PEC 241: pilar de uma ponte para o futuro

25/10/2016

Por Thiago Ribeiro Rafagnin - 25/10/2016

Antes de adentrar ao debate de mérito da PEC 241, parece-me relevante destacar que a Constituição Federal pode ser alterada, mediante um procedimento dito pela doutrina jurídica como complexo e qualificado, pois há requisitos e limitações, dispostos no art. 60 da Constituição. Classificada por juristas como rígida (de difícil modificação), incrivelmente (ou não), ela já foi modificada 91 vezes. A tendência é que seja alterada novamente até o final deste ano.

Aqueles que sustentam a rigidez constitucional consubstanciam seu posicionamento no fato das emendas à constituição estarem adstritas aos limites e requisitos do art. 60 da Constituição da República, tais como a discussão e votação, em dois turnos, em cada uma das casas legislativas, bem como o quórum qualificado de 3/5 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para aprovação. Todavia, sob a égide do presidencialismo de coalizão (e do ativismo judicial)[1], não há que se falar em rigidez constitucional.

Pois bem, dito isto, posso adentrar ao mérito do presente escrito: a PEC 241. Proposta pelo presidente Michel Temer, à Câmara dos Deputados, em 15 de junho do corrente ano, em suma, busca alterar não a Constituição em si, mas o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), com a finalidade de instituir um Novo Regime Fiscal. A justificativa para alteração do ADCT reside no fato da alteração proposta ser de caráter “provisório”, pois vigorará por 20 anos, sendo possível que haja uma revisão em dez.

A PEC pretende acrescentar cinco artigos ao ADCT, os arts. 101 a 105, e fixar limite individualizado para a despesa primária total dos três Poderes, inclusive ao Tribunal de Contas da União, Ministério Público da União e Defensoria Pública da União.

Fato é que, literalmente, não se vislumbra no texto da PEC 241 qualquer menção literal a “cortes de despesas”. Entretanto, é preciso lembrar que haverá sim o congelamento de “despesas” da União, eis que a correção dos valores relacionados às despesas primárias ocorrerá por meio da variação da inflação. O texto fala inclusive na utilização do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IBGE) na correção dos mencionados.

Nesse sentido, destaco o asseverado pelos próprios subscritores da exposição de motivos da referida - o Ministro da Fazenda Henrique Meirelles e o secretário-executivo, do Ministério do Planejamento, Dyogo de Oliveira – asseveram que:

[...] fixar meta de expansão da despesa primária total, que terá crescimento real zero a partir do exercício subsequente ao de aprovação deste PEC, o que levará a uma queda substancial da despesa primária do governo central como porcentagem do PIB.[2] (GRIFEI).

Muito tem se discutido acerca do congelamento dos “gastos sociais”[3], que são as “despesas” do Estado, entre outras, em saúde, educação e assistência social. Os defensores da PEC têm dito que em nenhuma linha da referida é possível encontrar qualquer menção a essas três áreas.

Verdade.

Entretanto, quando se analisa de forma atenta e aprofundada, o texto da proposta chama atenção do leitor devido à utilização de diversas expressões próprias das discussões orçamentárias. Dentre elas, há uma que me chamou atenção: despesa pública primária.

Mas, afinal, o que é uma despesa pública primária? É aquela na qual não se consideram os efeitos financeiros, decorrentes de juros. Portanto, é a primeira despesa do governo, aquela que ele dispõe para executar as suas políticas públicas[4]. O detalhe aqui é que a despesas com o pagamento de juros da dívida não se enquadra nesse conceito.

Dito isso, a tese dos defensores da PEC 241 de que não haverão “cortes” (ops! Congelamento!) em áreas fundamentais como saúde, educação e assistência social, cai por terra. Isso porque, tais áreas se enquadram no conceito de despesa pública primária, afinal estão diretamente relacionadas às políticas públicas (sociais), portanto, serão afetadas pelo contingenciamento orçamentário, a ser limitado pelo IPCA.

