Presunção de inocência como garantia democrática

17/09/2017

Por Luiz Ricardo de Castilhos – 17/09/2017

A partir de Beccaria, qual era crítico do sistema penal de sua época, defendia a igualdade perante a lei, para qual “um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz”[1], compreendia que a sociedade somente poderia retirá-lo a proteção pública, após a decisão de que houvesse uma violação as normas do qual havia proteção.

Após a Revolução Francesa (1789-1799), com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, garantiu que “todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado” e, em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, qual passou a garantir que “todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

A Convenção Americana dos Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), artigo 8º, 2, prevê que “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, garantiu expressamente a presunção inocência no rol dos direitos e garantias fundamentais, artigo 5º, inciso LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”[2]. Para Lopes Jr. o princípio da inocência ou não culpabilidade é

Um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se de pagar o preço da impunidade de alguém culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos[3].

Lopes Jr, complementa que a presunção de inocência possui um dever de tratamento de duas formas: interno e externo. No primeiro cabe um dever ao julgador garantir que caiba ao acusador sua total responsabilidade com as provas, restando dúvidas, cabe ao juiz conduzir a absolvição; a segunda, assegura a proteção contra a publicidade precoce e abusiva sobre o acusado, estendendo as garantias da dignidade, à imagem e a privacidade, como parâmetro para a proteção e limite democrático, na exploração dos fatos[4], pontua Morais da Rosa que presumir a inocência no atual Código de Processo Penal brasileiro

É tarefa hercúlea, talvez impossível, justamente pela manutenção da mentalidade inquisitória. A presunção de inocência, embora com alguns antecedentes históricos, encontrou reconhecimento na Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, seu marco ocidental, segundo o qual se presume a inocência do acusado até prova em contrário reconhecida em sentença condenatória definitiva[5].

Nesta linha, cabe compreender que o processo necessita ser levado a sério, como um instrumento de garantia contra o poder punitivo do Estado, diante a importância da presunção de inocência na formação de um Estado Democrático de Direito, nesta linha para Minagé:

A principal ideia que trás o princípio da presunção de inocência do acusado é a de que ninguém poderá ser considerado culpado antes da sentença ter transitado em julgado. Dessa maneira, protege-se o acusado para que ele não acabe sendo submetido a uma pena ou medida penal como as adotadas para as pessoas já condenadas. Ainda, pode-se dizer que o princípio da presunção de inocência está ligado também às ideias do ‘favor rei’, ou seja, favoráveis à pessoa humana, com a absolvição por insuficiência de provas. Ele funciona sempre de modo favorável à pessoa humana[6].

Cabe ao Estado, com relação às práticas de crimes ou contravenções, o procedimento à acusação e durante o processo legal, provar que aquele acusado é realmente autor do fato punível. Para Minagé não devemos confundir o princípio da presunção de inocência com o in dubio pro reo, pois este limita apenas ao processo, sendo mais restrito. Complementa Minagé que a presunção de inocência “almeja estipular à acusação e não à defesa o ônus da prova, evidenciando que as medidas cautelares de prisão somente são admissíveis nos casos absolutamente necessários, porque se assim não for, haverá clara antecipação da punição”[7].

Como demonstra Lopes Jr, “as medidas cautelares de natureza processual penal buscam garantir o normal desenvolvimento do processo e, como consequência, a eficaz aplicação do poder de punir”[8], como requisito e fundamento das medidas, Lopes Jr, identifica fumus commissi delicti e o periculum libertatis, assim, no processo penal, os requisitos necessários “para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado, mas sim de um fato aparentemente punível”[9]. Minagé aponta que a base da elaboração do Código de Processo Penal de 1941

Inevitavelmente pautada em um sistema inquisitório criou todos os institutos de forma déspota, com os olhos fincados, apenas para os atos do criminoso, tendo como exemplo, o tratamento dado ao tema inerente à prisão preventiva, considerando-a como verdadeiro instrumento persecutório e, por consequência lógica, ao revés de dispensar tratamento de caráter excepcional para a prisão cautelar, considerando-a como efetiva exceção à regra que é a liberdade[10].

O sistema acusatório foi consagrado pelo advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com base nos direitos humanos, garantindo que as atrocidades cometidas ao longo da história em regimes totalitários não se reproduzirão. Assim, com o advento da Lei 12.403/2011, alterando do Código de Processo Penal, a prisão preventiva está inserida no artigo 312, deste modo, os requisitos apresentados essenciais:  fumus commissi delicti e periculum libertatis; e específicos: garantia da ordem pública; da ordem econômica; aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal[11].

Lopes Jr entende que o fumus commissi delicti, é o requisito da prisão preventiva assim como Minagé, qual exige sua decretação que exista prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (art. 312 CPP), para Lopes Jr, não pode ficar apenas com a letra da lei, mas sim, exige-se uma interpretação constitucional em que a fumaça da existência de um crime não significa juízo de certeza, mas de probabilidade razoável. A prisão preventiva deve ter por base “la razonada atribución del hecho punible a una persona determinada[12].

O fumus commissi delicti necessita/exige a existência externa de um fato real, uma extração dos atos investigados, e por meios sérios e lógicos excluídos de emoções, permitindo assim, a dedução de um delito, apresentando então um responsável concreto[13].

