Por Geraldo Prado - 26/07/2015
Introdução
Romper paradigmas. Este tem sido o destino do professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho em suas andanças pelo direito processual penal e na CAPES, que liderou na área do Direito, orientando a pesquisa jurídica em direção à competência, autonomia e comprometimento com o Estado de Direito.
Por isso saúdo Gilson Bonato, organizador do livro em homenagem a Jacinto e o parabenizo pela iniciativa, que por certo reflete o pensamento de todos os discípulos do mestre da UFPR, estimulados e incentivados por Jacinto a caminhar juntos, nessa jornada sempre em aberto pela consolidação da democracia.
Presto minha particular homenagem dividindo com o leitor as experiências de pesquisa sobre tema que considero decisivo na transição pela qual passa o nosso processo penal.
Trata-se da questão do “poder negocial”, prevista no projeto de lei do Senado que se propõe a instituir um novo Código de Processo Penal.
Valho-me das considerações acerca do tema emitidas em um Seminário promovido em São Paulo pelo IBCCRIM, AJUFE e EMAG, e por isso optei por manter a informalidade própria da exposição oral[1].
Ao estimado Jacinto, pois, um forte abraço!
No dia 2 de junho deste ano dividi mesa com o professor Guilherme Madeira, em Seminário promovido em São Paulo pelo IBCCRIM, AJUFE e EMAG sobre o Projeto de Lei 156 do Senado (novo Código de Processo Penal). Coube falar de poder negocial e julgamento antecipado, conforme está previsto nos artigos 278 e 279 do projeto.
Quero compartilhar algumas considerações.
Começo por colocar minha divergência, sempre respeitosa, com a tese de que o exercício do poder negocial, quer na modalidade da disponibilidade sobre o objeto do processo, quer pelo viés da opção até pelo não processo (oportunidade) deva ser visto como inerente à estrutura acusatória, ou ao menos como parte integrante de uma “tradição acusatória (adversarial) do Common Law”. Entendo que não há relação entre uma coisa e outra.
De início porque não há definição mais “indefinida”, escorregadia, do que a da chamada “estrutura acusatória” do processo penal.
Isso é assim porque a compreensão da própria ideia de Sistema no direito não está pacificada. A leitura do trabalho clássico de Mario Losano[2] revelava, já em 1968, os desacordos semânticos sobre a noção de Sistema no Direito que atravessaram os séculos e que justificam os vários ângulos de observação do fenômeno jurídico (não se pode reclamar a “exclusividade” de um ponto de vista). Isso, por exemplo, sob a ótica de uma “organização estruturada de um objeto ou da ciência que estuda tal objeto” ou conforme a ideia de sistema como “conjunto de normas reunido por um elemento unificador”. E assim vai!
Mirjan Damaska, por sua vez, irá sublinhar o modo como cada grupo social reivindicará para si a adoção de nomeados sistemas processuais, em geral de cariz acusatório, sem que seja possível justapô-los ou definir pontos comuns acima de qualquer divergência teórica[3].
E as dificuldades não diminuem quando o olhar pousa quase exclusivamente sobre o modelo em vigor nos Estados Unidos. Michele Taruff o[4] reafirma, em 2007, suas convicções da década de 70 do século passado, de que o “mito adversarial”, sustentado por uma certa “tradição” do common law, não corresponde ao mundo real (e por isso é um mito) e tampouco é tão tradicional assim (como se constituem as tradições?)[5].
Em um contexto aparente de tantas incertezas, os estudiosos podem ser levados a crer na conclusão de Juan Montero Aroca, jurista e juiz de primeira linha, sobre a “inutilidade do princípio acusatório para a conformação do processo penal”[6].
Continuo acreditando na validade do conceito, com todas as possibilidades de desencontros de significados, porque o mundo real, das pessoas que são encarceradas e julgadas, reclama a imposição de limites ao poder do Estado de encarcerá-las e de matá-las, de uma vez ou em conta-gotas.
A prova disso eu extraio da violenta reação, pós 11 de setembro, nos Estados Unidos. A vigorosa tradição do processo adversary não impediu por bastante tempo o desenvolvimento de procedimentos penais em sigilo, com violação do juiz natural, restrições ou supressões do direito de defesa e do contraditório, e perpetuação de detenções “provisórias” sem acusação formal. Sem falar na tolerância com as provas obtidas por meios ilícitos[7].
O retorno, malgrado lento, às bases mais humanizadas do processo penal nos Estados Unidos, no entanto, tem sido orientado pela fidelidade à “tradição” adversary de processo penal, que serve como parâmetro para questionar e invalidar ações arbitrárias, de índole inquisitorial, no marco do Estado de Direito.
Assim, o Sistema Acusatório é como a face de uma moeda: não existe sem a “coroa”, cuja presença iminente sempre incomoda, porque relembra (história) as estratégias de infiltração das práticas autoritárias, em avanço muitas vezes destemido sobre os direitos humanos (pesquisa em andamento sobre As matrizes autoritárias do Processo Penal brasileiro na UFRJ)[8].
E é por isso que em cada caso, conforme a história de cada grupo social, alguns aspectos do complexo em que se constitui o Sistema são mais relevantes que outros. As histórias do Brasil e latino-americana, em geral, denunciam a parceria entre juiz e acusador (durante quanto tempo se confundiram no mesmo sujeito processual?) a reivindicar que coloquemos acento na distinção das funções principais do processo, para que coadjuvações do gênero não inviabilizem o direito de defesa, em prejuízo dos direitos fundamentais!
