Para um (im)possível diálogo entre Processo Penal e Psicanálise

18/03/2015

Por Alexandre Morais da Rosa - 19/03/2015

O convite formulado por Miranda Coutinho para que a psicanálise penetre “definitivamente no processo penal, para cumprir uma missão fundamental’[2] deve, pois, ser levado a sério, a fim de que se possa indicar como, mais ou menos, funciona o mecanismo de decisão judicial, eis que a consciência plena é ilusória. Este ir ao encontro do um-juiz humano, portador de uma subjetividade que opera dentro da ‘Instituição’, para encontrar emoções, desejos, complexos, é um caminho rumo à democratização do ato decisório. Não se trata, evidentemente, de eclipsar seu lugar, nem de aceitar a decisão consensual entre as partes envolvidas sobre o ‘caso penal’, muito menos de adotar uma ‘psicologia do eu’. Cuida-se de reconhecer a influência do inconsciente[3] do um-julgador no momento do ato decisório, uma vez que “não tem sentido manter uma venda nos olhos para fazer de conta que o problema não existe.[4]

Então, para aproximar os discursos, é preciso desvelar que a eterna luta entre o bem e o mal ainda perdura, sendo ‘pano de fundo’ inconsciente das práticas penais, cuja abjuração não é, definitivamente, simples, principalmente pelo locus que a Instituição aponta ao um-juiz, portador da palavra Divina, um semi-Deus. Não foi à toa que Legendre afirmou que procurar adentrar nessa seara é uma ‘atividade clandestina’, subversiva do ‘lugar-tenente’, justamente por querer discutir até que ponto a ‘consciência plena e objetiva’ se sustenta, isto é, discutir a legitimidade do mandatário do Outro. A censura – o silêncio – sempre foi e é a palavra de ordem. Afinal, a Instituição precisa realimentar o locus, “dos quais se espera que declarem, eles os oniscientes e os prestigiosos, como se chama a realidade, como se nomeiam as coisas, se elas são boas ou não, isto é, verdadeiras ou falsas.[5]

Talvez o melhor exemplo dessa linhagem divina, ainda incrustada no inconsciente de parcela dos julgadores, seja a do juiz espanhol Eduardo Rodríguez Cano que ‘julgou Jesus Cristo’[6]. Magistrado da ‘Audiência Provincial de Granada’, Cano, em 21 de março de 1990, proferiu decisão analisando a ‘constitucionalidade’ do julgamento de Jesus Cristo, ocorrido no ano 33. Assim é que, julgando a causa de Jesus, o Nazareno, Filho de Deus – como se referia ao então acusado –, após narrar a vida do cordeiro de Deus, desde o seu nascimento em Belém, reconheceu, por fim, que o procedimento adotado não respeitou a condição humana do acusado: “Eduardo Rodriguez Cano confesó a los periodistas que habia dictado la sentencia ‘como si fuese una oración, como un acto de amor en esta sociedad deshumanizada’. ‘Al haberla dictado me considero casi un blasfemo porque no soy nadie para juzgar o Cristo, pero mi intención há sido la de que Jesús de Nazaret tuviera una sentencia justa y dar una lección a los que le juzgaron’, afirmó.” Anote-se que, por evidente, todos já falecidos, enterrados.

Só faltaram, depois, os delírios de perseguição e a formulação de uma nova raça, como queria o também magistrado Schreber, copulando com Deus[7]. Freud analisou, a partir do livro de memórias do próprio Schreber, as particularidades de sua paranoia[8]. Lacan retomou esta discussão[9], partindo dos dados existentes, segundo os quais, após um delírio hipocondríaco, inicia-se uma crise de estafa irrompida pela nomeação para o cargo de Presidente do Tribunal de Apelação de Leipzig e o desgosto de não ter um filho. A esses fatos seguiram-se diversas internações. Destacando a importância do médico, Dr. Flechsig – apressando o passo aqui neste escrito –, Lacan aponta que os ‘raios divinos’ são a evidência de que neste caso de delírio avançado se encontra uma, “verdade que lá não está escondida, como acontece nas neuroses, mas realmente explicitada, e quase teorizada.”[10] É importante perceber que entre a primeira crise e a segunda decorreram oito anos em que Schreber exerceu ‘normalmente’ as funções de juiz, mas a assunção ao cargo de Presidente lhe fez desenrolar o delírio, conforme aponta Lacan: “Essa função, que tem o caráter de uma eminência, confere a ele, dizem, uma autoridade que o alça a uma responsabilidade, não inteiramente total, mas pelo menos mais plena e mais pesada que todas as que teria podido esperar, o que nos dá o sentimento de que há uma relação entre essa promoção e o desencadear da crise. Em outros termos, no primeiro caso, põe-se em função o fato de que Schreber não pôde satisfazer sua ambição, no outro, que ela foi realizada pelo exterior, de uma forma que se ratifica quase como imerecida. O mesmo valor desencadeador é reconhecido nesses dois acontecimentos. Anotam que o presidente Schreber não tenha tido filho para consignar um papel fundamental à noção da paternidade. Mas se admite, ao mesmo tempo, que é porque ele acede finalmente a uma posição paterna que, ao mesmo passo, o temor à castração revive nele, com uma apetência homossexual correlativa. Eis o que estaria diretamente em causa no desencadeamento da crise, e acarretaria todas as distorções, as deformações patológicas, as miragens, que progressivamente vão evoluir como delírio.”[11] Não se precisa ir mais longe. Com o relato desse delírio é possível perceber claramente que os trilhamentos do ‘Complexo de Édipo’, os significantes constitutivos do aparelho psíquico, influenciam o um-juiz durante toda a sua existência, sem que se possa dissociar o juiz de seu sujeito (in)consciente. Logo, enquanto proferiu decisões no Tribunal em Leipzig, por óbvio, sua construção apareceu nas decisões por ele proferidas, muitas vezes mitigada pela retórica empolada do discurso jurídico.

