QUAIS SÃO OS DANOS QUE A ADPF 442 PODE TRAZER AO DIREITO CIVIS E CONSTITUCIONAIS DA CRIANÇA, DO NASCITURO E DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA?

03/10/2023

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese

Segundo o caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988, alcunhada dignamente de Constituição Cidadã, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança. Entretanto, no mês de setembro, foi iniciada no Supremo Tribunal Federal a votação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que visa à descriminalização do aborto até a décima segunda semana de gestação. As discussões sobre a legalização ou não do aborto, no cenário atual, são extremamente polarizadas e não são tratadas com a devida sensibilidade e lucidez: de um lado, extremistas de direita levam em consideração somente o feto, mas não as condições sociais, econômicas e biopsicológicas vulneráveis das mulheres e mães ao redor do Brasil; de outro, radicais de esquerda levam em consideração somente a liberdade de escolha das mulheres, sem levar em conta o atentado aos direitos civis e constitucionais do nascituro, o recrudescimento da eugenia, e a tendência ao aumento das vulnerabilidades causadas por uma possível descriminalização do aborto.

Em primeiro plano, deve-se ressaltar que, no cenário brasileiro atual, todas as questões são judicializadas, mesmo se tratando de matéria do Legislativo: não é, definitivamente, competência do Supremo Tribunal Federal, revogar os artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro. A revogação destes artigos deve ser votada com seriedade pelo Poder Legislativo (Câmara e Senado), que foi eleito pelo povo para formular, modificar ou revogar as leis civis, penais, constitucionais e estatutárias. Além do nefasto desvio de funções e competências, causando uma balbúrdia entre o Poder Legislativo e Judiciário, o processo de descriminalização do aborto não é encarado e estudado com a seriedade devida, tanto nas questões materiais, quanto no âmbito processual. Para ser possível e viável uma descriminalização do aborto, seria preciso uma nova Constituição que não garanta nem proteja o direito inviolável à vida como cláusula pétrea, fato que representaria um retrocesso em matéria de direitos humanos e direitos fundamentais, haja vista que, sem a garantia da inviolabilidade do direito à vida, não só crianças dentro do útero poderiam ser abortadas, mas qualquer pessoa nascida ou não nascida teria esse direito em estado de vulnerabilidade. Além disso, revogar os artigos 124 e 126 do Código Penal implicaria na revogação total dos direitos do nascituro estabelecidos no Código Civil: direito à vida, imagem, honra, herança e alimentos. E como se não bastasse, a revogação dos artigos 124 e 126 do Código Penal também levaria à revogação do Estatuto da Criança e do Adolescente que assegura o direito à vida da criança desde o primeiro milésimo de segundo. Segundo o art. 22 da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre matérias de direito civil, penal e processual. Nesse sentido, convém afirmar que, a partir do uso da palavra “legislar”, entende-se que a competência exclusiva e privativa em relação à formulação, modificação e revogação de tipos penais compete ao Congresso Nacional (poder legislativo da União). Além disso, ainda que o art. 60, §4º, III, CF/88, impeça que a abolição da separação dos poderes seja objeto de Emenda Constitucional, a separação de poderes já é abolida na prática pela judicialização de atos privativos ao Poder Legislativo.

Em resumo, para que fosse legalizado o aborto segundo os moldes processuais adequados, seria necessário modificar toda a legislação por meio de um processo legislativo complexo, demorado, que incluiria a convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte e a adesão a uma legislação completamente retrógrada, necropolítica e genocida: uma legislação que não garante o mínimo de dignidade humana aos seus cidadãos, que não faz o mínimo pelos brasileiros que é a garantia do direito à vida. Portanto, observando a coerência dos moldes legais atuais, tanto em questão de matéria quanto em questão de processo, é impossível e inconstitucional a legalização do aborto e a revogação dos artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro.

Outrossim, no que concerne às questões materiais, tangentes ao conteúdo da ADPF 442, ou seja, tratando da descriminalização do aborto em si, existe uma série de consequências desastrosas que a aprovação da ADPF 442 traria à sociedade brasileira. Dentre elas, o aumento do número de abortos, a extinção dos direitos civis do nascituro, a vulnerabilização do direito à vida de crianças com deficiência, o retrocesso dos direitos da criança e a vulnerabilização dos direitos de mulheres e mães. Por fim, a legalização do aborto traz intrinsecamente uma relativização do direito à vida que coloca esse direito em situação de vulnerabilidade, dando abertura para necropolíticas eugenistas do Estado.