A iniciativa judicial do processo, denominada entre nós de “jurisdição sem ação”, o domínio sobre a imputação pelo juiz, apelidado de mutatio libelli, o controle judicial da inércia do MP são “evidências” do que afirmo. São pistas do inquisitório encontradas cotidianamente nas prateleiras dos cartórios criminais.
Mas o que importa agora é o Sistema Acusatório, que tem sua história alargada no Common Law. E o poder negocial.
Em um trabalho de fôlego John Lagbein, Renée Lerner e Bruce Smith vão descolar o “plea bargaining” da estrutura acusatória tradicional[9].
O pragmatismo norte-americano, no século XIX, ditado pelas dificuldades da organização do Júri para dar conta dos dilemas cada vez mais complexos, gerados por uma sociedade industrial em desenvolvimento, é somente uma das hipóteses aventadas por estudiosos ingleses e norte-americanos[10].
O certo, porém, e aí são dois professores da Universidade de Chicago que irão se pronunciar a respeito, é que durante muito tempo neste mesmo século XIX, nos Estados Unidos, os juízes resistiram intensamente a admitir a confissão - e a correspondente “barganha” - como mecanismos de exclusão do Júri, dispensa do ônus da prova pela acusação e, de quebra, não aplicação da Sexta Emenda![11]
John Langbein irá ressaltar que justamente este foi o período em que o direito, não como prática social, mas como ciência ou saber instrumental, passou a se interessar e a tomar como objeto de análise o processo criminal: “It was not until the third quarter of the nineteenth century that the modern form of the adversary trial appeared with frequency in the bulk of ordinary criminal cases. This is some one hundred or 150 years after the introduction of those institutions - rules of evidence, procedure, expansion of the rights of defense counsel, and other factors - normally associated with the lawyerization of the criminal procedure”[12].
Um pouco como o processo penal “gata borralheira” de Carnelutti[13], quando comparado ao saber desenvolvido no âmbito do Common Law pelos demais ramos do direito, lá o criminal não ocupou espaço destacado, salvo como prática social.
E é neste contexto de prática social, com maiores ou menores resistências nos tribunais e, agora, inversamente, com maior resistência na doutrina em confronto com a ampla aceitação pelas corporações profissionais (juízes, advogados e MP), que o poder negocial conquistou seu espaço no direito anglo-saxão.
A questão jurídica nos Estados Unidos não é colocada no âmbito da “ação penal”! A discussão jurídica - e não política, em sentido estrito - diz com o direito ao júri (Sexta Emenda) e a relação, difícil, entre a solução da causa e o “mito adversarial” de que este tipo de processo é mais adequado à determinação da “verdade”[14].
Não se pensa com categorias ou termos continentais, como oportunidade ou disponibilidade, mas sim com a eficiência punitiva que periodicamente reclama a legitimidade do MP (eleição), em um contexto bastante distinto do nosso!
Vale dar uma lida no cap. 4 do Adversarial Legalism: the american way of law, de Robert Kagan, e nas demandas por mais segurança (ou na manipulação do medo) entre as classes médias norte-americanas, para compreender o salto extraordinário da população carcerária e sob vigilância nos Estados Unidos, dos anos 60 para cá, e como isso influenciou o adversarial legalism na área criminal[15].
Assim, atrelar o poder negocial, ainda que sob a forma de procedimento sumário, ao modelo acusatório importa em juntar duas coisas que não comungam a mesma identidade, tampouco precisam do mesmo “ar” para viver.
Claro que o projeto de Código de Processo Penal não obedece a algum capricho de seus autores, respeitados no meio acadêmico e profissional, e todos indiscutivelmente comprometidos com os direitos humanos e a democracia (a biografia de cada um deles os antecede).
É necessário tentar entender os fios que unem a proposta de poder negocial à reformulação completa e complexa de nosso modelo de persecução criminal.
Começo por reproduzir um texto de Loïc Wacquant: “Após abandonar o programa social fordista-keynesiano em meados dos anos 1970 e o processo de esfacelamento do gueto negro como instrumento de controle de casta, os Estados Unidos lançaram-se em um experimento sócio histórico singular: a incipiente substituição da regulação estatal da pobreza e dos distúrbios urbanos, frutos da crescente desproteção social e do conflito racial, por seu gerenciamento punitivo por meio da polícia, da Justiça e do sistema correcional [grifo nosso]”.[16]
Segue Wacquant, acrescentando que a consequência inevitável desta escolha não poderia deixar de ser a ascensão descomunal do Estado Penal, nas três décadas seguintes: “Expansão vertical via hiperinflação carcerária: a quadruplicação da população encarcerada em 25 anos, devida basicamente ao aumento das detenções, fez dos Estados Unidos o inigualável campeão mundial em aprisionamento, com 2 milhões de pessoas atrás das grades e 740 presos por 100 mil habitantes - de seis a doze vezes as taxas de outras sociedades avançadas -, embora o índice de criminalidade permanecesse em estagnação e depois em declínio durante o período”.