Em terra tupiniquim, por certo, os ‘Schrebers‘ e outras singularidades, idiossincrasias, existem, mas o lugar, repita-se, encontra-se censurado em nome da objetividade, neutralidade. De qualquer forma, correndo-se o risco de cometer pecado de pensar este lugar, cumpre reconhecer que mesmo que o Estado tenha se separado da Igreja, a estrutura de fazer amar o censor ainda é, na base, a mesma, bem como a prática de adestramento. Tanto assim que Bueno de Carvalho aponta essa lógica divina: “Quando o julgador fala de si mesmo emerge discurso efetivamente alienado dando a si próprio ares de divindade. O exemplo palmar desta ótica (aqui manifestada com todo o respeito) é a ‘Prece de um Juiz’, do magistrado aposentado João Alfredo Medeiros Vieira, vertido para quinze línguas. E assim começa a prece; ‘Senhor! Eu sou o único ser na Terra a quem Tu deste uma parcela de Tua onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes. Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem, à minha palavra obedecem, ao meu mandado se entregam... Ao meu aceno as portas das prisões se fecham.... Quão pesado e terrível é o fardo que puseste em meus ombros!... E quando um dia, finalmente, eu sucumbir e já então como réu comparecer à Tua Augusta Presença para o último juízo, olha compassivo para mim. Dita, Senhor, a Tua sentença. Julga-me como um Deus. Eu julguei como homem. O texto explica-se por si só. E o que é pior: nós (juízes e povo) acreditamos na idéias do mito juiz-divindade.[12]

Prado argumenta que diante da dificuldade do ‘lugar de julgador’, o magistrado pode tentar ser ‘divino’, a Justiça encarnada, com capacidade de ser o representante do Outro: “Esse fenômeno chama-se inflação da persona, que ocorre quando os magistrados de tal forma se identificam com as roupas talares, que não mais conseguem desvestí-las nas relações familiares ou sociais. A inflação da persona causa fragilidade ou rigidez da psique. É notório o comportamento de certos juízes de 2a instância que se julgam superiores aos de 1a instância, seus colegas. São clássicas, também, certas atitudes de juízes que se colocam de modo intimidativo diante dos advogados, das partes e dos funcionários do Poder Judiciário, sendo revereciados pelos primeiros e temidos pelos outros.[13]

É necessário, pois, desvelar que esse discurso opera, buscando-se as matrizes condicionantes (ideológica, criminológica, social, midiática, etc.) e inconscientes que, definitivamente, fragmentam a função de julgar numa sociedade complexa, à margem do capitalismo, no qual o Direito Penal possui uma tarefa de adestramento estratégica. Desse ‘dar-se conta’, assim, em muito depende para que lado a atuação ocorrerá, porque sob o disfarce da neutralidade, disse Lyra Filho, não é mais possível se esconder: ”O que importa não é ser neutro (se ninguém o é) ou engajado (já que todos são): é achar o engajamento certo e defendê-lo, sem frouxidão, nem sectarismo.[14]

O próprio sistema de recrutamento, verdadeiro ritual de passagem, empurra o juiz para o lugar de SemiDeus, uma vez que a realização de concurso público de provas e títulos se fundamenta muito mais na ‘decoreba’ de regras jurídicas do que em qualquer outra questão, talvez mais importante, impondo o autoreconhecimento (in)consciente de que os eleitos, ou seja, os que lograram êxito no certame, são indiscutivelmente os melhores. Daí para a soberba e postura ‘paranoica’ é um passo pequeno, uma investidura. Percebe-se corriqueiramente a quantidade cada vez mais crescente de candidatos aos concursos públicos, sendo aprovados somente os, em tese, mais preparados. É verdade, de outra face, que cada Tribunal organiza como quiser a prova e os avaliadores possuem imensa liberdade no que perguntar, gerando, não raras vezes, perplexidade sobre o conteúdo indagado, deixando a latere qualquer subjetividade: afinal o juiz é, para eles, neutro. Somente questões objetivas importam, acreditando-se que os juízes, no fundo, precisam é decorar a lei. Argumenta Andrade que: “Decora-se o direito dogmático, e a aprovação é corolário. Desnecessária qualquer sensibilidade e senso de justiça social. Um desumano, de memória fotográfica, pode tirar primeiro lugar.”[15] As entrevistas realizadas, em muitos casos, são meros rituais, dado que o candidato sabe exatamente o que deve responder, sob pena de ser barrado, como afirma Nalini: “O treino oficial para os concursos faz com que todos os candidatos ofereçam a mesma resposta: Por vocação! Por ideal! Sempre pensei em ser Juiz! Ninguém se atreveria a dizer: Preciso de emprego! Tenho família para sustentar! Preciso me casar e não tenho salário! Não dei certo na advocacia! Estou prestando todos os concursos porque a carreira pública ainda é uma boa opção num Brasil globalizado com incertezas ditadas pelos globalizantes![16]

De qualquer forma, a pretensão é de que os melhores na ‘memorização’, como diz Nalini, sejam acolhidos, e “aquele que foi escolhido, quando tantos haviam sido chamados e restaram inaproveitados, tende a se considerar quase-gênio, aquinhoado com atributos inusitados, um ser muito especial.”[17] O ‘salvador está ordenado’ e daí em diante pode operar em nome de Deus, porque muitos serão os chamados e poucos os escolhidos.

