Por Maurício Fontana Filho - 13/01/2017
Segundo Jean-Jacques Rousseau (2014) o Estado representa a vontade geral, ou seja, a promoção individual do bem da maioria em detrimento do bem estar particular. Seu corpo coletivo é anterior ao do indivíduo isolado, sendo consubstanciado por todos os seus cidadãos e canalizando apenas uma vontade: a da maioria. A cada um de seus membros resta sucumbir a aceitar a vontade geral como um objetivo individual. Nós somos o Estado (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1994).
Para Murray N. Rothbard (2012) o Estado é uma entidade que detém o monopólio da violência, mas mais do que isso: é a única organização da sociedade que obtém a sua receita legal e diretamente através da coerção que exerce sobre aqueles que nela habitam suas fronteiras territoriais. É a lei do mais forte sob um âmbito extremamente abrangente, o qual envolve todos aqueles que estão submetidos ao seu reinado.
Muitos vociferam que nós somos o Estado. Se o fossemos de fato, tudo aquilo perpetrado pelo Estado seria, de maneira inexorável, perpetrado por todos nós. A ideia de que as responsabilidades políticas das ações do Estado devem recair sobre seus cidadãos implica que tudo o que for ordenado pelo Estado o é, materialmente, uma escolha voluntária individual, ou seja, ordenamos a nós mesmos. Desta maneira, tudo aquilo imposto a ser feito pela entidade estatal sobre seus cidadãos seria algo legítimo, propício a ser aceito e jamais tirano, afinal, estaríamos a tiranizar nós mesmos (ROTHBARD, 2012).
Se o Estado incorre em dívida pública, somos todos nós que incorremos em dívida pública e, certamente, essa visão de Nós-Estado camufla o tributo de modo a não parecer o suborno que representa. Afinal, estamos pagando impostos para nós mesmos sob a ponta de arma que nós mesmos detemos para uma instituição, o Estado, que é representada por nós. Qualquer resquício de revolução morre ao descobrirmos sermos nós partidários de ambos os lados do embate. Se o Estado deturpa direitos individuais, materialmente fomos nós, os cidadãos, que o fizemos (ROTHBARD, 2012).
Para Franz Oppenheimer (1922) o Estado é uma casta dominante que controla os meios políticos e a usa para a satisfação de fins econômicos, em detrimento da casta dominada. É o explorador dos exploradores, o grande escravagista dos povos; sua forma é de domínio, enquanto que sua base econômica se dá na exploração do trabalho humano como sendo um mero motor servil. A existência de meios econômicos ávidos a serem subtraídos dá vida ao Estado. É isso mesmo: o roubo bélico nutre as artérias estatais, dando vida ao monstro.
O Estado é um urso que cansou de destruir colmeias e conseguiu evoluir de maneira a preservá-las, oferecendo sua proteção às abelhas que lá residem em troca de uma quantia preestabelecida de mel diário. Trocou morte e destruição por escravatura; visível é sua caricatura evoluída. Através de seu poder coercitivo, a casta dominante impera sobre os derrotados seus ídolos e sua linguagem, mutilando e eliminando os dissidentes (OPPENHEIMER, 1922).
Segundo José Ortega y Gasset (2016) o Estado é um projeto coercitivo que demanda que pessoas diferentes convivam e colaborem juntas, em um mesmo meio; é uma convocação inflexível a fazer algo em comum. É o império de aceitação de determinados deuses e linguagem, conceito de moralidade e costumes propostos por um grupo dominante sobre os demais indivíduos.
As crenças do Estado emanam diretamente das convicções da casta detentora do poder, assim, o sistema de ideias, preferências, aspirações e propósitos é canalizado pela casta dominante da sociedade sobre o resto da população. O predomínio do Estado acontece em razão de que as maiorias não possuem opiniões, o que fomenta àqueles detentores do poder político elencar suas visões sobre os primeiros ignorantes. Assim, a casta dominante sobrevive sob o mantra do ‘nós somos o Estado’, o qual, materialmente, não transcende os liames de uma doutrina de alívio, um ópio social, um clorofórmio dos fracos, queira chamá-lo de Soma (HUXLEY, 2014) ou de Rádio-Concha (BRADBURY, 2016). Se nós somos o Estado, tudo o que for perpetrado por ele será, inexoravelmente, um ato legítimo (ORTEGA Y GASSET).
Como melhor desviar a atenção das massas para as falhas políticas de seus representantes se não através de uma doutrina que os impeça de pensar criticamente? Se
o Estado é representado pelos governados, como explicar a inexistência de seu poder coercitivo? (ROTHBARD, 2012).
