Por Quitéria Péres – 15/09/2016
Numa crítica aos limites do conceito outrora conferido ao acesso à justiça, nos demos conta de que a preocupação não reside propriamente em assegurar o direito ao ingresso de demanda no Poder Judiciário, mas sim em dele sair em tempo razoável e com a possível efetividade da tutela prestada. Daí nos ocorre um devaneio: - Ah, se pudéssemos agendar os atos processuais e, quem sabe, até mesmo o julgamento final do processo!
Realmente, parece pouco crível que tal ideal se concretize num mundo real marcado por tão dramático contexto em que o altíssimo índice de litigiosidade acarreta ao Poder Judiciário um input muito maior que o output possível, ainda que otimizada ao máximo sua capacidade produtiva.
Se, num mero exercício reflexivo, imaginássemos o que diria um profissional administrador que analisasse a atividade jurisdicional, por certo uma das primeiras críticas que faria diria respeito à administração do tempo no desenvolvimento das etapas que compõem a marcha processual. Muito provavelmente, também identificaria, dentre outros, pelo menos dois importantes pontos de estrangulamento na tramitação processual: o primeiro diz respeito ao cumprimento dos atos processuais de impulso e, o segundo, ao momento do julgamento, sendo crível que neste último a demora tenda a ser mais acentuada. Identificados estes entraves, nos quais se esvaem significativa parcela de tempo, cumpre lhes direcionar o foco justamente para evitar os efeitos nefastos do desperdício do tempo. A solução passará, necessariamente, pelo esforço de todos os operadores do direito em relação à tarefa de planejar o desencadeamento processual de modo mais eficiente, além, é claro, de evitar o retrabalho.
Por retratar, o processo, um conjunto de atos processuais desencadeados logicamente segundo o procedimento adotado, não fica difícil prever os atos subsequentes. Não obstante isso, não são raros no cotidiano forense os casos em que, determinada a intimação de uma parte para apresentar réplica ou se manifestar sobre o laudo pericial, a demora na publicação de tais intimações retarde a efetivação da providência subsequente. Sob tal enfoque, o planejamento poderia prestar significativa contribuição.
Por sua vez, o retrabalho pode ser observado quando se percebe que, mesmo tendo estudado profundamente o processo antes de presidir uma audiência de instrução e julgamento, ao concluí-la o juiz deixa de prolatar a sentença respectiva com a brevidade de tempo necessária para não esquecer os elementos de convicção que extraíra do estudo dos autos e da observação da prova oral produzida. Isso ocorre sempre que, ao terminar a audiência instrutória, o juiz perde contato com o processo, o qual, muitas vezes, segue sua tramitação aguardando as razões finais escritas e depois passa a habitar uma estante à espera do julgamento, permitindo, assim, que a ação do tempo contribua para o esquecimento dos elementos fáticos, jurídicos e probatórios anteriormente apurados. Afinal, não é difícil compreender que, encerrada a audiência, todos os profissionais envolvidos lembrem dos detalhes dos fatos controvertidos e da prova produzida, o que se deve ao frescor da memória ainda proporcionado. Pois bem. Para contemplar estas e tantas outras situações em que a ação do tempo pode ser planejada conjuntamente pelas partes e pelo juiz, é que o novo Código de Processo Civil estabeleceu, em seu art. 191, que se estiverem de comum acordo, podem fixar calendário para a prática de atos processuais, o qual as vincula de tal modo que até mesmo a intimação respectiva fica dispensada. Com sua adoção, permite-se que, ao final da colheita da prova oral, as partes e o juiz fixem a data para entrega das razões finais, se for o caso, e, por que não, também a data para prolação da sentença. O mesmo se pode dizer em relação ao conjunto de atos processuais necessários à realização da prova pericial, por exemplo, caso em que, no mesmo ato (por exemplo, na audiência de saneamento e organização do processo), se designa o profissional perito e as partes planejam as datas específicas, tanto para a realização da perícia (o que pressupõe prévio agendamento com o perito), como para a indicação de assistentes técnicos e oferecimento de quesitos, recolhimento dos honorários periciais e manifestação sobre o laudo, nada impedindo que até mesmo a data da audiência instrutória futura seja igualmente desde logo designada, se for o caso.