Então aqui o ‘narcisismo do juiz’ ganha mais um ingrediente. É que primeiro ocupa um lugar de ‘portador da palavra do Outro’, depois assume o papel de ‘Inquisidor’ na gestão da prova, em busca da mitológica ‘Verdade Real’, e, ainda, pela maneira como se engaja, acaba acreditando que é o escolhido, o mandatário Divino capaz de conceder – com as implicações psicanalíticas do termo – a segurança jurídica, até a aposentadoria, claro. Nesse pensar, juízes se sentem (e precisam se sentir) membros natos, guardiães da verdade ligada à certeza; substituição cartesiana que veio preencher o vazio da verdade verdadeira, mas que não rejeitou seu lugar fundante. Warat assinala: “Nos diversos seminários de humanização da magistratura, trabalhamos os diversos efeitos perversos do lugar dos magistrados. É um lugar vivido com uma força muito especial, já que existem magistrados que vivem o lugar como se fosse o templo de alguma divindade. Este é vivido por muitos (mais do que democraticamente dever-se-ia esperar) como o Olimpo, um lugar onde pode se sentir um agregado dos deuses gregos. Eles não sabem que os templos destinados aos deuses gregos estavam sempre vazios em seu interior (inacessíveis para estranhos), nunca se encontrava nada, apenas era um culto ao inacessível. A diferença está em que os deuses gregos tinham consciência desse vazio: nossos magistrados agregados não a têm. O lugar enche os juízes de tristes arrogâncias, que se diluem na aposentadoria. Não existe maior tristeza que a de um juiz aposentado que, em toda sua vida ativa, acreditava ser agregado do Olimpo e agora, tem de passar sua inércia vital pelas gôndolas desertas de um supermercado, sendo as três da tarde um laborioso mártir.”[18]

Neste pensar, o Outro, por seus porta-vozes, diz mais ou menos o seguinte: A verdade existe e pode ser conseguida no processo penal se seguido um método interpretativo próprio, conforme lhes ensinarei. Legendre tinha razão ao vindicar o caráter messiânico dos ‘Juristas de Ofício’, sempre lotados das ‘melhores das intenções’, evidente. Amém[19].

Mas como ‘Eles não Sabem o que Fazem’ (Zizek), alienados que estão pelo que simbolicamente se erigiu em face de seu locus, fomentada desde a graduação, prestam-se a funcionar como ‘Juristas do Ofício’ que, para os platônicos, não poderia ser nada mais digno, diz Rorty: “Li Platão durante o verão de meus quinze anos e me convenci de que Sócrates tinha razão: virtude era conhecimento. (...) Assim, decidi me graduar em filosofia. Eu imaginava que, se me tornasse um filósofo, poderia chegar ao topo da ‘linha dividida’ de Platão – o lugar ‘além das hipóteses’, onde o sol fulgurante da Verdade banha com seus raios a alma purificada dos sábios e dos bons: um campo elísio repleto de orquídeas imateriais. Parecia óbvio que chegar a um lugar assim era o que qualquer um que tivesse alguma coisa na cabeça realmente queria. Também parecia claro que o platonismo tinha todas as vantagens da religião, sem requerer a humildade que o cristianismo demandava, e da qual eu era aparentemente incapaz.[20]

Com efeito, os juízes manipulam mais eficazmente na medida em que são mais manipulados sem o saber, a violência simbólica (Bourdieu) instalada de forma eficiente no inconsciente. Acreditando que ‘Dizem o Direito’ mordem a isca, e a pescaria está garantida. O poder é exercido em nome próprio, numa perfeita ‘apropriação indébita’ escamoteada, já que adverte o velho Carnelutti: “A ilusão não se pode conservar mais que a condição de permanecer dentro dela. E há os que permanecem nela toda a vida. Felizes eles!”[21]

O um-juiz, todavia, é uma singularidade; não existe como sujeito abstrato e universal. São diferentes no tocante ao sexo, idade, instrução, ideologia, trilhamento do Complexo de Édipo, experiências pessoais, são neuróticos, obssessivos, paranóicos, psicóticos e esquizofrênicos, capazes de num processo, então, ao invés de julgar o acusado, estar, na verdade, diz Bueno de Carvalho, condenando “a si, mas quem vai para o presídio é o outro.[22] Apesar de ser a projeção um dos mecanismos de defesa do eu, pode acontecer no julgamento, consoante assevera Prado: “O ato de julgar implica projeção, entendida como um mecanismo inconsciente, por intermédio do qual alguém tira de si e coloca no mundo externo (em outro, ou em alguma coisa) os próprios sentimentos, desejos, e demais atributos tidos como indesejáveis. Essa ligação entre julgamento e projeção traz um complicador, a formação de sombra. Por isso, creio ser importante que o juiz – mais talvez do que qualquer outro profissional – entre em contato com seus conteúdos sombrios, trazendo-os à consciência. Dessa forma, poderá talvez projetá-los menos. Isso ocorrerá se buscar entender o significado desse possível infrator que – como todo ser humano – tem dentro de si, reconhecendo-o como tal.[23]

Além disso, no mundo jurídico existe disputa, inveja, revanchismo, hostilidade, prepotência, arrogância, corrupção. Não é o ideal professado nas aparências, definitivamente. Porém, dar conta dessa situação retira a carga messiânica, lembrando-se que a conta por decidir precisa, sempre, ser paga por alguém...

