Quando o remédio constitucional contra a síndrome da inefetividade não tinha regulamentação legal

27/06/2016

Por Alan Pinheiro de Paula – 27/06/2016

No dia 23 de junho de 2016, foi publicada a Lei n° 13.300, que disciplina o processo e o julgamento do remédio constitucional denominado mandado de injunção[1].

É cediço que nem todas as normas constitucionais possuem a mesma eficácia. Algumas são dotadas de aplicabilidade direta e imediata, enquanto outras, de aplicabilidade restrita, denominadas de eficácia limitada[2]. Estas, por expressa previsão constitucional, muitas vezes estão condicionadas à regulamentação infraconstitucional para produção de seus efeitos desejados.

Mas diante da omissão legislativa em regulamentar direitos e liberdades constitucionalmente previstos, batizada pela doutrina como síndrome da inefetividade das normas constitucionais[3], como reconhecer ao indivíduo a tutela desses direitos? Previsto no art. 5°, LXXIII, da Constituição[4], poder ser encontrado o remédio constitucional denominado mandado de injunção.

Conforme o dispositivo citado: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;”

No entanto, quais os efeitos da procedência de uma ação desta natureza? O que seria efetivamente conferido ao propositor de um mandado de injunção? De acordo com a doutrina, duas seriam as posições quanto à natureza da decisão proferida nas ações de mandado de injunção: a) posição concretista; b) posição não concretista[5].

Para a primeira corrente, que predominou no Supremo Tribunal Federal, caberia ao Poder Judiciário reconhecer única e exclusivamente a omissão normativa, com a respectiva comunicação ao órgão competente para a regulamentação necessária, sem, no entanto, reconhecer o exercício do direito. Posicionamento contrário, segundo a própria Suprema Corte, repercutiria em detrimento da “Separação dos Poderes”.

Já para a corrente concretista, caberia ao Poder Judiciário, além de reconhecer a omissão, conferir o direito tutelado. Para este posicionamento, a concretude da decisão poderia ser apenas “inter partes” (individual) ou “erga omnes” (geral). Este foi sem dúvida um avanço jurisprudencial, podendo ser citado o MI 708, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes[6], que garantiu aos servidores públicos o direito de greve diante da ausência normativa, aplicando-se “mutatis mutandis” a lei da greve privada, Lei n° 7.783/1989[7].

Vale ressaltar que, desde a entrada em vigor da atual Constituição, o direito de greve dos servidores públicos ainda não possui sua regulamentação específica, condicionante esta para o exercício deste direito, conforme o previsto no art. 37, VII, da Constituição Federal.

Mas qual seria a lei regulamentadora do mandado de injunção? Até dias atrás, esse remédio de suprimento constitucional nem sequer havia sido regulamentado, utilizando-se o Poder Judiciário por analogia da Lei do mandado de segurança, conforme decisão proferida no MI 107[8], Lei n° 12.016/1999[9].

Mas o que mudou agora? De acordo com pronunciamento do presidente em exercício Michel Temer, com a vigência da Lei n° 13.000/2016, está sendo produzido “um remédio doce, porque deram ao jurisdicionado a possibilidade de dizer: não impeça o desfrute dos meus direitos. Quando eu pleiteá-los, eu terei a cobertura do Poder Judiciário”[10].

Com relação ao procedimento, não se pode vislumbrar qualquer inovação, haja vista a manutenção do rito sumário, ou seja, semelhante ao do mandado de segurança. Não obstante, de acordo com o ministro Teori Zavascki, durante cerimônia da sanção da nova Lei, a citada norma está em consonância com as recentes jurisprudências da Suprema Corte, que já não mais se limitava a uma mera recomendação ao legislador[11].

Muito embora o teor da nova regulamentação legal já estava sendo reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, não se pode negar o fortalecimento dos direitos e garantias constitucionais previstos na Constituição. Que outros estejam por vir...


Notas e Referências:

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13300.htm

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.36ªed. São Paulo: Malheiros, 2013.

[3] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17ªed.São Paulo: Saraiva, 2013.

[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

[5] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.29ªed. São Paulo: Atlas, 2013.

[6] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/Completo.pdf

[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7783.htm

[8] http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1487634

[9] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm

[10] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/511221-SANCIONADA-LEI-QUE-DISCIPLINA-O-MANDADO-DE-INJUNCAO.html

[11] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=319627


Alan Pinheiro de Paula. Alan Pinheiro de Paula é Especialista em Gestão de Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Professor de Direito Administrativo na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Professor convidado em diversos cursos preparatórios para concursos públicos. Professor da Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (ACADEPOL). Delegado de Polícia.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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