Convém rematar o registro dos dados, ainda com base nas informações de Wacquant, sublinhando: “Expansão horizontal via dilatação da suspensão condicional da pena, reestruturação da liberdade condicional e ampliação das bases de dados eletrônicas e genéticas, para propiciar maior vigilância à distância. O resultado desse ‘alastramento’ da rede penal é que hoje 6,5 milhões de norte-americanos estão sob supervisão da justiça criminal, o que representa, na população masculina, um em cada vinte adultos (mais de 35 anos), um em nove adultos negros e um a cada três negros com 18 a 35 anos. ”
Os números impressionam, mas não devem ser avaliados de maneira isolada.
Albert Alschuler e Andrew Deiss, professores da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago citam dados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos para salientar que, em 1992, nos 75 maiores condados norte-americanos 94% de todas as condenações por delitos graves decorreram de “declarações de culpabilidade”. Em Nova York, naquele ano, o índice registrado foi de 93% (obra citada, p. 189).
De acordo com a fisiologia do Sistema de Justiça Criminal em vigor nos Estados Unidos a população encarcerada não está nas cadeias e penitenciárias, salvo por ordem judicial. E também a vigilância de natureza criminal, que submete mais de três milhões de pessoas, presume o funcionamento ordinário desse mesmo sistema, que no ontem recentíssimo e no hoje depende dos acordos diretos entre MP e Defesa/acusado em torno da assunção de culpa e da aplicação da pena, sem provas, alegações e confrontações com a presunção de inocência.
Os artigos 278 e 279 do projeto de lei 156 do Senado, na versão aprovada na CCJ, correspondem à condenação direta.
Pelo artigo 278, o MP e a Defesa poderão requerer ao juiz “a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 (oito) anos”, desde que verificadas algumas condições, a saber: a) a confissão, total ou parcial; b) o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada no mínimo legal...; c) expressa dispensa das provas.
Convém logo destacar um ponto: o consenso penal em torno da condenação, com a possibilidade mesmo de imposição de pena de prisão, ainda que de curta duração, está regulado como uma espécie de procedimento (Capítulo III - Do procedimento sumário).
O que me parece fundamental, no atual contexto, diz com duas questões incontornáveis: a) o nosso regime de direitos fundamentais autoriza a condenação sem provas e por este meio a imposição de graves restrições às liberdades públicas, afastando-se a proteção da presunção de inocência? b) qual a razão de política criminal e judiciária que busca legitimar, justificar ou explicar a referida eleição (pela condenação direta)?
O nosso regime de direitos fundamentais autoriza a condenação sem provas, e por este meio a imposição de graves restrições às liberdades públicas, afastando-se a proteção da presunção de inocência?
- Em Transação Penal[17] avancei a seguinte hipótese, que transcrevo: “A irrenunciabilidade do direito fundamental, pelo particular, é o antecedente lógico da indisponibilidade e no campo jurídico invalida, por contradição com a Constituição, qualquer ato tendente à abdicação dos direitos individuais.”
- Então, em 2003, e a propósito de analisar a transação penal da Lei nº 9.099/95, trabalhei neste nível para destacar a “irrenunciabilidade e indisponibilidade do exercício do direito de defesa no processo penal brasileiro”[18].
- Creio ter antecipado em sete anos este debate quando escrevi sobre “funcionalidade e efi ciência: a transação penal desliza em direção à prisão” (idem, p. 16-28) para diagnosticar tendências e argumentos que o funcionalismo penal infi ltrava na doutrina brasileira, em busca de apoio ao projeto de implantação da negociação em torno da pena privativa de liberdade.
- Tenho certeza de que meu livro mais conhecido - e do qual mais gosto - é o Sistema Acusatório. Para mim, porém, o trabalho de que mais me orgulho, ao lado da investigação sobre interceptações telefônicas e a jurisprudência do STJ, é este, Transação Penal.
- Isso porque, percebendo a energia liberada em prol da introdução entre nós do plea bargaining, busquei interrogar o estatuto de nossos direitos fundamentais, ainda antes da confrontação teórica entre âmbito normativo e tutela de bem jurídico no cenário destes direitos, no campo do processo penal, para assinalar que a proteção dos direitos fundamentais em uma sociedade semi-periférica há de ser interpretada como limite às forças opressivas que historicamente bloquearam aos grupos mais vulneráveis o acesso aos bens da vida.
- A criminologia crítica produzida na América Latina comprova empiricamente o torpedeamento das classes e dos grupos sociais mais frágeis via sistema penal[19].
- Neste contexto, assegurar o núcleo dos direitos fundamentais em cada caso é estratégico. E não se pode duvidar, à luz dos incisos LIV, LV e LVII do artigo 5º da Constituição da República, que a presunção de inocência, o direito ao processo e, consequentemente, o direito à prova sejam direitos fundamentais!
- E se o são, em âmbito penal, é assim por quê?
- Entre nós a impossível coerção sobre a presunção de inocência obedece à lógica de impor limites ao encarceramento como estratégia histórica de controle social. E é contra esta estratégia que o devido processo penal se instituiu no Brasil, pós 1988.
- A tese da irrenunciabilidade (naturalmente que pelo próprio titular do direito) a determinados direitos fundamentais, para preservar a essência destes direitos, não é nova.
- Na palestra alertei para o exemplo: João, denunciado por homicídio doloso, se dirige ao juiz da Vara Criminal e, dizendo-se confiante em seu julgamento, requer seja dispensado do Júri para ser julgado no mérito pelo juiz. De antemão o acusado afirma que aceitará qualquer resultado, até mesmo a condenação.
