Pornografia com crianças e adolescentes na internet. De quem é a competência?

30/10/2015

Por Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre Morais da Rosa - 30/10/2015

As decisões da Suprema Corte podem e devem ser debatidas. Em alguns casos criticamos e também aplaudimos quando corretas. É o caso do julgamento da competência para conhecer e processar os crimes de pornografia com crianças e adolescentes.

Na sessão do dia 29 de outubro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou o enunciado da tese firmada no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 628624 (ocorrido no dia anterior), quando os Ministros decidiram, por maioria, questão sobre a competência para o julgamento de ação sobre publicação de conteúdo pornográfico infantil na internet.

O tema teve repercussão geral reconhecida e atingiu dezesseis casos sobrestados. O Ministro Edson Fachin, que proferiu voto divergente acompanhado pela maioria dos Ministros, sugeriu a seguinte tese aprovada pelo Plenário: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241, 241-A e 241-B da Lei nº. 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de computadores”.

No referido julgamento, a Suprema Corte decidiu que a Justiça Federal é competente para processar e julgar prática de crime de publicação, na internet, de imagens com conteúdo pornográfico envolvendo criança ou adolescente. O Recurso Extraordinário questionou acórdão da 4ª. Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região que determinou a competência da Justiça Federal para processar e julgar a suposta prática do crime de publicação de imagens com conteúdo pornográfico envolvendo adolescentes (artigo 241-A da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente), quando cometidos na internet.

O Ministro Edson Fachin, divergindo do relator, entendeu que a matéria, efetivamente, era de competência da Justiça Federal, conforme disposição contida no art. 109, V, da Constituição Federal. Segundo ele, há três requisitos essenciais e cumulativos para a definição da competência da Justiça Federal na matéria: que o fato seja previsto como crime em tratado ou convenção; que o Brasil seja signatário de compromisso internacional de combate àquela espécie delitiva; que exista uma relação de internacionalidade entre a conduta criminosa praticada e o resultado produzido (ou que deveria ter sido produzido): “Do exame que fiz, compreendi como preenchidos os três requisitos”, ressaltou o Ministro.

De acordo com ele, o Estatuto da Criança e do Adolescente é produto de tratado e convenção internacional subscrita pelo Brasil “exatamente para proteger as crianças dessa prática nefasta e abominável que é a exploração de imagens na rede mundial, internet. Esse procedimento pedofílico, que merece obviamente repulsa, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista ético, tem o seu tipo previsto na Lei 11.829/2008”, afirmou.

Esse tipo penal, conforme o Ministro, decorre do artigo 3º., da Convenção sobre os Direitos da Criança da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, de 25 de maio de 2000, texto que foi internalizado no Brasil pelo Decreto nº. 5.007/2004. Assim, o Ministro entendeu que a questão é de competência da Justiça Federal ao considerar a amplitude global do acesso ao site no qual as imagens ilícitas foram divulgadas, caracterizada, com isso, a internacionalidade do dano produzido ou a potencialidade do dano.

Entendemos que a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal encontra suporte no texto constitucional, exatamente no art. 109, V, que trata da competência da Justiça Comum Federal.

Com efeito, os tipos penais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, acima indicados, tratam do que a doutrina costuma chamar de “crimes praticados à distância” ou “de espaço máximo”, ou seja, crimes cuja ação ou omissão iniciou no território brasileiro (ou fora dele) e o resultado ocorreu (ou deveria ocorrer) em território estrangeiro (ou reciprocamente).

Como a lei penal brasileira considera praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado, nos termos do art. 6º. do Código Penal (já que adotamos, em relação ao lugar do crime, a Teoria da Ubiquidade), não só será possível a aplicação da lei penal brasileira àqueles casos, como também o respectivo processo penal tramitará no território nacional, sob o pálio das leis processuais penais brasileiras (Princípio da Lex Fori – Art. 1º., Código de Processo Penal). Eis definida a competência territorial (art. 69, I do Código de Processo Penal).

Quanto à Justiça competente para o julgamento do caso penal (em razão da chamada “natureza da infração” - art. 69, III, CPP), certamente, trata-se da Justiça Comum Federal, tal como decidiu o Supremo, pois, dado o caráter transnacional da conduta (ainda que as respectivas mensagens não tenham efetivamente transposto as fronteiras nacionais), pois, de toda maneira, trata-se de conduta que envolve comunicação via rede mundial de computadores, o que caracteriza, nos termos da Constituição da República, repercussão internacional delitiva (art. 144, § 1º., I, última parte). E se trata de competência, ademais, absoluta.


Rômulo Moreira

Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

 

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  

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Imagem Ilustrativa do Post: Earth - Following a Polar Ice Melt (Version 2)// Foto de:  Kevin Gill // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

   

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