O Estado dispor de um julgador não é o suficiente para a concretização do Estado Democrático de Direito e a ampla efetivação dos direitos garantidos pela Constituição Federal, é necessário que o juiz possua qualidades que garantam o desempenho de seu papel.

Lopes Jr aponte que a imparcialidade é um princípio supremo do processo[14], o que acarreta ser imprescindível para o desenvolvimento e justo processo judicial, substituindo a autonomia das partes na relação processual, contudo, a parcialidade traduz um estado subjetivo do ser, um estado emocional, define Lopes Jr que

A parcialidade significa um estado subjetivo, emocional, um estado anímico do julgador. A imparcialidade corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo, por meio do juiz, atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva[15].

Mais que substituir a autonomia das partes, exigindo uma posição alheio nos interesses das partes, não estando acima, mas além dos interesses das partes, aqui entende-se que o julgador não possui força probatória na relação processual, pois no Estado democrático o princípio inquisitório não mais pode ser aceito, como define Morais da Rosa

A função do julgador é dupla. No decorrer da instrução é a de garantir o cumprimento das regras do jogo, do fair play. Logo, sua função não pode se confundir com a dos jogadores. Do outro lado, ao final, a partir do que for produzido no jogo, proferirá decisão fundamentada[16].

A imparcialidade somente é garantia através do modelo acusatório, prevalecendo assim, a retirada do julgador, poderes investigatórios ainda vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, como exemplos são os artigos 156 e 196, ambos do Código de processo penal, em que o juiz ainda detém o poder de obtenção de provas de ofício.

Para Lopes Jr, é dever do juiz ficar afastado da atividade probatória, e que ‘a figura do juiz espectador em oposição à figura inquisitória do juiz-ator é o preço a ser pago para termos um sistema acusatório.[17], diante disso, é inevitável que todo o desenvolvimento do processo termine com o papel do juiz, pois, com ele terá a decisão será proferida, aponta Khaled Jr

Partindo da necessidade de discussão dos espaços de subjetividade, é evidente que a ideia de jurisdição como direito fundamental e de processo como estrutura de contenção do poder punitivo somente pode prosperar se o juiz estiver ciente do papel que lhe cabe e tal estrutura, o que exige rompimento com o mito da busca da verdade[18].

Neste sentido, o juiz é o elemento-chave, quem deve garantir o devido processo legal, Khaled Jr, entende que é necessário superar alguns obstáculos para chegar ao equilíbrio, superando o inquisitório, a jurisdição como poder absoluto, o juiz Boca da lei e cientificismo moderno, este último estruturado pelo sujeito e objeto[19], Morais da Rosa e Khaled Jr, apontam o desejo processo inquisitório dos juristas em que

O fetiche pela legislação infraconstitucional ainda seduz a imaginação persecutória de muitos magistrados: nosso Código de Processo Penal (de 1941) é tido como livro sagrado, continuamente apto a potencializar práticas visivelmente inquisitórias e antidemocráticas[20].

Na seara jurídico-penal, demonstram que a Constituição Federal de 1988, representa uma abertura democrática, na área processual, garantindo um sistema acusatório, mesmo assim, os julgadores continuam ignorando diante do desejo inquisitório.

Por fim, para Streck, a consciência ou a convicção pessoal do julgador como base “metodológica” pode aparecer de vários modos, como uma aposta na interpretação como ato de vontade do julgador, a interpretação como fruto da subjetividade do juiz, acreditar que a ponderação de valores a partir dos próprios valores, e cisão entre regras e princípios, resultando em uma abertura de sentido, qual será preenchida pela vontade do intérprete[21].


Notas e Referências:

[1] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, p. 34.

[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988

[3] LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2013, p. 23.

[4] LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2013, p. 24.

[5] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 2 ed., rev. E ampl. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2014, p. 98.

[6] MINAGÉ, Thiago. Prisões e medidas cautelares à luz da constituição. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2015, p. 50.

[7] MINAGÉ, Thiago. Prisões e medidas cautelares à luz da constituição, p. 51.

[8] LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2013, p. 25.

[9] LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2013, p. 26.

[10] MINAGÉ, Thiago. Prisões e medidas cautelares à luz da constituição. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2015, p. 103.

[11] MINAGÉ, Thiago. Prisões e medidas cautelares à luz da constituição. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2015, p. 108.

[12] LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2013, p 88.

[13] LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2013, p 89.

[14] LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 12 ed. São Paulo. Saraiva. 2015, p. 62.

[15] LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 12 ed. São Paulo. Saraiva. 2015, p. 62.

[16] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do processo penal, p. 40.

[17] LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 12 ed. São Paulo. Saraiva. 2015, p. 65.

[18] KHALED JR, Salah Hassan. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo. Atlas. 2013, p. 496.

[19] KHALED JR, Salah. A busca da verdade no processo penal, p. 496.

[20] KHALED JR, Salah; MORAIS DA ROSA, Alexandre. In dubio pro hell: profanando o sistema penal. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2014, p. 12.

[21] STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência. 4 ed. rev. Porto Alegre. Livraria do Advogado. 2013, p. 33.


Luiz Ricardo de Castilhos. . Luiz Ricardo de Castilhos é Bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. Contato castilhosluiz@hotmail.com. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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