- Indago: em semelhante hipótese a autonomia de vontade de João produz uma manifestação jurídica válida e apta a dispensá-lo do Júri, garantia constitucional prevista no inciso XXXVIII do artigo 5º?
- Somente a resposta afirmativa a esta questão pode justificar a declaração da constitucionalidade da condenação direta, prevista nos artigos 278 e 279 do Projeto! Até onde sei este não é o rumo ajustado no Brasil, quer na teoria, quer na prática dos tribunais, acerca do Direito ao Júri.
- E a negativa não é uma opção, mas decorre do estatuto dos direitos fundamentais que é adotado no Brasil!
- Concluo, pois, sustentando a inconstitucionalidade da previsão.
As questões da ordem das políticas criminal e judiciária que pressionam pelo Poder Negocial.
Há outras questões a serem investigadas.
- Com efeito, na sequência dos tópicos anteriores, cuidei de abordar as razões latentes da previsão da negociação direta em torno da pena, conforme está nos artigos 278 e 279 do PLS 156.
- Em síntese, ao lado dos motivos manifestos, que são identifi cáveis na Exposição de Motivos, há questões da ordem das políticas criminal e judiciária que estão ocultas, mas que dizem com a realidade do funcionamento cotidiano do Sistema de Justiça Criminal, suas demandas e as articulações um tanto inevitáveis com as pressões de grupos sociais por maior controle.
- Começarei citando dados. Dados coletados pela socióloga Julita Lemgruber para apresentação no Painel 4, Fora da lei, abaixo da vida, do Seminário “A Justiça que queremos”, promovido pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ), em 15 de agosto de 2008.
- A professora Julita buscou em fontes ofi ciais (Ministério da Justiça) os números que falam com eloquência: a população carcerária no Brasil, em 1995, era de 148.760 pessoas. Em 2007 esta população havia saltado para 422.590 pessoas, em uma taxa correspondente a 221 presos a cada 100 mil habitantes, contra 93 presos a cada 100 mil pessoas em 1995.
- Outro número interessante que se extrai da pesquisa diz com a evolução das pessoas sob vigilância, no Brasil, pelo Sistema Criminal, sem encarceramento. A socióloga destaca que em 1995 havia 80.364 pessoas cumprindo penas e medidas alternativas (transação penal e suspensão condicional do processo, conforme os artigos 76 e 89 da Lei dos Juizados Especiais Criminais).
- Este número saltou para 498.729 pessoas em 2008 (maior, portanto, que o de presos, que era de 439.737).
- Para o que nos interessa, porém, o que vale, efetivamente, é somar: Em 2008 havia no Brasil 938.466 pessoas submetidas, de uma forma ou de outra, ao Sistema Criminal.
- Os números revelam o que Nilo Batista denuncia sempre, com lastro em dados registrados oficialmente, mas que parecem tocar pouco à sensibilidade dos juristas: há no País, inegavelmente, uma política de Estado Penal, que se torna aguda se forem somados os números dos mortos em confronto com a polícia, especialmente nos grandes centros urbanos[20].
- O Brasil encontra-se, portanto, em uma encruzilhada e deve escolher entre a amplificação dos “controlados pelo sistema” ou a adoção de estratégias que façam recuar estes números de forma significativa, mediante procedimentos que evitem a todo o custo a intervenção penal, o processo criminal, a aplicação imediata ou postergada de sanções penais de qualquer natureza.
- Respondendo ao professor Gabriel Sampaio, da PUC de São Paulo, que estava na plateia do Seminário, propus que olhássemos com maior atenção as iniciativas de mediação e justiça restaurativa[21].
- Ressaltei, todavia, que não há respostas prontas, mas uma só certeza: quanto mais encarcerarmos, mais encarceramento será demandado[22].
- De toda maneira, aqui está o que interessa. A condenação direta, pelo procedimento do artigo 278 do PLS 156, com confissão (total ou parcial) e expressa dispensa de provas, ainda que o consenso opere sobre a pena mínima cominada, associa-se à política criminal do Estado Penal.
- E a política judiciária?
- Deixando de lado um tanto da discussão sobre ideologias autoritárias e de garantia, não é possível desprezar a vertente constituída pela pressão sobre o Poder Judiciário para julgar mais (em quantidade) e mais rapidamente (celeridade), de sorte a gerir os casos por meio de processos coletivos ou de medidas padronizadas (ver a “Campanha das Metas” do CNJ).
- A questão problemática, no entanto, surge quando se observa no dia a dia dos fóruns criminais que a adoção da oralidade nos procedimentos penais, a partir de 2008, atendendo antiga reivindicação dos juristas democráticos na esfera penal, “quebrou o ritmo” imposto pela demanda de aceleração processual (Lei nº 11.719/08, que modifi cou os procedimentos no atual Código de Processo Penal).
- Não há como “padronizar” os julgamentos das causas penais que se submetem ao procedimento probatório para determinar, em cada caso, a “verdade” dos fatos e assim adjudicar soluções em tese mais justas.
- E com a oralidade, postulada em audiência única (concentração), cada processo se transforma em um “pequeno júri”, ainda que se trate de crimes sem maior gravidade. Demanda-se tempo que consome um no lugar de dois, três ou mais processos.
- O procedimento do Código de Processo Penal reformado em 2008 revelasse inadequado ao propósito de atender às Metas do CNJ!
- O problema não é novo ou original. O profundo processo político de reforma do Processo Penal na América Latina, em seguida às transições democráticas, foi estudado pelo Centro de Estudios de Justicia de las Américas (CEJA), que detectou as dificuldades inerentes à adoção da oralidade.