Se assim for feito, muito se ganhará em celeridade processual, a qual será resultado da singela aplicabilidade das mais basilares lições ministradas pela ciência da administração quanto aos benefícios que o planejamento tende a proporcionar e ao prejuízo que o retrabalho pode acarretar.
Outro exemplo compatível com os objetivos proclamados pelo novo Código de Processo Civil, especialmente o de estimar a solução dos conflitos por métodos não adversariais, tanto quanto possível, diz respeito à possibilidade de, por ocasião da audiência de conciliação, prevista no art. 334 do NCPC, ser fixado calendário processual para adiantar a realização da perícia (o que poderia ocorrer com frequência em processos de cobrança de seguro por invalidez permanente), sem olvidar a designação, ao final, de nova data para ter lugar a continuidade daquela audiência de modo a melhor viabilizar, quem sabe, eventual entabulação de acordo. Tal resultado, por certo, terá mais expressivas chances de ser alcançado caso a seguradora concorde com o teor do laudo pericial então apresentado ou admita que o prosseguimento do processo poderá ser mais dispendioso. Enfim, servem estas ponderações apenas para suscitar reflexões em torno de algumas hipóteses de aplicabilidade deste novo instituto processual, cuja avaliação, positiva ou negativa, apenas o futuro descortinado no cotidiano forense poderá anunciar.
O que se espera, outrossim, é que não se afigure tão surpreendente a fixação de prazos, para as partes e para o juiz, e, principalmente, que, como operadores, todos percebam o quanto tal postura os aproxima do desejo por todos nutrido: o de que contribuir para a concretização das promessas constitucionais feitas ao jurisdicionado e das assumidas por nós próprios quando escolhemos exercer missão associada à administração da justiça. Se, atentos à forma como temos desempenhado nosso papel até então, o cenário que observamos não é satisfatório, algo deve ser feito. A adoção do calendário processual pode constituir importante ferramenta nesta transformação almejada. Tudo o que não se pode fazer, neste momento, é deixar de tentar. Embora se saiba que a realista avaliação há de ser desenvolvida tão somente no futuro, não se pode deixar de vislumbrar desde logo o prenúncio de que, empregado, o calendário processual poderá nos proporcionar efeitos marcantemente promissores, quiçá surpreendentes.
Quitéria Tamanini Vieira Péres é Graduada em Direito (FURB – Universidade Regional de Blumenau). Concluiu os Cursos de Pós-Graduação “lato sensu” em: (1) Direito Civil (UNIVALI); (2) Direito Penal e Processual Penal (FURB) e (3) Gestão e Controle no Setor Público (convênio UDESC/ESAG/TJSC). Concluiu o Curso de Mestrado, área de concentração: instituições jurídico-políticas (UFSC). Ingressou na Magistratura do Estado de Santa Catarina em 1998, tendo atuado, como titular, nas comarcas de Rio do Oeste, Jaraguá do Sul, Brusque, encontrando-se atualmente lotada em Blumenau desde julho de 2009 (na 1a Vara Cível). Atualmente, é Juíza Eleitoral, respondendo pela 3ª Zona Eleitoral de Blumenau. Lecionou na FAE, FURB, UNIFEBE e UNERJ e também na Escola da Magistratura deste Estado (Capital e extensões de Joinville, Blumenau, Rio do Sul, Itajaí, Tubarão, Lages e Bal. Camboriú), na área de Direito Processual Civil. É professora, também, da Academia Judicial (vinculada ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina). É autora do curso online sobre Sentença Cível Descomplicada, disponível no site da Livraria Concursar (livrariaconcursar.com.br).
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