Para não dizer que não falei de Warat

13/05/2016

Por Elpídio Paiva Luz Segundo – 13/05/2016

A primeira vez que ouvi falar em Warat foi em 2002, na PUC-Minas, em uma aula de Teoria Geral do Processo ministrada pelo Professor Rosemiro Pereira Leal, que falara sobre a força do mito entre os juristas.

Após a aula, dirigi-me à biblioteca do campus e lá tive um “espanto”, no sentido filosófico do termo. Encontrei entre as prateleiras um livro intitulado “Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade”, de Luis Alberto Warat, editado pela Sergio Fabris, de Porto Alegre.

Portenho de origem polonesa, Warat foi professor na sua terra natal e no Brasil. Aqui, lecionou na Unisinos, na UFSC, na UFRJ, na URI e na UnB. Gerações de juristas brasileiros e argentinos aprenderam a aprender o Direito[1], com as escusas do trocadilho, com o argentino. Entre seus orientandos estão os Professores Lênio Luiz Streck e Leonel Severo Rocha, que foram seus alunos no Mestrado em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.

Uma pausa antes de avançar. O texto waratiano é organizado em quatro partes, quais sejam: i) reflexões preliminares; ii) o monastério dos sábios; iii) o poder da pureza; iv) elementos de epistemologia crítica. Além disso, inclui um “apêndice didático”.

Este artigo se propõe a examinar o primeiro capítulo da segunda parte, qual seja, “o monastério dos sábios: o sentido comum teórico dos juristas”, de 1986.  De antemão, percebe-se que, passados quase trinta anos da Constituição de 1988, pouco mudou[2], pois continua-se a olhar o novo com os olhos do velho[3].

Mas, o que é isto: olhar o novo com os olhos do velho?

Uma nova Constituição, erigida com base em uma nova matriz teórica, precisava de novos modelos de análise: uma teoria das fontes, uma teoria da norma e uma teoria hermenêutica que abarcasse os direitos de segunda e terceira dimensões[4]. Como a Constituição continuou a ser concebida como um documento de cariz político até o raiar do constitucionalismo da efetividade, apostou-se em uma doutrina constitucional de vanguarda, que levou, como efeito colateral, a um ativismo inconsequente.

Se o novo modelo apostava na estrutura do Direito (objetivismo), ter-se-ia adotado uma postura de perfil subjetivista, o que ensejou o decisionismo e, igualmente, o instrumentalismo, no âmbito do processo civil, assim como o padrão inquisitivo, no processo penal[5]. Para enfrentá-los, a hermenêutica funcionaria como um dique para impedir que a democracia como método e forma de organização política fosse substituída pelo “governo dos juízes”.

Para sair dessa aporia, é necessário questionar o lugar do sujeito e a noção de verdade. Será o sujeito de direito, de um prisma exegético, ou, talvez, normativo, o âmago a partir do qual é produzido o direito? Como é que se cria a percepção juridicista do mundo?[6] Ela dá conta das malhas do real? Warat fala de uma ilusão epistêmica, que é captada, por exemplo, na ideia da “verdade real” presente no Direito Processual Penal.

O sentido comum teórico dos juristas deve ser compreendido como[7]:

Um conglomerado de opiniões, crenças, ficções, fetiches, hábitos expressivos, estereótipos que governam e disciplinam anonimamente a produção social da subjetividade dos operadores da lei e do saber do direito, compensando-os de suas carências. Visões, recordações, ideias dispersas, neutralizações simbólicas que estabelecem um clima significativo para os discursos do direito antes que eles se tornem audíveis ou visíveis.

Como se nota, o senso comum teórico dos juristas diz respeito a saberes acumulados e expressados na prática jurídica institucional por meio de um bloco de representações morais, teológicas, metafísicas, estéticas, políticas, tecnológicas, científicas, epistemológicas, profissionais e familiares que os juristas anuem em suas atividades, por influência da dogmática jurídica e que estão presentes  nas faculdades de Direito, nos tribunais, nas associações profissionais e na administração pública[8].