- Em 2004 participei da publicação coletiva da revista Sistemas Judiciales: una perspectiva integral sobre la administración de justicia (CEJA, ano 4, nº 7), sob o tema “oralidad y formalización de la Justicia”.
- Já naquela ocasião existia farto material disponível para constatar que as dificuldades opostas ao processo civil não se equivalem às do processo penal. Em ambos os casos as questões controvertidas são delicadas. Ambas as esferas aspiram à “neutralidade” ideológica burguesa que faz pender a balança em favor do mais forte. Mas o processo penal consegue ser mais diretamente brutal e, como disse, cobra o preço da submissão em vida e liberdade.
- Assim, os caminhos da “antecipação de tutela” na seara penal (verdadeiro nome deste procedimento proposto) refletem a opção por contornar as dificuldades derivadas da oralidade que, apesar da promessa de audiência única, alarga sobremodo o tempo de resolução dos processos criminais e inviabiliza o atendimento das metas de gestão neoliberal das Justiças em estados periféricos e semiperiféricos.
- A questão está em definir o quanto de compatibilidade existe entre esta estratégia de política judiciária e as garantias constitucionais do processo penal e se a força ideológica neoliberal será suficiente para comprimir as garantias liberais, em uma tensão que decorre de escolhas políticas das quais não há ninguém a salvo.
A “verdade” e o Poder Negocial
Falarei da problemática “questão da verdade” no processo penal.
Início por afirmar que ambos os modelos, acusatório e inquisitório, reivindicam a verdade como sua “fonte de legitimação”.
Mais importante do que tentar determinar o que seja definido como verdade em ambas as estruturas - até pela razão de que não há consenso a respeito - registro que há um “uso político” da verdade, nos dois casos, que merece a nossa atenção e que é por conta desse uso político que é travada a disputa em torno dos poderes dos sujeitos processuais.
Na obra de Taruff há citado (como em vários de seus outros livros)[23], o professor italiano irá destacar a crítica dirigida pelo pensamento jurídico continental europeu ao fato de o processo adversary entregar as provas em aparente exclusividade às partes.
Muito claramente Taruff o relata que os críticos do adversary system salientam que as manifestações mais “fortemente degenerativas” decorrem da incapacidade de a atividade das partes conduzir a conhecimentos “verdadeiros” acerca dos fatos da causa e assinala que por “conhecimentos verdadeiro” se deve entender “as reconstruções suficientemente aproximadas à realidade dos fatos que devam ser comprovados” (p. 43 da obra citada).
O tema é relevante para nós por aquilo que, em Derecho y Razón[24], Luigi Ferrajoli sublinhará como fundamento da legitimidade do exercício do poder punitivo, na sociedade democrática contemporânea, tal seja, a verdade postulada em um processo orientado em direção à verificação dos fatos penalmente relevantes, por métodos que operem à base do cognoscitivismo.
Esta verdade processual invocada como fonte de legitimidade diferenciará os modelos inquisitório e acusatório, conforme a visão de Ferrajoli, entre outros motivos, por não expressar o subjetivismo judicial que, toldado pela ilusão de uma “verdade real”, supostamente estaria a autorizar o juiz penal a partir em busca dos elementos que comprovarão no mundo dos fatos a argumentação de uma das partes!
A impossibilidade de uma completa correspondência entre o fato (situado, pois, no passado, como o nome indica) e a imagem do fato na mente do juiz, a necessária imparcialidade do julgador, como garante da existência do próprio processo penal no Estado de Direito, e os bloqueios éticos à aquisição das informações (proibição das provas ilícitas) separam rigidamente as estruturas acusatórias das de índole inquisitorial.
Ferrajoli, porém, não estreita a crítica, fixando-a somente em relação aos modelos que fortalecem a posição do juiz, quer na gestão da prova, quer no plano da iniciativa para o processo, quando é conformada a imputação nas diversas etapas da persecução (redação do artigo 384 do CPP antes da reforma introduzida pela Lei nº 11.719/08).
O autor de Direito e Razão aduz que a disputa por legitimidade envolve, claro, todas as formas de resolução das questões penais que “dispensam” ou “demitam” a verdade do posto de base ou fundamento da própria decisão.
E, é claro, neste contexto as diversas manifestações de “transação penal” do Common Law encontram-se no foco da discussão, uma vez que o acordo entre as partes prescinde da verificação dos fatos em juízo.
Este é o ponto de vista dominante na formação jurídica continental europeia acerca do (inexistente) papel da verdade no processo penal estruturado na conformidade do acusado à pena negociada.
O olhar do Common Law sobre o assunto, todavia, é outro.
A começar, Taruff o assinalará que a par da impossível definição unitária de um modelo adversary, provavelmente o “único conceito ordenador que se pode considerar exclusivamente típico do adversary system é o da passividade do juiz árbitro na busca da verdade” (grifo nosso)[25]. Em seguida, porém, revelará o quanto isso não é totalmente “verdadeiro”, sequer no sistema de justiça norte-americano.
Em linhas gerais, a ideologia dominante no Common Law acerca da verdade aponta para a crença na “fight theory of truth”, em virtude da qual a mais ampla oportunidade de as partes terem acesso às informações que fundam as suas pretensões em juízo sempre inspirará o comportamento dos adversários/ litigantes, que assim buscarão a melhor solução para o seu conflito, como reflexo dessa verdade possível de ser determinada judicialmente em um “duelo intelectual”.