Primeiramente, pode-se definir a legalização do aborto como um acordo de vontades imediatista entre Estado e sociedade civil para manutenção do status quo: a sociedade civil se contenta com a possibilidade de ceifar seus filhos dentro do útero materno e não assumir a responsabilidade solidária de criar novas vidas e apoiar mulheres e mães no exercício, bem como na garantia efetiva e eficaz dos seus direitos, enquanto o Estado, concedendo o “direito” de ceifar a vida dos filhos da nação, também se contenta por não necessitar empreender verba pública para sustentar o bem-estar social e fortalecer as políticas públicas de combate às vulnerabilidades em relação à situação socioeconômica, discriminação étnico-racial, de gênero ou tangente à deficiência. É mais cômodo ao Estado matar famintos no útero do que estabelecer políticas públicas de combate à fome, é mais cômodo ao Estado matar pretos periféricos no útero do que combater o racismo, o superencarceramento e a violência policial contra as populações pretas de periferia, é mais cômodo ao Estado matar pessoas com deficiência no útero do que estabelecer políticas públicas de acessibilidade e inclusão. Hoje, no ano de 2023 até o ano 2026, temos um governo que avançou na questão de políticas públicas, porém na sociedade democrática, a conjuntura política dura somente quatro anos enquanto as leis e suas respectivas mudanças permanecem e possuem caráter mais duradouro e independente de conjunturas políticas. Quando se trata de modificações na lei, não se pode pensar somente na situação conjuntural que vigora no tempo atual e imediato, mas também nas gerações futuras e nas conjunturas políticas futuras. Não se sabe como serão as conjunturas políticas futuras, e isso não traz, nem de longe, nem de perto, uma sensação de segurança e de garantia para a sociedade. Entretanto, sabe-se que no Brasil, as disputas de poder são acirradas e que as futuras conjunturas políticas podem tanto representar preocupação com a política pública, quanto ter sua preocupação restrita somente ao poder pelo poder e ignorar as vulnerabilidades. Existe um risco, um risco muito grande e assustador, que as políticas públicas de combate à desigualdade venham a ser descartadas e encaradas como gasto desnecessário de verba pública e de capacidade cognitiva dos membros do governo, a depender das conjunturas futuramente eleitas. O povo brasileiro não pode usar do bom senso da conjuntura política eleita como garantia de segurança e bem-estar. O povo brasileiro deve sustentar o seu direito com base nas leis e nos padrões relacionais estabelecidos para a boa organização, administração e desenvolvimento da sociedade.

Em segundo plano, porém não menos importante, é necessário estudar com seriedade a história e a ciência. Ao estudar a história, entender-se-á que o aborto representa, historicamente, um método eugenista e necropolítico, que visa escolher quem vive e quem morre. Nos campos de concentração nazistas, o aborto era um método empregado para controlar a natalidade de judeus, negros e pessoas com deficiência. A esterilização forçada de mulheres judias, negras e com deficiência, assim como o emprego da tortura às gestantes e indução ao aborto era uma praxe nos campos de concentração nazistas para impedir os chamados “degenerados” de nascer (Guerra, 2006). No período do Holocausto, conhecido como o maior genocídio da história, foram mortos seis milhões de judeus, duzentos e cinquenta mil pessoas com deficiência, além de também serem assassinados milhões de pessoas que se destoavam do padrão ariano. Na obra Os Bebês de Auschwitz (Holden, 2017), são mostrados relatos em que as mulheres judias escondiam seus bebês e que gestantes escondiam sua gravidez para que não fossem induzidas a abortar. O método de abortamento nas alas de enfermagem consistia em chutes e espancamentos na região abdominal, pondo em risco a vida das mulheres e assassinando crianças inocentes dentro do útero. Além disso, recém-nascidos com poucas horas de vida eram queimados em fornalhas nos campos de concentração. Ora! Se a compaixão contra a crueldade hedionda que foi praticada contra a vida de recém-nascidos de poucas horas de vida deve tomar conta do coração humano, por que essa mesma compaixão não toma conta do coração humano com relação às crianças com vida intrauterina?

