Pessoa jurídica tem direito a justiça gratuita desde que demonstre sua impossibilidade de arcar com as despesas processuais

17/04/2016

Por Vitor Vilela Guglinski – 17/04/2016

O entendimento consolidado na súmula nº 481 do STJ trata de condição imposta à pessoa jurídica para que faça jus aos benefícios da assistência judiciária gratuita, regulada pela Lei nº 1.060/50, qual seja, a comprovação de que não pode arcar com os encargos processuais, sem prejuízo próprio, não importando se suas atividades possuem ou não finalidade lucrativa.

Confira-se o verbete:

Corte Especial – SÚMULA n. 481

Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais. Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, em 28/6/2012.

COMENTÁRIOS

Antes mesmo de a Constituição Federal de 1988 estatuir o amplo acesso ao Poder Judiciário como direito fundamental (art. 5º, XXXV – princípio da inafastabilidade da jurisdição), a edição da Lei nº. 1.060/50 representou uma importante conquista social, ao garantir o acesso à Justiça aos mais necessitados. O parágrafo único do art. 2º, da referida lei considera necessitado todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Adiante, no art. 4º, estabelece que para fazer jus aos benefícios daquela lei, basta que a parte faça simples afirmação de que não está em condições de suportar tais ônus, afigurando-se verdadeira exceção à regra processual no sentido de que o ônus da prova incumbe a quem alega alguma coisa.

A preocupação do legislador pátrio em garantir o amplo acesso aos órgãos do Poder Judiciário pode ainda ser observada na edição de outras importantes legislações como a Lei nº. 7.437/85 (Ação Civil Pública), o Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9.099/95 (Juizados Especiais), evidenciando, assim, a necessidade de garantir ao cidadão o exercício de seus direitos mais básicos, bem como assegurar-lhe a não violação das garantas que lhe foram constitucionalmente conferidas.

Em contraposição a tal estatuto, o art. , LXXIV, da CF 88, dispôs que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Nesse caso, a assistência a que se refere a Carta fundamental é aquela prestada pela Defensoria Pública, definida no caput do art. 134 da CF/88.

Nada obstante, após anos de exegese dos dispositivos da Lei 1.060/50, os tribunais pátrios foram, paulatinamente, firmando o entendimento de que a simples alegação de hipossuficiência da parte é bastante a garantir o gozo dos benefícios da Lei de Assistência Judiciária.

No entanto, duas situações devem ser consideradas para se compreender a súmula em comento: (i) da pessoa natural e (ii) da pessoa jurídica.

No caso das pessoas naturais, a simples alegação de que não possui meios de arcar com os encargos do processo é suficiente para autorizar o deferimento dos benefícios da assistência judiciária pelo juiz. Nesse caso, há uma presunção relativa (juris tantum) da impossibilidade de suportar as despesas do processo, a qual, no entanto, pode ser perfeitamente elidida pela parte contrária, com a demonstração de que quem requereu o benefício não o merece. A esse respeito, é bastante comum na prática forense que aquele que deseja produzir prova nesse sentido requeira ao juiz a expedição de ofícios à Receita Federal e aos bancos onde a parte ex-adversa eventualmente possua contas com saldo elevado, aplicações etc., de modo a comprovar, assim, situação financeira capaz de gerar a revogação da medida pelo magistrado.

Sobre o tema, o Professor André Lins Almeida, comentando recente decisão concedendo a assistência judiciária a um médico pelo TJSC, esclarece didaticamente:

“1) para uma pessoa física ter reconhecido o direito à justiça gratuita, basta pleitea-lo nos auto

2) Há uma presunção de hipossuficiência do solicitante (mesmo que possua diversos bens em seu nome e patrimônio considerável).

3) Caso a parte contrária discorde da concessão do benefício, deverá apresentar, perante o juiz “a quo”, o incidente próprio estabelecido no art. , § 2º, da Lei nº 1060/50[2], qual seja a impugnação à concessão do benefício da gratuidade (nunca o agravo de instrumento), onde deverá juntar provas de que o beneficiário não faz jus à gratuidade.

4) O simples fato de uma pessoa natural possuir diversos bens e um salário vultoso não afasta a presunção de veracidade dos fatos de quem solicita o benefício da justiça gratuita, pois o beneficiário possui diversas despesas, como aquelas referentes à sua família e aos gastos com a manutenção de seus imóveis que, inclusive, não possuem liquidez.

5) Caberia, portanto, à parte contrária provar que, além de o médico possuir relevante patrimônio, não possui despesas que o tornem beneficiário da justiça gratuita, afastando, portando a presunção de veracidade das alegações do solicitante” (http://atualidadesdodireito.com.br/andrelins/2012/06/14/comentariosanoticia-tjsc-concede-pedido-de....

Quanto à pessoa jurídica, a jurisprudência majoritária sempre exigiu que ela, ao requerer a assistência judiciária gratuita, comprovasse previamente sua hipossuficiência. A tese já era consagrada na jurisprudência do STF, conforme a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS. 1. A pessoa jurídica necessita comprovar a insuficiência de recursos para arcar com as despesas inerentes ao exercício da jurisdição. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido (STF – Segunda Turma, AI 652954 AgR/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ 18/08/2009).

Advirta-se, contudo, que há magistrados contrários a essa tese, e que por isso deferem a assistência judiciária gratuita às pessoas jurídicas quando elas tão somente afirmam não ter condições de suportar as despesas do processo, aceitando, portanto, a presunção relativa nesse sentido.

Não se pode perder de vista, ainda, um importante detalhe contido na súmula em questão: é irrelevante que a pessoa jurídica possua ou não fins lucrativos. Com efeito, não é a finalidade lucrativa que norteia o instituto de que tratamos, pois há pessoas jurídicas que exercem atividades que não possuem esse objetivo, tais como: associações, fundações, sociedades sem fins lucrativos (cooperativas, sociedades uniprofissionais etc.), organizações religiosas, partidos políticos (art. 44 - CC/2002).

Registre-se que, em alguns casos, pode até ser que haja eventual lucro decorrente da atividade das pessoas acima arroladas, mas deve-se ter em mente que esse lucro será meramente acidental, v. G., a realização de um evento beneficente por uma associação filantrópica para angariar fundos destinados a algum projeto, uma festividade realizada por um condomínio para a melhoria de sua estrutura etc. Tais situações são bastante comuns. Assim, percebe-se, claramente, que eventual lucro auferido não é o fim almejado pela pessoa jurídica, mas um resultado casual. Em outras palavras, será tão somente a sobra do que for aplicado na atividade fim.

Por derradeiro, como a pessoa jurídica poderá comprovar sua hipossuficiência para que mereça o beneplácito em questão?

Pensamos que isso seja possível através da juntada de declaração de renda junto à Receita Federal, demonstração de bens penhorados em processo de execução, estar em processo de recuperação judicial ou extrajudicial (no caso de sociedades empresárias) etc. Uma vez comprovada a hipossuficiência, tornar-se-á a pessoa jurídica merecedora dos benefícios da justiça gratuita, nos termos da súmula nº 481 do STJ.


Vitor Vilela Guglinski. Vitor Vilela Guglinski é Advogado. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Ex-assessor jurídico da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG). Autor colaborador dos principais periódicos jurídicos especializados do país. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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