Nisso jogam categorias e crenças próprias deste sistema. Desde a discovery, ainda que pesando “a disparidade institucional entre o MP e o imputado” (Taruff o, op. cit., p. 11), mas que por conferir às partes, no preâmbulo do procedimento, o conhecimento acerca das armas do adversário, persegue a redução da influência de fatores não derivados da racionalidade jurídica (limitando o espaço de atuação de uma “sporting theory of justice”), até a convicção de que a técnica do “cross examination”, como metodologia para a assunção da prova, viabiliza a produção dessa verdade.
O que parece exato nisso tudo é que Common Law e direito continental europeu, de que somos herdeiros, não falam de uma mesma “verdade” como fundamento de legitimidade do exercício do poder punitivo.
O discurso sobre a “verdade” é distinto em ambos e opera a partir dos objetivos perseguidos onde estes discursos imperam como expressão da visão peculiar do mundo que as respectivas sociedades compartilham.
De um lado a verdade como a “reconstrução suficientemente aproximada à realidade dos fatos”; de outro a verdade como “dominada” pelas partes, que dela fazem o melhor uso, quer em virtude de seus interesses expressos em juízo, quer pela técnica do “cross examination”, sem, contudo, defini-la!
Em “A verdade e as formas jurídicas”[26] Michel Foucault advertia para o “discurso como esse conjunto regular de fatos linguísticos em determinado nível, e polêmicos e estratégicos em outro” (grifo nosso).
É nesse plano “estratégico” que deslizam os dois discursos e suas derivações.
Sem dúvida que por tudo o que mencionei, a opção pelas soluções negociadas de casos criminais haveria, ela própria, de adaptar-se aos discursos legitimadores que circulam no “mundo da vida”. De outro modo, a “transação penal” perderia seu status de técnica aceitável de resolução dos casos penais.
Por último, relembro que na obra de Foucault que mencionei, ao relatar a caminhada do “inquérito”/busca da verdade na constituição da técnica do poder penal por excelência, o filósofo separou também rigorosamente os métodos de solução de litígios entre os que buscam a composição do conflito (ver o mito da história da contestação entre Antíloco e Menelau - Conferência 2) e os que tem por base a verdade.
O processo como “jogo”.
Em minhas aulas tenho dito que os modelos acusatório e inquisitório tocam à busca da verdade e que as soluções penais consensuais tratam de coisa diversa e por isso não se enquadram, diretamente, em quaisquer desses modelos.
Desenvolvo um pouco mais, mas ainda de maneira tópica, uma das questões que tenderá a atravessar o processo penal, em sua versão negocial. Trata-se da “ação estratégica” das partes em busca de persuadir o adversário a compor e de como os instrumentos legais e as práticas de “convencimento” esbarram em uma tradição inquisitória forjada sobre a ideia da verdade.
Com efeito, não há novidade em se compreender o processo guiado pelo princípio dispositivo como um “jogo”.
Em 1950, Piero Calamandrei, professor na Universidade de Florença, escreveu seu famoso artigo denominado “O processo como jogo”, em homenagem ao professor Francesco Carnelutti[27].
Naquela oportunidade e, como quase sempre, muito além de seu tempo, Calamandrei propunha investigar o processo civil orientado pelo princípio dispositivo não por critérios estritamente abstratos, consagrados nos “manuais escolásticos”, conforme rígidos esquemas que raramente aderiam à realidade forense!
Interrogar o cotidiano das atividades processuais e perceber nas ações das partes seus objetivos imediatos e também os indiretos, e as táticas para alcançá-los, dizia muito do complexo em que de fato o processo se constitui e, a partir deste conhecimento seria possível ordenar medidas e prevenir danos em busca de uma jurisdição dirigida à Justiça.
Assim, o passo inicial da investigação do processualista italiano foi dado no sentido de interrogar as partes acerca de seu objetivo final. A resposta, de que Carnelutti irá se desagradar ante sua própria concepção de processo e sua crença moral nas atitudes humanas e nos (bons) propósitos dos “atores” processuais é sem dúvida essa: as partes buscam a vitória!
Segundo este ponto de vista o processo não é o instrumento para necessariamente conceder a vitória a quem tem razão (“para obter justiça não basta ter razão”). Pelo enfrentamento de ações guiadas por objetivos distintos e praticadas para tornar realidade estes objetivos, o processo se encerra em uma sentença que, segundo Calamandrei, “não é uma aplicação automática das leis aos fatos”, mas bem o resultado de “uma competição renhida”, em que não prevalecem apenas as boas razões, mas principalmente “a habilidade técnica para fazê-las valer”.
Pelo menos com duas décadas de antecedência Calamandrei antecipou-se a Carnelutti para destacar na sentença “o ato de eleição (escolha) pelo juiz” da versão prevalecente entre as opostas pelas partes neste duelo intelectual em contraditório.
Como disse, não há novidade alguma nisso, mas com muita frequência a compreensão do novo passa por revisitar o antigo e, quiçá, como adverte Boaventura de Souza Santos, “descobrir com atraso o que sabíamos quando éramos considerados atrasados”!
E a redescoberta aqui diz com táticas e estratégias que as partes empregam para obter um resultado processual nem sempre condizente com aquilo que a doutrina processual penal se acostumou a definir como ponto de encontro das forças em movimento no processo: a verdade!