Observemos atentamente que os argumentos favoráveis ao aborto se mascaram como protetores do livre-arbítrio das mulheres. Entretanto, o aborto representa historicamente um atentado contra a liberdade das mulheres. Na obra 1822 (Gomes, 2015), descreve-se que a Imperatriz Leopoldina faleceu em decorrência do aborto provocado por uma violência doméstica protagonizada por D. Pedro I. Fato é que os movimentos sociais não lutam pela revogação do art. 125 (indução ao aborto sem consentimento), porém com a revogação dos artigos 124 e 126, adentrar-nos-íamos numa contradição fática e racional: o aborto é um crime contra a vida ou contra a liberdade da mulher? Na medida em que o aborto é um crime contra a vida, haja vista que está disposto no capítulo de crimes contra a vida do Código Penal, tendo em vista que a mulher, no caso de aborto não-consensual é uma vítima a mais, não faz diferença haver consentimento da gestante para que exista fato típico que caracterize crime, até porque um assassinato cometido pela mãe e pelo pai, sozinhos ou em concorrência com um profissional da área da saúde, continua sendo um assassinato porque ninguém tem liberdade para ceifar a vida de quem quer que seja, seja de forma sozinho ou em concorrência consensual com outrem (retornemos ao art. 5º da Constituição Federal que garante a inviolabilidade do direito à vida sem distinção de qualquer natureza). A diferença entre o aborto induzido solitário, o aborto consensual e o aborto induzido sem consentimento é que no aborto não-consentido existe um crime praticado por um, dois ou mais sujeitos ativos contra duas vítimas: a mulher e a criança. Enquanto isso, no aborto consensual ou solitário, o crime é praticado unicamente contra a criança por um, dois ou três sujeitos ativos (mãe, pai e profissional da medicina).

Na República da China, o aborto é legalizado desde 1979, onde perdurou até 2015 a política do filho único. Na China, o aborto é utilizado como método de controle populacional, eugenia e sexismo: escolhe-se qual filho é digno de nascer, privilegiando o nascimento de filhos homens e sem deficiência em detrimento às filhas mulheres com condição de existência diversificada. Era uma prática que acontecia até oito anos atrás. O cenário chinês está se transformando atualmente: notícias mais recentes de 2021 da CNN Brasil afirmam que a China está restringindo abortos para garantir a inclusão e igualdade de gênero. Atualmente, o governo chinês permite até três filhos por casal: uma flexibilização das leis rigorosas de controle de natalidade que vigoraram no país até o ano de 2015.

Na Europa, após a legalização do aborto em diversos países do continente, entrou em derrocada o número de nascimentos de bebês com Trissomia do Cromossomo 21 (também conhecida como Síndrome de Down), tendo em vista que 54% das gravidezes em que o feto apresentava tal diagnóstico foram interrompidas. Verdade seja dita: o mundo não se desnazificou. Pessoas com deficiência, ainda em nosso século, são enxergadas como vidas que não valem à pena ser vividas, são vistas como fardos, como incômodos, e não como seres livres, autônomos e capazes, que precisam de suporte adicional para seu propício desenvolvimento. Durante o nazismo, grávidas que contraíram rubéola gestacional foram submetidas aos estudos de Joseph Mengele: a maioria das grávidas que contraíram rubéola durante a gestação pariram filhos surdos. O resultado dessa pesquisa: desenvolver vacina contra a rubéola? Não! Abortar bebês surdos na barriga das mães? Sim. Por isso, é inseguro que, num mundo capacitista e ainda não desnazificado, o Judiciário Brasileiro seja insensato de utilizar-se do bom senso e bel-prazer dos pais e mães para garantir o direito inviolável à vida das pessoas com deficiência que é constantemente posto em situação de vulnerabilidade e já vem sendo oprimido por práticas eugenistas ao redor do mundo. Na obra Necropolítica (Mbembe, 2022), o autor camaronês afirma que o Estado autoritário tende a estabelecer medidas jurídicas para regular quem vive e quem morre, quem é digno e quem não é digno. Assim se aplica à população preta de periferia vítima da truculência policial e da morte prematura, assim se aplica à população de pessoas com deficiência que é submetida à segregação e ao estigma da incapacidade, da mendicância e da miséria.