Recuperando os momentos antes descritos noutro lugar[24], acrescidos da crítica formulada sobre as dificuldades de um juiz universal,  indica-se as possibilidades do Sistema Garantista (SG) que, ciente de suas limitações, e na pretensão de estabelecer uma racionalidade possível no Processo Penal brasileiro, possa indicar um sendero. Relembre-se que o Sistema Garantista (SG) de construção de verdade (processual) reconhece a existência de parcelas de poder indissociáveis nos ordenamentos jurídicos artificialmente construídos e, desta forma, pretende ser um modelo ideal capaz de (des)legitimar os sistemas processuais penais existentes, a partir de “graus de garantismo dos sistemas penais concretos, segundo o grau de decidibilidade da verdade processual que normativamente permitam e efetivamente satisfaçam. (...) O problema do garantismo penal é elaborar tais técnicas no plano teórico, torná-las vinculantes no plano normativo e assegurar sua efetividade no plano prático.[25]

O modelo, como tal, mostra-se como o oposto aos modelos autoritários, em especial que manejam a ‘epistemologia inquisitiva’ ou ‘anti-garantista’, diferenciadas basicamente por dois aspectos: a) definição normativa e b) comprovação judicial do desvio punível. É que para além da previsão legal, o objeto do processo vincula o desvio ao aspecto ôntico imoral/anormal, herdeiro do ‘pecado’ e da ‘anormalidade’, e por conseqüência, seu autor, como sendo imoral em si mesmo. O julgamento, portanto, congrega a análise da moralidade/normalidade da conduta e do acusado, refinado posteriormente pelo discurso – herança ‘positiva’ – da ‘periculosidade’ do agente, cujos efeitos nefastos ainda hoje se materializam. Nesta perspectiva ôntica, o Princípio da Estrita Legalidade é deixado a latere, eis que há necessidade de uma ‘abertura conotativa’ capaz de fazer incidir, via fórceps, os desviados aos tipos penais que nada regulam empiricamente. Ferrajoli aponta como as figuras mais nefastas do moderno obscurantismo penal a “concepção positiva-antropológica do ‘delinqüente natural’, a doutrina nazista do ‘direito penal da vontade’ ou do ‘tipo de autor’ (Tätertyp) e a stalinista do ‘inimigo do povo’[26], podendo-se acrescentar a de “subversivo”, tão em voga em passado nem tão distante na história brasileira.

Dito diretamente, cumprindo-se o projeto de exclusão: perseguir nem tanto pelo que se fez, senão pelo que é. Há nítida confusão entre Moral, Direito e Natureza, retoricamente adereçada pela garantia da legalidade ideal e formal, esvaziada pelas regras penais abertas ao poder de disposição hermenêutico.

Por outra parte, o segundo elemento da epistemologia anti-garantista manifesta-se pelo ‘decisionismo processual’, avivado pelo caráter não cognitivo, mas potestativo da Jurisdição e da irrogação da pena, capaz de tornar o Processo Penal mero mecanismo de legitimação da sanção, baseado em “valorações, diagnósticos ou suspeitas subjetivas do que de provas de fato.[27] Logo, a verdade processual é remetida para uma instância incontrolável, dado que subjetiva, consistente na convicção pessoal do julgador[28], isto é, ‘sem verdade’ faticamente demonstrável. Para o Sistema Garantista (SG), então, o processo de secularização do Direito Penal e a conseqüente liberdade/tolerância de consciência se mostra, como visto, necessário: “Somente separando o direito da moral, e reconhecendo-se o caráter inteiramente artificial, convencional e contingente das figuras legais de caráter penal, pode-se evitar o artifício ideológico de superpor ao desvalor jurídico um apriorístico desvalor moral, natural, ou em qualquer caso substancial, e, por conseguinte, de subordinar as investigações criminológicas e, por outro lado, os juízos ético-políticos ao ponto de vista interno dos juízos de desvalor jurídico que constituem o objeto de umas e de outros.[29]

A separação entre Direito e Moral tida como pressuposta no Estado Laico, no que se refere ao Direito Penal, não se realizou. Constitui-se o que Stein denomina ‘paradoxo da Modernidade’: “Corremos hoje exatamente este risco de estar muitas vezes falando das coisas modernas e não percebendo que estamos fazendo isso apenas como uma espécie de jogo de máscaras, por trás das quais continuamos os mesmos, isto é, os eternos metafísicos, os eternos indivíduos autocráticos.”[30] A estrutura formal do ‘crime’ e as heranças que povoam os hábitos – (in)conscientes – judiciais deixam evidenciado que o ‘discurso moral’ é um condicionante no processo decisório. Acrescente-se que a secularização, entendida como a “cisão entre a cultura eclesiástica e as doutrinas filosóficas (laicização), mais especificamente entre a moral do clero e o modo de produção da ciência”[31], é agravada em terra tupiniquim em face dos condicionantes antes indicados. A mudança da explicação teológica[32] pela contratual da tolerância[33], própria da Modernidade, não conseguiu se livrar, no Direito Penal, do julgamento da pessoa e da subjetividade do acusado, principalmente no que se refere à aplicação da pena. Mesmo sendo uma resposta à ‘Inquisição’ e seus nefastos efeitos, pode-se perceber a ultra-atividade de criminalizações baseadas na moral, na pessoa, nos antecedentes, nas idéias e pensamentos dos indivíduos...

