Conselho Federal já teria suprimido do texto do novo Código de Ética o artigo 29, que não só mantém o piso deontológico, como deixa claro que a OAB deve intervir quando “inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários que for aplicável”.

Aliás, se vitorioso for o “fofo” argumento de que a Tabela da OAB/SC é apenas “referencial”, ao contrário senso da Resolução aprovada à unanimidade do próprio Conselho Estadual da OAB/SC (e da leitura de seu anexo onde se lê “média” e “piso”), pois, não há razão para a manutenção de quaisquer tabelas estabelecendo pisos deontológicos, e a autorização para o aviltamento – cujo axioma “aviltamento” deixa de ter padrão e sentido – deve ser ampliada, afinal, a isonomia não nos deixaria impunes com relação à jovem advocacia (perdoe-se a falta de fofura). São “fofos”, insisto os argumentos, devo admitir, mas daí ter o condão de desdizer o Estatuto da OAB/SC é demais.

Espero realmente que a OAB/SC não se deixa “encantar” pelos cantos maviosos das “saídas” fáceis ou das promessas que são o mínimo legal obrigatório vinculante à própria DPE (cadastro, pré-empenho). Ou pior, monte uma Comissão para em 45 dias apertar um dos tantos “jeitinhos” de agradar o Governo do Estado e a DPE, como a mágica saída de um descontinho na tabela ou criando uma segunda tabela (“tabelinha”), aviltando honorários para o Convênio e pior, rasgando o Estatuto da OAB sob argumentos fofos. Insisto no dilema da Luna: “Eu quero saber...” com qual argumento jurídico, dentro das 6 hipóteses possíveis, a Comissão e a OAB/SC irão desdizer o que está estatuído no §1º do artigo 22.

Se não houver cumprimento legal do §1º do artigo 22 do Estatuto da OAB (Lei Ordinária Federal), farei questão de apresentar voto em separado, denunciando a ilegalidade, afinal, como disse, minhas 2 hérnias de disco não me deixam dar duplo salto carpado hermenêutico, mesmo que tivesse disposição para isso. Mas ainda posso ser convencido de que §1º do artigo 22 do Estatuto da OAB pode ser tangenciado juridicamente, apenas me digam qual o argumento/fundamento (jurídico). Fundamentem, escreva, publiquem e assinem.

É preciso falar sobre o curioso caso de Benjamin Button[24] aplicável à Defensoria Pública do Estado de SC. A DPE/SC nasceu velha, quase morta, como Mr. Button, capenga, sem forças, sem estrutura, com salários terríveis, sem estrutura de carreira e etc. Com o passar do tempo, ela foi ganhando forças, e parece estar agora jovial, com saúde. Mas como todo jovem, ainda trôpego, querendo ganhar o mundo.

Mas há um refugo. Há uma demanda que não interesse a esse jovem que nasceu velho, essa demanda ele quer ajuda para atender. Este jovem bate à porta da OAB/SC para pedir ajuda, para fornecer muletas para caminhar. Mas como todo jovem arrogante, típico comportamento adolescente, vem testar desafiadoramente as regras estatuídas, e jogar a OAB/SC contra sua própria classe, contra sua própria Lei.

Enquanto as propostas tangenciarem a Lei, a Lei da Advocacia, haverá resistência. Não me chamem para desdizer meus juramentos.


Notas e Referências:

[1] In http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=202643

[2] STRECK, 2008, p. 134.

[3] Com a necessária nota de rodapé, como diz e repete meu caro mestre Prof. Lenio, no Brasil é preciso ter uma Resolução para se aplicar a Lei e a Constituição, estes dois últimos ninguém lê, mas todos respeitam a Resolução ou a Portaria.

[4] In https://www.facebook.com/OzawaOAB/videos/917781698369569/

[5] Não o astro, mas a personagem de desenho-animado que é paixão do meu filho de 2 anos incompletos. A todo momento ela questiona a razão das coisas, o porquê das coisas... afinal, ela quer saber...

[6] WITTGENSTEIN, L., 1993.

[7] Com a ressalva de que posso não ter sido bom aluno, mesmo assim, não desmerece o mestre.

[8] STRECK, 2010, p. 170.

[9] Revista Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 52, p. 127-162, jan./jun. 2008.

[10] Revista NEJ - Eletrônica, Vol. 15 - n. 1 - p. 158-173 / jan-abr 2010.

[11] STRECK, 2008, p. 142.

[12] [...] falar é renunciar à subjetividade pura, à solidão, para atirar-se na linguagem, na língua dos outros do grupo; é exprimir-se, no sentido o mais físico do termo, é alienar-se (Entäusserung), passar à alteridade e à exterioridade. É renunciar ao ‘sonho’, ao mundo interior das ‘imagens’ e do sentimento” (WARIN, François. O Império das Palavras. Discurso, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 31-50, 1971. Trad. Gilda de Mello e Souza).

[13] STRECK, 2010, p. 162.

[14] STRECK, 2010, p. 165.

[15] STRECK, 2010, p. 165.

[16] STRECK, 2008, p. 133.

[17] STRECK, 2010, p. 168.

[18] Algo como “Encerro por aqui sem mais Excelência”.

[19] Paráfrase, talvez indevida, do Prof. Luis Alberto Warat e seus tempos de “catarinense”.

[20] Outra paráfrase indevida de Winston Churchill, mas que se registre, única que conheço.

[21] Segundo consta aqui: http://www.defensoria.sc.gov.br/index.php/site-map/defensores

[22] STRECK, 2008, p. 143.

[23] Mas já havia citação anterior em “Hermenêutia Jurídica e(m) Crise”, se não me engano.

[24] “The Curious Case of Benjamin Button” de Francis Scott Key Fitzgerald.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Rio de Janeiro/RJ: Livraria do Advogado, 2006.

_____. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

_____. Hermenêutica E Possibilidades Críticas Do Direito: Ensaio Sobre A Cegueira Positivista. Revista Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 52, p. 127-162, jan./jun. 2008.

_____. Aplicar a “Letra da Lei” É Uma Atitude Positivista? Revista NEJ - Eletrônica, Vol. 15 - n. 1 - p. 158-173 / jan-abr 2010.

WARIN, François. O Império das Palavras. Discurso, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 31-50, 1971. Trad. Gilda de Mello e Souza.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Abril Cultural, 1975.

_____. Tractatus logico-philosophicus. Tradução, apresentação e ensaio introdutório de Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: Edusp, 1993.

PS.1: Enquanto terminada a revisão do presente texto, já escrito, recebo a notícia de que o MEC insiste em regularizar a profissão de “assistente jurídico”. Segue a linha do tangenciamento da norma legal por “fofos” argumentos, ou alguém duvida que a massa de gente desempregada, secundaristas, técnicos, tecnólogos e até Bacharéis em Direito não possuem uma série de argumentos discursivos para defender a não aplicação do Estatuto da OAB e da Constituição? Como é que criticaremos o MEC se nós mesmos não estamos querendo aplicar o Estatuto da OAB?


luiz-fernando-ozawaLuiz Fernando Ozawa é advogado, professor, pesquisador. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito Constitucional e Teoria dos Direitos Fundamentais) e Mestre em Gestão de Políticas Públicas (Instituições, Cultura e Sustentabilidade). Autor do Livro “Apologia à Crítica”. Conselheiro da OAB/SC. Professor Permanente da Escola Superior de Advocacia de Santa Catarina. Email: ozawa@ozawa.com.br; Site:www.ozawa.com.br;Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9265365630857393


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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