Friedrich Nietzsche (2016, p.67-68, grifo meu) dá sua percepção de Estado como um antagonismo do ‘nós somos o Estado’:
Em algum lugar ainda há povos e rebanhos, mas não entre nós, meus irmãos: aqui há Estados. Estados? O que é isso? Pois bem! Abri agora os ouvidos, pois agora vos digo minha palavra acerca da morte dos povos. O Estado é o mais frio de todos os monstros frios. Também mente com frieza; e esta mentira insinua-se de sua boca: ‘Eu, o Estado, sou o povo’. É mentira! Foram criadores que criaram os povos e dependuraram uma crença e um amor por sobre eles: dessa maneira serviam a vida. São aniquiladores que armam ciladas para muitos e as chamam de Estado: e penduram uma espada e cem apetites por sobre elas. [...] todo povo fala sua língua do bem e do mal, que o vizinho não compreende. Inventou para si sua linguagem em costumes e direitos. Mas o Estado mente em todas as línguas do bem e do mal; e no que quer que diga, mente – e o que quer que tenha, ele o roubou. Tudo é falso nele; morde com dentes roubados, o mordaz. Até mesmo suas entranhas são falsas. [...] Nascem pessoas demais: para os supérfluos foi inventado o Estado! Vede como ele os atrai para si, os excedentes! Como ele os deglute e mastiga e rumina! ‘Não há nada maior que eu no mundo: sou eu o dedo ordenador de Deus’ – assim vocifera a aberração. E não somente os de orelhas longas e vista curta caem de joelhos! Ah, também em vós, grandes almas, ele murmura suas mentiras sombrias! Ah, ele adivinha os corações ricos que gostam de se desperdiçar!
Uma vida dentro das fronteiras do Estado é uma vida de servidão às expectativas. A sociedade civil fomenta no homem a expansão de suas mais vis qualidades, tornando seus vícios latentes e difundidos, dado que o Estado corrompe a todos, sejam bons ou maus. Ele representa a morte da cultura, em razão de pessoas diferentes terem de conviver sob o canto da mesma bandeira o que, em decorrência, anula as individualidades e a possibilidade de agir conforme se deseja dada a coerção presente que doutrina e molda, subentende e mutila. Dos Estados derivam um padrão preestabelecido de cultura, religião e moralidade a ser ordenado, mesmo que indiretamente, sobre seus cidadãos (NIETZSCHE, 2016).
Assim, os Estados são entidades que sussurram no seu ouvido enquanto você dorme sessenta e duas mil repetições que abrangem quem você é, do que você é capaz e até onde poderá chegar: o poder da coerção (HUXLEY, 2014).
O Estado impõe determinado conceito valorativo em razão de toda coerção estar ligada, inflexivelmente, a um juízo de valor. Não de manda por mandar, pelo contrário, manda alguém a fazer algo, o que implica impor uma concepção preestabelecida de juízo de valor; em outras palavras, o uso de coerção mata um homem para a feição de um novo homem, o homem do Estado (ORTEGA Y GASSET, 2016).
Para John Locke (2012) o Estado é aquela instituição que preserva a lei natural e, através de coerção, concede maior segurança ao indivíduo do que este encontraria na natureza. Os direitos naturais são proteções à vida, liberdade e bens individuais e, se um governante mutilá-los através de seu reinado, não mais viverá o indivíduo dentro dos confins de um Estado, mas retrocede à natureza, vivendo em guerra declarada ao Estado, dada sua invalidade. Portanto, a lei natural é precedente ao Estado.
O Estado é representado pela autoridade, isso porque ela detém o poder de coerção, o qual a elenca como sendo legitima e hierarquicamente superior aos outros homens (LOCKE, 2012).
Para Thomas Hobbes (2014) o Estado é a fonte da moralidade humana; sem ele não há justiça, em razão de toda virtude derivar diretamente da norma estabelecida pelo soberano. O Estado é a entidade suprema cujos fins são o combate à guerra de todos os homens contra todos os homens e o limita do homem mau e sedento por poder através de um império absoluto.
Se realmente formos a representação de um Estado, somos, como corolário, fonte de moralidade; ao mesmo tempo em que pesa a todo cidadão limitar-se a si mesmo de sua própria maldade e reivindicação de possuir o direito sobre todas as coisas (HOBBES, 2014).
Se para Hobbes (2014) o Estado se faz em um poder que combate a inabilidade dos homens de conviverem em sociedade, sempre em guerra, para Locke (2012) o Estado apenas torna mais efetivas as leis naturais, que em estado de natureza não proporcionavam todo o conforto e segurança intendidas; por fim, para Rousseau (2014) o homem natural era bom, mas em decorrência a um grau mínimo de desconforto, fez-se necessário a criação de um Estado.
Desta maneira, o Estado é representado apenas pela casta dominante. É o mais frio dos monstros não apenas porque impera violência e exclusão através de uma imposição de valores e segregação social daqueles a quem domina, mas em razão de deter sua posição dominante e camuflá-la com máximas pomposas proporcionadas com o objetivo de estagnar as massas a quem governa, convertendo-as em ferraduras para seus cavalos funcionalistas pisotearem.
Notas e Referências:
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política: Volume 2, L-Z. 6.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.
BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451. 2.edição. São Paulo: Biblioteca Azul, 2016.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. 3.ed. São Paulo: Ícone editora, 2014.
HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. 22.ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2014.
LOCKE, John. Dois tratados do Governo Civil. Lisboa: Edições 70, 2012.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2016.
OPPENHEIMER, Franz. The State: it’s history and development viewed sociologically. New York: Vanguard Press, 1922.
ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. 5. ed. Campinas: Vide editorial, 2016.
ROTHBARD, Murray N. A anatomia do estado. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2012.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Hunter, 2014.
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. Maurício Fontana Filho é acadêmico do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, RS e bolsista Fapergs no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. .
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