No Direito Penal, mesmo com a laicização do Estado – processo de secularização – e das pomposas declarações do senso comum teórico de rompimento do Direito com a Moral, em nome do ‘juridicismo’, do apego ao texto legal, as bases liberais do Direito Penal são obliteradas mediante, basicamente, dois mecanismos. O primeiro é ausência de controle do ‘Princípio da Legalidade Estrita’, servindo como recurso retórico, ponto em que a obra de Ferrajoli possui uma importância democrática fundamental ao exigir, pelo Sistema Garantista (SG), a existência de uma conduta externa, material, ofensiva e culpável, como condição à validade epistemológica do Processo Penal. Todavia, aceito o ‘princípio da mera legalidade’, a decantada separação entre Direito e Moral é simples argumento retórico. O segundo é processual, no ato decisório. Conquanto o juiz deva fundamentar a decisão com base nas provas coletadas, há imenso espaço para escolha discricionária das condicionantes, isto é, do modelo de Direito Penal acolhido, a estrutura do bem jurídico, a compreensão da conduta, culpabilidade (para ficar somente nestes campos de poder). Logo, o que era em teoria, pretensamente seguro, torna-se, na prática, mero legitimador da sanção. Decorre daí o papel de relevante exercido pelos juízes na construção no Simbólico da consciência moral culposa[34].

Por mais que exista no discurso consciente um processo de secularização, consistente na separação entre ‘mala in se’ e ‘mala prohibita’, no qual o Estado contemporâneo se fundamenta, percebe-se matreiramente a subsistência de um condicionante simbólico-ontológico da ligação do crime com o pecado, estimulado pela ‘Escola Positiva’, pelos interesses da ‘Mídia’ e, contemporaneamente, pelos movimentos conservadores de repressão total. É que a teoria geral ainda vincula o ilícito civil e o ilícito penal ao ‘mala in se’, gerando conseqüências que se materializam no ato decisório. De certa forma o expediente da teoria do ‘bem jurídico tutelado’, um ‘desvalor da vida social’, por se referenciar a lugares comuns – patrimônio, vida, liberdade –, traz consigo as marcas dessa ontologia-maligna-em-si-mesma, já que o bem tutelado é tudo que possa satisfazer as necessidades do homem[35]. Em outras palavras, partindo da premissa de que o Poder Legislativo somente estabelece tipos penais para condutas com desvalor social, sem um aprofundamento – ou dar-se conta criminológico – o estereótipo do ‘mala in se’ mantêm sua força persuasiva de adesão valorativa, acrescida do fato de ser emitida em nome do Outro[36]. Apesar de no consciente não se manifestarem ostensivamente, de forma latente são condicionantes da convicção e podem, muitas vezes – ensina a psicanálise –, mostrar-se pelos lapsos, atos falhos e adjetivações que escorregam na motivação decisória, mormente nos ‘delitos sexuais’.

Bueno de Carvalho, ex-magistrado de carreira, reconhece que, em alguns casos, o ato de julgar os processos que envolvem ‘crimes sexuais’, “envolve fantástica atuação do exegeta. Torna-se presente as próprias fantasias, frustrações, angústias, temores, prazer (sofrido ou não). Ou seja, ao falar de crimes sexuais, por maior que seja a busca do possível distanciamento (...) sempre explode a minha sexualidade.”[37] Este atestado subscrito por um magistrado analisado, por certo, deixa antever o quanto pode se esconde por trás da empáfia de muitos:  “Os maiores mafiosos vão à missa todos os domingos, quando não todos os dias e, na porta da igreja, tramam os mais terríveis crimes; os grandes defensores da moralidade (visite-se, por exemplo, as salas dos Tribunais, nos julgamentos dos crimes contra a liberdade sexual!), não raro são infatigáveis pervertidos; democratas de palanques são senhores do totalitarismo, como mostraram certos políticos que, durante o regime militar eram havidos como os símbolos de um novo tempo e, depois, eleitos, usaram do poder para confirmarem-se no antidiscurso.[38]

Já se fixou no início que o Direito orbita em torno da questão da sexualidade, e, com maior vigor, nos delitos propriamente sexuais. Além disso, os magistrados são pessoas humanas e como tais, podem possuir características psicóticas, perversas, neuróticas, enfim, não são máquinas[39], nem deuses. Citando Scapini – também juiz gaúcho – afirma Bueno de Carvalho sobre a postura de certos magistrados que em outros delitos: “tomam depoimentos quase que telegráficos, sempre indo ao cerne do delito, nos crimes sexuais atuam em sentido oposto: são minuciosos, ricos nos detalhes até os de menos importância, tudo parecendo texto do Marquês de Sade. Num olhar razoavelmente crítico (buscando o que está atrás da realidade aparente) parece que há interesse de um espectador de filme pornográfico (um voyeur?). Em verdade, uns dizem (e com certa razão) que em delitos tais é necessário chegar às minúcias porque tudo ocorre, como regra, às escondidas. Será este o real interesse? Será que não há mórbida eroticidade na coleta de dados? Será que não aparece, aí, a ponta do iceberg do estuprador (sentido lato) que existe em nós? Scapini, o brilhante Juiz, vai pela segunda hipótese. Vez mais (como tantas na vida) estou com ele!’[40]