No Brasil, existe uma lógica que norteia as decisões que buscam resolver controvérsias entre os direitos fundamentais: estabelece-se uma priorização de direitos fundamentais em detrimento de outros, a depender das variantes de cada caso. Exemplificando: numa hipótese em que um veículo público de comunicação realiza publicamente uma manifestação apologética ao neonazismo, a dignidade humana de povos não-arianos deve ser priorizada em detrimento à liberdade de comunicação, imprensa e expressão do jornal em questão. Da mesma forma, quando se trata de resolver essa controvérsia em relação ao aborto, há que se levar em consideração a vida da criança em detrimento à liberdade da mulher, haja vista que a vida humana está acima de todos os direitos e é a geradora de todos os demais direitos, pois se uma pessoa não possui direito à vida, não lhe sobra nenhum outro direito. É simples: se qualquer ato livre e autônomo do indivíduo leva ou induz pessoas ou grupos vulneráveis à morte, eugenia ou genocídio, tolhendo-lhes a sua dignidade humana, aquela prática é juridicamente condenável. É dessa forma que se aplica a lei em casos envolvendo o neonazismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia, a intolerância religiosa, o discurso de ódio e é da mesma forma que deve ser aplicado ao aborto.

Existe uma incoerência muito grande quando se aborda a questão do aborto: um indivíduo já morto possui direitos à dignidade, honra, respeito, imagem, podendo a família denunciar um indivíduo por vilipêndio de cadáver, por exemplo, ou receber indenização por violação da imagem e da honra de pessoa morta. Ora! Se uma pessoa já falecida possui direito à dignidade humana, de não ter a sua honra e imagem violadas, por que o mesmo direito não seria aplicado a um organismo vivo intrauterino e por que ele não teria o seu direito à vida resguardado de forma eficaz? A legislação civil estabelece como critério para definir o início da vida o desenvolvimento cardiorrespiratório. Além disso, apesar de estabelecer o início dos direitos da personalidade no nascimento, resguarda os direitos do nascituro à vida, herança, honra, imagem, dignidade e recebimento de pensão alimentícia. No Brasil, tem-se um contingente populacional de 11 milhões de mães que criam seus filhos sozinhas e necessitam de recebimento de pensão alimentícia para a garantia do seu sustento. Ora, se existe um consenso estabelecido de que o pai que não paga a pensão alimentícia e abandona material e afetivamente seus filhos comete uma crueldade e um crime desumano, por que não há consenso no que tange aos casos de pais que induzem mulheres a abortarem seus filhos para se livrar da responsabilidade de assumir a sua respectiva paternidade e de mulheres que se veem no direito de lutar pela legitimação da violação à vida dos próprios filhos? É crime abandonar afetivamente e materialmente o filho e é crime violar o seu direito à vida. Pais relapsos e negligentes estão cometendo um crime, assim como as mães violadoras também estão cometendo um crime. Inclusive, pais relapsos e negligentes que colaboram com o aborto são mais violadores e criminosos do que as mães que submetem a si mesmas e às suas crianças ao procedimento de aborto por falta de livre-arbítrio, apoio e suporte. Por essa razão, não se deve prejudicar o direito de milhões de mães-solo ao redor do Brasil que dependem da ajuda financeira da pensão alimentícia para sustentar seus filhos em prol de um movimento de mulheres que deseja a violação da vida humana como um direito legitimado pelo Estado.

Nos movimentos pró-aborto, há o argumento de que antes da décima segunda semana, não existe atividade encefálica do feto e por isso não existe vida, pois se trataria de um estágio muito inicial e por isso tornar-se-ia moral e legalmente possível a realização voluntária do aborto. Na obra Existo, Existo, Existo (O’Farrell, 2018), a autora relata uma experiência de aborto espontâneo, bem como a reação e não-receptividade social frente às mães que perdem seus filhos: a escritora irlandesa descreve o fenômeno da coisificação e banalização da vida humana. Observemos a seguinte passagem: 

Há uma linha de pensamento que espera que as mulheres superem um aborto espontâneo como se nada tivesse acontecido, que o metabolizem rapidamente, e sigam em frente com suas vidas. E só como uma menstruação particularmente difícil, uma amiga minha ouviu, friamente da sogra: por quê? Por que devemos seguir em frente como se fosse algo trivial? Não é trivial conceber uma vida e então perdê-la; é tudo menos trivial. Esses falecimentos deveriam ser marcados, deveriam ser respeitados, deveriam receber a atenção que merecem. É uma vida, por menor que seja, por mais germinal que seja. (O’Farrell, 2018, p. 97 - 98)

 Se algum integrante de movimentos pró-aborto quiser afirmar que um feto em estágio inicial não é uma criança e não é uma vida, experimente conversar por cinco minutos com uma mãe que perdeu seu filho no estágio inicial da gestação. A vida é muito mais que um juízo particular, mas um valor universal, disposto como inviolável na Constituição Federal e na Declaração Universal de Direitos Humanos. Se não é trivial conceber uma vida e perdê-la involuntariamente, não deve ser considerado trivial conceber uma vida e então matá-la por espontâneo bel-prazer.