Quando o autor se apresenta em juízo no começo do processo o faz por meio da petição inicial, que no relato dos fatos e em sua estruturação geral contém o “desenho estratégico”, em nível probatório, daquela que deverá ser a caminhada dele, autor, em busca de uma sentença procedente[28]. É natural que seja assim, pois não se concebe que o autor esteja em juízo desacreditando em sua própria tese.
E, claro, em um processo penal acusatório ou inquisitório, cuja premissa é de que a sentença esteja apoiada em provas dos fatos penalmente relevantes, sempre será possível detectar distorção na seleção dos meios probatórios introduzidos pelas partes ou pelo juiz, uma vez que todos estes sujeitos, conforme estejam previamente comprometidos com alguma hipótese (o juiz, naturalmente, no procedimento de matriz inquisitorial), irão eleger as provas que em sua opinião habilitam a justificar a tese defendida ou eleita. Fugir disso significa buscar uma Justiça para além das possibilidades (características) humanas!
No marco do processo penal orientado pela produção de provas, a estratégia da acusação em um primeiro momento estará voltada, portanto, à demonstração da fiabilidade da imputação. As provas serão propostas com este objetivo e, sendo admitidas, as provas aportam no processo para “instruir” o juiz consoante “a língua falada” pela parte autora. O que não é contraditório com o convencimento, pelo Ministério Público, ao longo do processo, de que a tese inicialmente esposada é inviável, pois está “em contradição” com a prova produzida ao longo da instrução. Por isso a evidente liberdade de o Ministério Público abandonar a versão acusatória e postular a absolvição do acusado.
Em linhas gerais, esta é a legitimação democrática que, com algum esforço, é possível extrair do garantismo penal, fundado em uma filosofia analítica e em seu entendimento “político” sobre o papel da verdade no processo penal, com as amarras que eticizam o processo, em busca de imunizá-lo contra os abusos inquisitoriais (inércia judicial, proibição das provas ilícitas, respeito à dignidade do acusado na relação com as atividades probatórias etc.).
Não há dúvida de que a distância entre ficção jurídica e realidade, mesmo no marco do Garantismo, é abissal e se alarga em um país como o nosso, em que a defesa da enorme maioria dos acusados depende de Defensorias Públicas que ainda não são prioridade para os governantes, ou mesmo da boa vontade da advocacia dativa. A garantia da paridade de armas convertesse apenas em mais um “chavão teórico”, presente nos novos “manuais escolásticos”, porém quase desaparecida da realidade do Sistema de Justiça Criminal.
Tal distorção, todavia, acaba incrementada na Justiça Penal de caráter negocial.
É que o novo horizonte estratégico, neste caso, não está ditado pela seleção de provas para influir no convencimento do juiz.
Não há provas neste contexto! Elas estão banidas do processo negocial, não porque sejam inúteis ou irrelevantes, mas pela razão de dificultarem os acordos probatórios!
Em sua crítica dura ao debate, ao seu juízo supérfluo do ponto de vista científico, sobre se há sentido em falar em um princípio acusatório, Montero Aroca sublinha que a “mítica” que envolve o adversary nos Estados Unidos é desmentida diariamente pelo apelo a um procedimento não adversarial, o plea bargaining, em que se empenham tão ferozmente todos os envolvidos, incluindo o juiz e o próprio advogado do réu, que pressionam este último a “aceitar” o acordo e assim dar conta do maior número de casos possível[29].
A partir da ideia-chave do modelo negocial, de que partem todos, incluindo juiz e defensor, de que “o acusado se presume culpado”[30], os sujeitos processuais empenham-se decididamente a convencer o réu a “acordar” (!?).
E nisso estão ordinariamente baseadas as estratégias de convencimento que, já em 1950, Calamandrei advertia, focalizando o uso tático (lateral) das medidas cautelares. Em outras palavras: em um contexto de “jogo” em que o resultado não depende de provas, mas da persuasão do adversário para forçá-lo a aceitar o acordo, o uso das providências cautelares desviadas da função de proteção processual revela-se uma arma extraordinária!
E aí eu alerto não somente para o emprego das cautelares na investigação, para onde as atividades processuais são decididamente deslocadas (antecipadas), em um ambiente de menor influência da defesa e menos permeável ao contraditório, mas também para a chamada Blitz-krieg dos procedimentos cautelares (Calamandrei), esgrimida como meio de coerção psicológica.
Bernd Schünemann irá destacar o “efeito hidra” das cautelares, no processo penal alemão, como fonte de estímulo aos acusados a aceitarem a “conformidade”, o acordo penal![31]
O sufocar do investigado, na fase preliminar, com adoção de medidas cautelares que retiram dele suas fontes de renda e sobrevivência e, não raro, a própria liberdade, não apenas serve para angustiá-lo, sob o ângulo psicológico, e enfraquecê-lo, tornando factível e “interessante” o acordo, como funciona ainda como uma espécie de “radar das infrações penais desconhecidas”, que seriam recolhidas por esta “rede” de providências cautelares de modo bastante simétrico às investigações inquisitoriais do procedimento eclesiástico da Idade Média!
Não por acaso o comportamento processual que se espera do acusado, na negociação penal, igualmente remete à Idade Média: a confissão!
E como escapar à conformidade, ao acordo, em condições tão desfavoráveis?