No mesmo sentido, Carvalho Filho, em tom de literatura, narra a história da oitiva judicial da filha da pretensa vítima de furto de dinheiro, em que os acusados eram seus amigos e junto com ela fizeram uma ‘festa’ na ausência dos pais. Naquela situação, o juiz também foi ‘fundo’ nas indagações, apesar de ser o ‘caso penal’ de crime contra o patrimônio, demonstrando que a ‘perversidade’ pode irromper em todos os locais, inclusive nas salas de audiência, na maioria das vezes, sob o mote de descobrir a ‘Verdade Real’, escondendo motivações inconfessáveis: “Juiz: Sua mãe diz que você não é mais virgem. É verdade? Menina: É, e daí? Juiz: Olha, menina, você deve responder às perguntas, sem comentários, sem fazer caretas. Entendeu? Você está prestando um depoimento judicial. É coisa muito séria. Você perdeu a virgindade naquele fim de semana? Advogado: Pela ordem, Excelência, os réus não são acusados de delito sexual e... Juiz: Um juiz deve ser minucioso, doutor. [Voltando-se para a menina.] Eu sei que são intimidades, mas eu devo conhecer os detalhes do caso. Sou obrigado a perguntar. Para te proteger, as portas estão fechadas. [agora, com ternura.] Você era virgem? Menina: Não. Minha primeira vez faz dois anos! Juiz: Foi com algum dos réus? Menina: Isso interessa? Juiz: Se eu pergunto, interessa sim. Menina: Não foi com nenhum deles, não! Juiz: E com os réus, você já manteve relações? Menina: Com um deles. Agora... Eu preciso dizer? Juiz: Precisa. Advogado: Excelência, eu... Juiz: Eu já disse que não vou admitir interrupções, doutor. Depois o senhor terá oportunidade para reperguntas. O senhor se contenha, por favor. [Para a menina.] Está bem, você não precisa dizer. Eu permito. Nesse fim de semana houve sexo entre vocês? Sua mãe conta que a cama dela foi usada por vocês. O que aconteceu? Menina: Minha mãe é louca. Juiz: Responda a pergunta. Você é muito atrevida, sabia? Isso não é bom. Menina: Ah..., eu transei na hora de dormir, mas na minha cama, tá? A gente fica junto de vez em quando... Juiz: Que tipo de relações vocês mantêm de vez em quando? Menina: Sexual [Rindo.] Juiz: Eu sei, eu entendi. Quero saber se vocês também fazem sexo anal, coisas diferentes. Menina: Mas por que essas perguntas? Nós não fazemos nada errado. Juiz: Responda à pergunta, garota. Menina: Não e não. Juiz: Ele é seu namorado? Melhor dizer, é melhor para eles. Menina: Não. A gente é só amigo. Juiz: Isso é normal entre vocês, entre pessoas da sua idade? Menina: O que? Juiz: Ter relações sexuais com os amigos. Menina: Ah, às vezes.[41]

Como as decisões no Estado Democrático de Direito precisam ser motivadas, para além do ‘policiamento semântico’, é constatável que tal irrupção vem à tona, escapa, tanto assim que é comum se encontrar nos textos reconhecidos pelo senso comum teórico o deslize, o ato falho, onde – ensina a psicanálise –, aparece a ‘verdade do sujeito’. As expressões: ‘Reza a lei’; ‘Pontifica fulano’; ‘Professa beltrano’; estas e outras maneiras de enunciação, no fundo, demonstram o lugar divino também do enunciador. Mesmo quando há um controle lingüístico, a ‘estrutura’ divina – do Um – esconde-se por detrás do ‘véu democrático’. Esse imbricamento funciona para servir de guardião ao desejo, fixando as barreiras (proibições)[42] impostas pela lei humana, como mandatária da Lei do Outro. Mesmo não sendo perceptível no discurso penal, até porque os recursos retóricos tamponam seu aparecer, ela está presente no ato falho, no lapso. Para além do antijurídico, as concepções morais e divinas avivam astutamente. A segurança prometida pela definição material (mundo da vida) da conduta incriminada vinculada a um ‘bem jurídico’, todavia, desfaz-se na e pela linguagem. E quanto a isso não há salvação. Sabendo-se que o discurso consciente é o local do engano e nos deslizes pode-se perfeitamente ver irromper a vinculação teológica ao pecado, especialmente nas decisões em que se absolve pela dúvida (CPP, art. 386, VI), onde, não raro, se lê: “É temerário condenar o acusado, baseado unicamente nas provas investigatórias, quando estas não tiveram qualquer respaldo na fase instrutória. (...) Se o acusado cometeu a mostruosa façanha descrita na denúncia [estupro], contra sua própria filha, sua reprimenda escapa à justiça dos homens, restando em seu desproveito a inaplacável justiça de Deus e de sua própria consciência.[43] Ou, ainda, com destaque para o ‘plural’ – que faz pensar...: “Tenho certeza de que o tempo em que o acusado já permaneceu preso, deve ter servido para se penitenciar de todos os pecados que porventura tivessem (sic) cometido ou até pensado em cometerem (sic) servindo, ainda, para que se conscientizasse para sempre de que a integração total na sociedade como elementos produtivos é melhor caminho, obedecendo não somente as nossas leis, mas principalmente a infalível Lei de Deus.[44]