O objetivo da proposta, segundo Michel Temer, é o equilíbrio das contas públicas. Caso a PEC seja aprovada neste ano, o que tende a ocorrer sem nenhum empecilho político[5], o orçamento disponível para o ano de 2017 será o mesmo que o deste ano, acrescido da inflação. Eis aí outro argumento que os defensores da PEC têm sustentado, de que os “gastos sociais” aumentarão no próximo exercício fiscal.

É verdade.

Ocorre que de 2018 em diante, com o crescimento da economia e a estabilização da inflação, o teto dos “gastos sociais” será congelado. Isso porque será corrigido apenas de acordo com a inflação. Logo, o valor a ser investido nas áreas mencionadas, será menor em termos de porcentagem em relação ao Produto Interno Bruto. É um descalabro tal congelamento, pois, historicamente, os “gastos sociais” tem superado a inflação, afinal, há crescimento populacional, adoecimento, envelhecimento, entre outros fatores.

De fato, a busca pelo equilíbrio das contas públicas é primordial para a sanidade fiscal do Estado, afinal, não se pode gastar mais daquilo que se arrecada. Esse é um princípio básico de economia, inclusive de economia doméstica. Em nossa casa é tremendamente insano gastar mais daquilo que se dispõe. Aliás, é essa analogia que tem sido feita pelo Governo na defesa da aprovação da PEC. Trata-se, contudo, de uma analogia falaciosa, eis que, em nosso lar, quando necessitamos cortar despesas, certamente, que não cortamos aquelas relacionadas à saúde, por outro lado, revemos aquelas relacionadas às dívidas bancárias.

Deixo claro que não discordo que deva haver o equilíbrio das contas públicas. Ele deve haver. Entretanto, a PEC 241 buscará tal objetivo a custa do sofrimento dos mais pobres e da classe média[6]. Afinal, são vocês (sim vocês que estão lendo) que utilizam o Sistema Único de Saúde, que são beneficiários dos diversos programas da Assistência Social, que fazem parte da classe trabalhadora (lembrem que o Ministro da Fazenda está “vendendo” a eficácia da PEC atrelada à aprovação das reformas trabalhista e previdenciária que suprimirão os seus e os meus direitos. É um grande combo para a “solução” do desequilíbrio fiscal). Ademais, as universidades e institutos federais tendem a ser precarizados com a imposição desse teto aos “gastos públicos”, assim como as instituições de ensino privadas serão atingidas com o contingenciamento de recursos disponíveis para o FIES.

Enquanto isso, banqueiros (não confunda com a categoria dos bancários) e especuladores financeiros seguirão ganhando “rios” de dinheiro com o pagamento de juros da dívida pelo Estado brasileiro. Aliás, se analisarmos o orçamento da União executado no ano passado (2015), poderemos verificar que seu valor total é de aproximadamente R$ 2,268 trilhões de reais. Desse valor, 3,91% foi investido em educação; 4,14% em saúde; 3,03% em assistência social. Por outro lado, 42,43% foram utilizados para o pagamento de juros e amortização da dívida pública.

Então, é com a imposição de um teto para as despesas públicas primárias, dentre elas saúde, educação e assistência social que se atingirá o equilíbrio fiscal? Ora, até pode ser possível que se atinja o equilíbrio, mas a custa, como já se mencionou, de muito sofrimento do povo brasileiro, do povo pobre[7], humilde, por outro lado, os banqueiros e especuladores seguirão lucrando, talvez até mais do que hoje.

Por que não se faz uma auditoria da dívida pública?[8]

Não se faz auditoria e revisão de contratos com medo de deixar os banqueiros e especuladores desgostosos?

Será o medo do “mercado financeiro”?

Afinal, quem é o mercado financeiro?

Seria ele um ser onipresente, sem rosto, sem corpo, mas que tudo quer e em tudo manda?

Seria medo de contrariar a cartilha de organismos internacionais, como o FMI? Aliás, me parece que o Prof. Benoit Frydman está correto quando afirma o fim do “Estado de Direito”, haja vista que se tem governado por standards e indicadores[9].

Por que não se buscam alternativas menos dolorosas aos mais pobres e a classe média, como, por exemplo, a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (art. 153, VII, da CF)?