Nesse sentido, o que deve ser feito para proteger mulheres, mães, filhos e nascituros, sem dar abertura à eugenia e às vulnerabilidades por meio da descriminalização do aborto? É simples. Movimentos pró-aborto utilizam-se de interpretações estatísticas superficiais e deturpadas de que a legalização do aborto diminuiria a taxa de abortos. Entretanto, isso é mentira. A taxa de abortos na América Latina aumentou em 29% após a legalização, ultrapassando os 60.000 mil abortos anuais. Nos Estados Unidos da América, a taxa de abortos nunca parou de subir após a legalização, alcançando um milhão de abortos por ano, enquanto existem dois milhões de casais na fila de adoção do país. Na Austrália, o número de abortos ultrapassou um milhão. Na Suécia e na Espanha, os abortos aumentaram e logo após a implementação de políticas públicas, o número foi estagnado. Logo, o que faz os abortos diminuírem ou aumentarem não é, nem de longe, nem de perto, a legalização ou manutenção da criminalização do aborto, mas sim a implementação de políticas públicas sérias de proteção à mulher, à criança e à maternidade.

Por isso, existe uma série de políticas públicas que se pode elencar para que se defenda, apoie e proteja as mulheres, mães e nascituros salvando as duas vidas: políticas públicas de proteção à maternidade que envolvam a assistência biopsicossocial para mulheres e gestantes; o apoio financeiro, psicológico e jurídico às mães pretas, periféricas, atípicas e às mães de crianças com deficiência; a assistência psicológica e financeira às vítimas de abandono e violência; a facilitação de informação sobre o processo de adoção; o combate ao desemprego e à fome entre mulheres e mães por meio da capacitação profissional e políticas de cotas para gestantes e lactantes nas empresas, universidades e programas de pós-graduação; conscientização e combate à erotização infantil de forma a impedir a gravidez na adolescência; políticas públicas de acolhimento e defesa da mulher e da criança vítima de estupro, além de políticas públicas que evitem e impeçam a incidência de estupros protegendo mulheres e crianças antes da consumação do crime; políticas públicas de acessibilidade e inclusão para pessoas com deficiência, atendendo os direitos da pessoa com deficiência desde a primeira infância; ajuda financeira, clínica, educacional e jurídica acessível às mães com deficiência e às crianças com deficiência; apoio jurídico gratuito e especializado às mulheres, gestantes e mães; conscientização sobre direitos da criança, do adolescente, da pessoa com deficiência, dos povos não-brancos, e da mulher nos espaços públicos, educacionais e periféricos; conscientização sobre os perigos do aborto para a saúde e para a vida da mulher, bem como fiscalização ostensiva e punição severa às clínicas clandestinas de aborto.

Existe uma gama imensa de soluções para o aborto, para a garantia da equidade, e para a qualidade de vida da população que não envolvem assassinar pessoas. Só defende o aborto quem nunca foi visto como uma vida que não vale à pena viver. Mulheres querem apoio, suporte, ajuda, cuidado e socorro, e não aborto. Por essa razão, é preciso dizer não à aprovação da ADPF 442!

 

Notas e referências 

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BRASIL. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 24 set. 2023.

CNN BRASIL. China está restringindo abortos para promover igualdade de gênero. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/china-diz-que-esta-restringindo-abortos-para-promover-igualdade-de-genero/ Acesso em: 24 set 2023.

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GLOBO. Brasil tem mais de 11 milhões de mães que criam seus filhos sozinhas. Disponível em: https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2023/05/12/brasil-tem-mais-de-11-milhoes-de-maes-que-criam-os-filhos-sozinhas.ghtml .Acesso em: 24 set. 2023.

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O’FARRELL, Maggie. Existo, Existo, Existo. Tradução de Adriana Lisboa.  Porto Alegre: TAG Livros - 2018.

PORTAL G1. Como queda de nascimentos de bebês com Síndrome de Down virou pivô de disputa entre grupos pró-aborto e contra o aborto. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/03/22/como-queda-de-nascimentos-de-bebes-com-down-virou-pivo-da-disputa-entre-grupos-pro-e-contra-aborto-na-europa.ghtml .Acesso em: 24 set. 2023.

 

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