Por aí se constata que a divisão entre ‘crime’ e ‘pecado’ pode escorregar no inconsciente do um-julgador, trazendo o fundamento de sua ‘missão na terra’: julgar um semelhante, como já restou delineado; constitui-se em ‘mecanismo de desencargo’, não mais retórico, mas divino. A lógica é a de que se o acusado é culpado e a Justiça Divina de primeiro grau falhou, a eterna, o Tribunal de Deus, jamais falhará. Tudo isto numa sociedade (que se diz) democrática! Procede, portanto, a crítica de Pimentel et alli referindo-se ao julgado transcrito: “vale ressaltar que este é um processo em que, mais uma vez, o juiz parece praticamente ter ‘delegado o julgamento do crime de estupro à justiça divina’, talvez para se manter com sua consciência um pouco mais tranquila.”[45]

Assim é que abrir espaço para se reconhecer que os jogadores processuais e o julgador possuem inconsciente e que ele opera no ambiente forense é inadiável. Aproximar-se do processo penal com a psicanálise aumenta a complexidade, não fosse a simplicidade do sujeito consciente imaginário puro. E disso se faz processo penal.


Notas e Referências:

[2] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A lide e o conteúdo do processo penal. Curitiba: Juruá, 1998, p. 139-140. Ver também: CASARA, Rubens  R.R.; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. DIVAN, Gabriel. Decisão Judicial nos crimes sexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010; MARCOS DA SILVA, Cyro. Entre autos e mundos. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

[3] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A lide e o conteúdo do processo penal..., p. 143: “Acidentes desagradáveis (acidentes de trânsito onde não se tem culpa e se sai ferido, portando cicatrizes para o resto da vida ou perdendo pessoa íntima, querida; casa arrombada por ladrão; sequestro para fins de extorsão; violências sexuais; experiência com familiar toxicômano, fatos externos os mais variados), levam ao inconsciente um traço negativo que, de retorno ao consciente tende a involuntariamente ser projetado às outras pessoas.”

[4] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A lide e o conteúdo do processo penal..., p. 143.

[5] LEGENDRE, Pierre. O amor do censor. Trad. Aluísio Menezes. Rio de Janeiro: Forense, 1983., p. 213.

[6] VALIENTE, Quico Tomás; PARDO, Paco. Antología del disparate judicial. Barcelona: Random House Mondadori, 2002, p. 115: “El magistrado explicó que la idea de revisar el processo contra Jesucristo desde la Audiencia Provincial de Granada se le ocurrió tras una conversación com un amigo suyo que le encargó el pregón para la cofradía de la Virgem de las Maravillas y el Cristo de la Sentencia. (...) Asseguró que no le costó mucho ‘llegar a la conclusión de que si aquel juicio se hubiera celebrado con todas las garantias (Jesucristo) hubiera sido absuelto, entre otras cosas porque sólo tuvo acusadores y nadie que le defendiera’.”

[7] SANTNER, Eric L. A Alemanha de Schreber: uma história secreta da modernidade. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

[8] FREUD, Sigmund. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (dementia paranoides). In: Obras psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 15-89, v. XII.

[9] LACAN, Jacques. O seminário: as psicoses. Trad. Aluisio Menezes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. (Livro 3), p. 30-42.

[10] LACAN, Jacques. O seminário: as psicoses..., p. 37.

[11] LACAN, Jacques. O seminário: as psicoses..., p. 40-41.

[12] BUENO DE CARVALHO, Amilton. O juiz e a jurisprudência: um desabafo crítico. In: BONATO, Gilson (Org.). Garantias Constitucionais e Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 5.

[13] PRADO, Lídia Reis de Almeida. O Juiz e a Emoção. Campinas: Millennium, 2003, p. 43.

[14] LYRA FILHO, Roberto. Por que estudar Direito, hoje?..., p. 9.

[15] ANDRADE, Lédio Rosa de. Direito ao Direito Curitiba: JM, 2001, p. 36.

[16] NALINI, José Renato. Prefácio. In: PRADO, Lídia Reis de Almeida. O Juiz e a Emoção. Campinas: Millennium, 2003. p. XIV.

[17] NALINI, José Renato. Prefácio. In: PRADO, Lídia Reis de Almeida. O Juiz e a Emoção..., p. XI.

[18] WARAT, Luis Alberto. O Ofício do Mediador. Florianópolis: Habitus, 2001, p. 224/225.

[19] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade. Trad. José Luís Bolzan de Morais. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1995., p. 67: “Desde esta perspectiva a função intelectual é imediatamente política e a função política imediatamente sacerdotal. Recordaremos que Deus se infere do clérigo. Não como maquinação mas como sua condição de possibilidade, o pedestal ilusório do seu poder real. Todo discurso de verdade evoca uma realidade simbólica, que atua como memória coletiva (um sistema de subjetividade coletiva) no seio das relações políticas. É o sentido comum (que não é outra coisa que a subjetividade modelada pela instituição social)”.

[20] RORTY, Richard. Pragmatismo: a filosofia da criação e da mudança. Trad. Cristina Magro. Belo Horizonte: UFMG, 2000, p. 155-156.