Há estudos de direito financeiro e tributário que indicam que com a sua regulamentação poderia o Estado arrecadar cerca de R$ 100 bilhões ao ano. A Constituição brasileira tem 28 anos, é absolutamente ridículo[10] que o Imposto sobre Grandes Fortunas não tenha sido regulamentado após todos esses anos. Perceba que não se trata da criação do tributo, apenas da regulamentação de algo que tem previsão constitucional.

Por que não se corrige a tabela do imposto de renda, para que se taxe quem tem maior capacidade contributiva, desonerando aqueles que menos têm, a exemplo da classe média trabalhadora?

Por que não se tributam fortemente os agrotóxicos (para se ter uma ideia, sobre medicamentos a tributação é de cerca de 34%[11], enquanto que de agrotóxicos 22%)?

Por que não se suprime a imunidade tributária das igrejas e templos religiosos?

Enfim, essas são apenas algumas ideias/sugestões/alternativas à PEC 241. Como já mencionei, a busca pelo equilíbrio fiscal é fundamental. Mas ele não pode ser obtido à custa do sofrimento daqueles que menos tem, pois se com o “gasto” orçamentário de 3,91% em educação; 4,14% em saúde; e 3,03% em assistência social a situação já não é nada agradável, então, imagine com o congelamento das despesas primárias pelos próximos 20 anos.

A PEC 241 nada mais é do que um dos pilares de sustentação de “uma ponte para o futuro”[12], o programa de governo proposto pelo PMDB em outubro de 2015, quando Michel Temer ainda era vice-presidente. Tal documento merece uma leitura atenta e ampla discussão, o que não farei neste momento.

Resta saber de que futuro trata o documento. Se a PEC 241 é um dos pilares de uma ponte para o futuro, certamente trata-se de um futuro com aprofundamento das desigualdades sociais, com a primazia do Estado mínimo, no qual banqueiros, especuladores financeiros e organismos internacionais seguirão dominando a agenda pública.

Com a iminente aprovação da PEC 241, caminharemos, por longos 20 anos, numa ponte que nos levará a um futuro sombrio em que o “mercado financeiro”, standards e indicadores hão de se sobrepor ao Estado de Direito, é o fim.


Notas e Referências:

[1] Tema para outra discussão.

[2] Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1468431&filename=PEC241/2016

[3] Abomino a utilização da expressão “gastos sociais”. Ora, a implementação dos direitos sociais, através de políticas públicas (sociais) não pode ser encarado pelo Estado como “gasto”, mas como “investimento”.

[4] Disponível em: http://www.orcamentofederal.gov.br/glossario-1/glossario_view?letra=D

[5] Lembrem, vivemos sob a égide do presidencialismo de coalizão. Logo, os apoios congressuais são constituídos na base das “trocas” políticas. Não é uma crítica direta ao governo do Presidente Michel Temer, mas ao presidencialismo de coalizão em si, eis que todos os presidentes anteriores se utilizavam de seus instrumentos. Aproveito, todavia, para tecer uma crítica direta ao ex-presidente Lula, eis que sua eleição poderia ter representado a ruptura desse sistema político. Se fizermos uma análise conjuntural da época em que fora eleito, poderemos perceber que haviam condições sociais e políticas para que se pusesse fim ao presidencialismo de coalizão.

[6] Sim, a classe média será duramente afetada, claro que em menor escala que os mais pobres.

[7] Aqui vai um alerta para a classe média. Você, membro da classe média! Você pensa que é rico, mas, na verdade, você não é.

[8] Aliás, essa é uma das grandes marcas negativas do governo Dilma, pois foi vetada a auditoria pela ex-presidente Dilma Rousseff.

[9] Vide FRYDMAN, Benoit. O fim do Estado de Direito: governar por standards e indicadores. Tradução de Mara Beatriz Krug; Revisão de Jânia Maria Lopes Saldanha. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016.

[10] Entretanto, se observarmos a composição congressual, ao longo dos últimos 28 anos, veremos a razão pela qual não houve regulamentação.

[11] Vide http://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/03/politica/1457029491_740118.html

[12] Disponível em: http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf


thiago-ribeiro-rafagnin. . Thiago Ribeiro Rafagnin é Pesquisador e Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Católica de Pelotas. Jurista. E-mail: rafagnin40@hotmail.com.. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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