Dito isso, o senso comum teórico teria quatro funções: a) normativa, b) ideológica, c) retórica, d) política. Elas formam uma espécie de caldo de cultura jurídica que compreende os discursos sobre o direito apenas como abstração[9] e relega a um segundo plano o mundo da aplicação, que é colonizado pelos discursos predatórios, sejam eles políticos, morais, históricos, dentre outros. Ocorre que o direito é ciência prático-deliberativa e os juristas devem entender que não lidam com ficções, mas com vidas humanas.

Nessa perspectiva, ler Warat é despertar do sono letárgico do positivismo, modelo teórico inconfessado de todos aqueles que rejeitam o questionamento e que moram na doxa epistêmica. Não que o positivismo em si mesmo seja bom ou ruim[10]. Há diversos tipos de positivismo (pós-exegéticos, inclusive). É necessário conhecê-los, desnudá-los, para, assim, mudar para as obviedades do senso comum[11] e superar os anacronismos da hermenêutica[12].

Urge afastar a noção de dupla racionalidade, como se a cotidiana não tivesse condições de compreender a história, mas somente a científica. É como se houvesse um precipício entre o sentido comum e o científico[13]. Em uma frase: é como se a política fosse o lugar do caos e o direito, o da razão. Não é bem assim.

Certo é que depois das aulas do Professor Rosemiro Pereira Leal e dos textos do grande Warat, o Curso de Direito não foi mais o mesmo.

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Dedico este texto aos colegas do Mestrado e Doutorado em Direito da UNESA/RJ, especialmente, Rafael Alem Mello Ferreira, José Maria Leoni Lopes de Oliveira, Bruno Cavalcanti Angelin Mendes, David Francisco de Faria, Bruno Miola da Silva, Demetrius dos Santos Ramos, Thiago Miranda Minagé, Djefferson Amadeus de Souza Ferreira, Érica Maia Campelo Arruda, Lúcia Frota Pestana de Aguiar Silva, Renata de Marins Jaber Ribeiro, Ana Paula Faria Felipe, Carina Barbosa Gouvêa, Sandra Filomena Wagner Kiefer e Larissa Clare Pochmann da Silva.


Notas e Referências:

[1] MORAIS, José Luiz Bolzan de. O mestre “sconfinato” Luis Alberto Warat (LAW). Disponível em: http://emporiododireito.com.br/repec-10-o-mestre-sconfinato-luis-alberto-warat-law-por-jose-luis-bolzan-de-morais/. Acesso em 8 mai. 2016.

[2] STRECK, Lênio Luiz. O sentido (in)comum das obviedades desveladas: um tributo a Luis Alberto Warat.

Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/rechtd.2012.42.08/1241. Acesso em 8 mai. 2016.

[3] STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 81, adaptado.

[4] Op. cit., idem.

[5] Op. cit., idem, p. 82.

[6] Op. cit., idem, p. 97.

[7] WARAT, Luis Alberto. O monastério dos sábios: o sentido comum teórico dos juristas. In:_______. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: SAFE, 2002, p. 96.

[8] STRECK, Lênio Luiz. O sentido (in)comum das obviedades desveladas: um tributo a Luis Alberto Warat.

Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/rechtd.2012.42.08/1241. Acesso em 8 mai. 2016.

[9] Op. cit., idem.

[10] Notas de aula. STRECK, Lênio. Hermenêutica e Interpretação do Direito. Data inicial das aulas: 5 de maio. Data final das aulas: 6 de maio. 22 páginas.

[11] STRECK, Lênio Luiz. O sentido (in)comum das obviedades desveladas: um tributo a Luis Alberto Warat.

Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/rechtd.2012.42.08/1241. Acesso em 8 mai. 2016.

[12] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiros estudos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 55.

[13] WARAT, Luis Alberto. O monastério dos sábios: o sentido comum teórico dos juristas. In:_______. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: SAFE, 2002, p. 99.


Elpídio Paiva Luz Segundo. Elpídio Paiva Luz Segundo é Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Mestre e Doutorando em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA/RJ). Professor da Faculdade Guanambi (FG/BA) e Advogado. E-mail: elpidioluz@gmail.com . .

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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