Em 2009, o Conselho Nacional de Justiça levantou dados sobre a correspondência entre prisões cautelares e as que se originam em condenação. O quadro do CNJ fala por si e pode ser consultado no link.[32]
Schünemann sublinhará, na Alemanha, que em 1980 47,5% dos presos provisórios não eram condenados posteriormente[33]. E especificamente sobre os acordos penais, o professor alemão referirá que “substituíram a investigação da verdade material a ser realizada em um juízo oral, como base da sentença, pelo consenso do participante... mediante a submissão dele ao marco de uma sentença acordada previamente”[34].
Este método abarcava na Alemanha de um quarto a um terço dos casos penais, em fins dos anos 80. Em pelo menos a metade deles havia prisão provisória[35].
Considerações finais
Este é, pois, o cenário em que trava a disputa pelo exercício do Poder Negocial no Brasil. Advertir para isso é também, e principalmente, função do jurista. Trata-se de compromisso com o Estado de Direito e, senão por todas as razões que justificam a homenagem a partir da biografia exemplar de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, essa, a sua persistente batalha pelo Estado de Direito já recomendaria ser a obra o veículo do meu pensamento.
Fica aqui também meu fraternal abraço!
* Este artigo foi redigido em fevereiro de 1995 e publicado originalmente no livro Em torno da Jurisdição, de Geraldo Prado. A obra em questão é uma coletânea de textos, votos e artigos produzidos pelo autor entre 1995 e 2010.
PRADO, Geraldo. Em torno da Jurisdição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 137-156
Notas e Referências:
[1] Agradeço à pesquisadora Fernanda Peixoto pelo trabalho de organização de texto e bibliografi a.
[2] Sistema e estrutura no Direito, São Paulo, WMF Martins Fontes, 2008.
[3] Las caras de la justicia y el poder del Estado, Editorial Juridica de Chile, 2000.
[4] El proceso civil adversarial en la experiencia americana, Bogotá, Temis, 2008.
[5] HOBSBAWN, Eric e RANGER, Terence. A invenção das Tradições, 6ª Ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2008.
[6] Proceso Penal y Libertad, Pamplona/Navarra, Thomson/Civitas, 2008.
[7] SALAS CALERO, Luis. La Ley Patriótica USA, em Terrorismo y Proceso Penal Acusatório, Valencia, Tirant Lo Blanch, 2006.
[8] http://gpgrupodeestudos.blogspot.com, consultado em 07 de setembro de 2010.
[9] History of the Common Law: the development of anglo-american legal institutions, Aspen, 2009.
[10] Langbein et alli, op. cit. p. 709.
[11] ALSCHULER, Albert e DEISS, Andrew. Breve historia del jurado criminal en los Estados Unidos, in Cuadernos de Doctrina y Jurisprudencia penal, ano VIII, n. 14, Buenos Aires, Ad Hoc.
[12] Langbein et alli, op. cit. p. 709.
[13] CARNELUTTI, Francesco. Observaciones sobre la imputación penal, em Cuestiones sobre el proceso penal, Buenos Aires, Libreria El Foro, tradução da obra de 1950, p. 135.
[14] Ver Taruff o, obra citada, cap. 1.
[15] KAGAN, Robert. Adversarial Legalism: the american way of law, Harvard, 2003.
[16] WACQUANT, Loïc. As duas faces do gueto, São Paulo, Boitempo, 2008, p. 123
[17] PRADO, Geraldo. Transação Penal, 2ª ed., RJ, Lumen Juris, 2006, p. 189.
[18] Obra citada, p. 70.
[19] ZAFFARONI, Eugenio Raul. En busca de las penas perdidas, 4ª reimpressão, cap. 1, Ediar, Buenos Aires, 2005.
[20] FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro”, Rio de Janeiro, Contraponto, 2008.
[21] SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal: o novo modelo de justiça criminal e de gestão do crime, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007. PALLAMOLLA, Raff aella, monografia vencedora do 13º Concurso de Monografias de Ciências Criminais do IBCCRIM, sob o título “Justiça Restaurativa: da teoria à prática”, 2009.
[22] BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade, Rio de Janeiro, Zahar, 2009.
[23] La Prueba - Madrid, Marcial Pons, 2008. La prueba de los hechos, Madrid, Tro[ a, 2002.
[24] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón:Teoria del Garantismo Penal, 4ª ed., Tro[ a, Madrid, 2000, p. 69.
[25] El proceso civil..., op. cit., p. 5.
[26] FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas, Rio de Janeiro, Nau, 2005, p. 9.
[27] CALAMANDREI, Piero. Il processo come giuoco, Rivista di Diri[ o Processuale, vol. V, parte I, CEDAM, Padova, ano 1950, p. 23 – 51.
[28] ANDRÉS IBAÑEZ, Perfecto. Valoração da prova e sentença penal, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 39.
[29] La inutilidad del llamado principio acusatorio para la conformación del proceso penal, obra citada, p. 81.
[30] Idem, p. 83.
[31] SCHÜNEMANN, Bernd. La reforma del proceso penal, Madrid, Dykinson, 2005, p. 33.
[32] http://www.ciddh.com/archivos/pdf8597741916.ppt#326,1,Slide%201, consultado em 07 de setembro de 2010.
[33] SCHÜNEMANN, obra citada, p. 32.
[34] Idem, p. 44.
[35] Ib idem, p. 45.
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Geraldo Prado é professor da UFRJ e consultor jurídico.
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