[21] CARNELUTTI, Francesco. A prova Civil. Trad. Lisa Pary Scarpa. Campinas/SP: Bookseller, 2002, p. 17.

[22] BUENO DE CARVALHO, Amilton. O juiz e a jurisprudência..., p. 6.

[23] PRADO, Lídia Reis de Almeida. O Juiz e a Emoção..., p. 46-47.

[24] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2013.

[25] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer et alii. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002., p. 57.

[26] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 36.

[27] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 36-37.

[28] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 37: "Não motivado por juízos de fato, isto é, por inserções verificáveis ou refutáveis, mas por juízos de valor, não verificáveis nem refutáveis porque, por sua natureza, não são verdadeiros nem falsos; não baseado em procedimentos cognitivos, pelo menos tendencialmente, e, por isso, expostos a controles objetivos e racionais, senão em decisões potestativas; não realizado mediante regras de jogo - como o ônus da prova e o direito à defesa - que garantam a ‘verdade processual’, mas confiado à sabedoria e à ‘verdade substancial’ que eles possuem."

[29] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 302.

[30] STEIN, Ernildo. Epistemologia e crítica da modernidade. Ijuí: Unijuí, 1991, p. 19.

[31] BUENO DE CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2001, p. 1.

[32] BUENO DE CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena..., p. 2: “O processo de secularização, dessa forma, possibilita outra mudança copernicana nas ciências, pois o saber passa a ser fundado na razão do homem. A análise do homem racional funda o antropocentrismo, negando toda e qualquer perspectiva ontológica de verdade (verdade em si), iniciando o processo que, no século XX, redundará na universalização dos direitos humanos.”

[33] BUENO DE CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena..., p. 8: “A expressão tolerância expressa de forma magnífica o postulado secularizador de que qualquer pessoa tem o direito de ser e continuar sendo o que é, independentemente de ser considerada perversa, não sendo legítima qualquer reprimenda ao seu ser.”

[34] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade..., p. 86: “Por último, o discurso jurídico envolto pelas representações simbólicas do superego da cultura (sobretudo a partir de suas manifestações juridicistas) organiza o lugar comum das penas com efeito tranqüilizador de uma coerção beatificada, que mantém os protagonistas sociais em um permanente estado de crença sacra. (...) O superego da cultura funciona, então, como uma medicina da alma, que sublima o desejo, englobando o poder como uma trama de crenças efetivas, com uma sexologia que justifica e assegura a autoridade dos chefes.”

[35] WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 52-63; VARGAS, José Cirilo de. Do tipo penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000; CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002; TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003,

[36] LEGENDRE, Pierre. O amor do censor..., p. 34: “A ideia da Salvação está entre os juristas de tal modo associada à pena e ao benefício moral, que freqüentemente aproveitei, em duplo sentido, o tema e graça dessa bem-dita palavra também para o analista.”

[37] BUENO DE CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena..., p. 81.

[38] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 4-5..

[39] BERBERI, Marco Antonio Lima. Os princípios na teoria do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 3: “Ninguém é máquina, nem mesmo aquele que julga seus semelhantes, o que faz que dele não se possa exigir outra conduta que não aquela falível.”

[40] BUENO DE CARVALHO, Amilton; CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena..., p. 84-85: “Ao longo dos anos venho tentando analisar e compreender a conduta de Juízes na condução de determinados tipos de processos. Interessante notar como depoimentos, nos processos que tratam de estupro, por exemplo, são minuciosos, contrariando, às vezes, a forma comum de proceder. Isto significa que o questionamento, nesses casos específicos, é minucioso, chegando a detalhes irrelevantes e impertinentes, como se o processo despertasse maior atenção, maior curiosidade, enfim, aguçasse algum sentido. Por isso e por outros tipos de reação frente a tais casos pensei na possibilidade de o Juiz, ser humano, restar envolvido pela história do processo. Em outras palavras: creio que o fato do crime de estupro, atendo-me ao exemplo, pode mexer com a sexualidade do próprio julgador, fazendo com que, inconscientemente, ele se projete na pessoa do réu, ou da vítima, com mórbido prazer ou com intenso sofrimento. Isto poderia redundar em conduta benevolente ou excessivamente rigorosa.’ Seja como for, verdadeira ou não a constatação (não sou psiquiatra e não descarto a possibilidade de estar equivocado), o que me parece evidente é que os Juízes também precisam de alguém para cuidá-los, principalmente, os que trabalham nas áreas criminais, de família e da infância e juventude, onde afloram os mais profundos sentimentos, as mais dramáticas situações.”

[41] CARVALHO FILHO, Luís Francisco. Nada mais foi dito nem perguntado. São Paulo: Editora 34, 2001, p. 17-18.

[42] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade..., p. 81: “Desta forma, os saberes como intérpretes da lei censuram o desejo ajustando-o às certezas básicas, que eles mesmos criaram, quer dizer, que interpretando a lei criam visão de mundo juridicista como interdito da sexualidade.”

[43] PIMENTEL, Silvia, et alli. Estupro: crime ou ‘cortesia’?: abordagem sociológica de gênero. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998, p. 130.

[44] PIMENTEL, Silvia, et alli. Estupro: crime ou ‘cortesia’?..., p. 149.

[45] PIMENTEL, Silvia, et alli. Estupro: crime ou ‘cortesia’?..., p. 150.


Alexandre Morais da Rosa Doutor em Direito. Professor de Processo Penal na UFSC. Juiz de Direito. Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                


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