Por Affonso Ghizzo Neto – 19/03/2017
Conforme determina a Constituição da República (art. 127, caput, e art. 129, inciso III), o Ministério Público é órgão primordial para o efetivo combate ao fenômeno da corrupção. Engana-se, todavia, quem julga ser fácil a missão de dar operatividade ao princípio constitucional da moralidade administrativa, e, por conseqüência, combater efetivamente a corrupção. Em sentido oposto, será uma jornada infrutífera e sem validade se permanecer orientada por discursos demagógicos e por ações tecnocratas ineficientes, sendo determinante, portanto, a revitalização das funções institucionais do Ministério Público a partir do estabelecimento planejado de estratégias de prevenção e de controle repressivo à prática nefasta e constante dos atos de corrupção; estratégias estas que deverão sempre ser orientadas pelo comando constitucional e pela relação inabalável com a reserva dos direitos fundamentais.
A relevância constitucional do Ministério Público brasileiro, como órgão defensor da ordem jurídico-constitucional, da democracia e dos direitos fundamentais, com especial destaque para a operatividade do princípio constitucional da moralidade administrativa, é decisiva para a efetivação do combate ao fenômeno da corrupção.
A defesa, a garantia e a implementação do princípio fundamental da moralidade administrativa, a partir de sua valoração no ordenamento jurídico-constitucional, elevado à condição de princípio, direito e garantia, tem no Ministério Público – enquanto instituição responsável pelo respeito e equilíbrio entre os Poderes constituídos, defensor da democracia, garantidor da ordem jurídica e protetor dos interesses individuais indisponíveis, sociais, difusos e coletivos – o seu maior instrumento de efetividade.
Por certo, a atuação instrumental do Ministério Público como protagonista principal no combate à corrupção, não foi conferida constitucionalmente por acaso ou em desprezo ou desconsideração aos Poderes constituídos, todos eles, dentro das suas competências constitucionais, necessários e indispensáveis ao processo de afirmação dos direitos fundamentais.
É que ao Ministério Público foi incumbida a missão constitucional de evitar qualquer agressão ao ordenamento jurídico-constitucional, devendo combater os abusos de poder, as ilicitudes administrativas e os atos de corrupção, atuando como verdadeiro sistema de freios e contrapesos. Como informa Eduardo Ritt, o Ministério Público “(...) foi erigido a um órgão constitucional de soberania, em posição similar aos chamados ‘Poderes de Estado’. Na realidade, o Ministério Público brasileiro foi alçado à posição de fiscal e controlador dos demais órgãos do Estado, em especial no chamado sistema de freios e contrapesos.”[1]
Enquanto ao Poder Judiciário compete a tarefa constitucional fundamental de garantir judicialmente a prevalência dos direitos, princípios e garantias constitucionais, enfim, dos direitos fundamentais, cabe ao Ministério Público a obrigação de tutelá-los, resguardando-os ou implementando-os extrajudicialmente, ou, havendo resistências, de submeter a pretensa violação ou omissão ao Poder Judiciário. O Ministério Público, enquanto guardião ativo da Constituição, está obrigado a resguardar a cidadania, defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos fundamentais. Nesse contexto, devendo tomar as iniciativas necessárias para fazer valer o comando constitucional, o Ministério Público obriga-se a efetivar (dar operatividade) o princípio constitucional da moralidade administrativa.
Assim, no estrito cumprimento de sua tarefa constitucional de combater efetivamente o fenômeno da corrupção, o Ministério Público dever estabelecer estratégias de atuação preventivas e repressivas, agindo extrajudicial e judicialmente, buscando relacionar os acontecimentos sociais com a pouca efetividade dos direitos fundamentais no cotidiano prático dos brasileiros. É que, inegavelmente, num ciclo vicioso de ignorância, assistencialismo e corrupção, com causas e efeitos interligados, práticas ilícitas diversas passam a ser institucionalizadas no público e no privado.
Cabe ao Ministério Público, portanto, empreender todos os esforços necessários para compreensão e penetração na comunidade em que atua, objetivando, a partir do conhecimento da realidade prática dos cidadãos, assim como da confiança adquirida enquanto advogado ativo, operante e relacionado com o povo, estabelecer estratégias práticas e efetivas para resolução dos problemas sociais e, conseqüentemente, para o verdadeiro enfrentamento do crime organizado e da corrupção institucionalizada. Deve atuar não só na área repressiva, investigando e interpondo judicialmente as ações cabíveis, como também preventivamente buscando a diminuição das práticas corruptas e a valorização social do princípio da moralidade administrativa. Como afirma Sergio Ferreira, é dever do Ministério Público:
(...) a da efetivação da justiça jurídico-social. Especificamente, pormenoriza-se no velamento da constitucionalidade, de leis e atos normativos; dos interesses das crianças, dos adolescentes, dos interditos, dos idosos, dos carentes, dos deficientes, dos desamparados, dos indígenas, dos consumidores, de todos os socialmente inferiorizados; da família; da sociedade; dos abusos de poder e de direito, dos excessos dos meios de comunicação social, e das várias manifestações de ilicitude, com atuação preventiva e repressiva e a responsabilização dos infratores; da preservação do patrimônio público, do meio ambiente; do cumprimento, por parte dos administradores das fundações, dos fins da entidade; dos valores sociais, como a moralidade, a razoabilidade, na formulação, execução e aplicação do Direito, da segurança jurídica e social.[2]
Todavia, o que visivelmente se constata na prática diária é que a atuação repressiva do Ministério Público acaba ganhando maior relevância, alcançando alguns resultados positivos – embora longe do ideal – no combate aos atos de corrupção. Aliás, a atuação repressiva e judicial do Ministério Público está diretamente relacionada à cultura institucional ainda prevalecente, definida a partir de uma concepção direcionada “cegamente” à repressão criminal/punitiva.
Ocorre que o Ministério Público assumiu uma posição constitucional renovadora, diversa da tradicional, passando a servir como instrumento fundamental para a consecução dos interesses dos cidadãos, devendo defender, garantir, assegurar e implementar efetivamente os direitos fundamentais.
A relevância da atuação do Parquet ganha aditivo constitucional em razão da hipossuficiência da sociedade brasileira, que se sente impotente e incapaz de defender a coisa pública contra os reiterados atos de corrupção. Cabe, portanto, ao Ministério Público exigir da administração pública que assegure os princípios, garantias e direitos previstos na Constituição da República, devendo interferir com eficiência e decisão na dinâmica entre os Poderes constituídos, reduzindo as desigualdades sociais e ampliando a consciência e o exercício da cidadania.
Esse novo enquadramento constitucional, preconizado pela constituinte de 1988, determinou um necessário redimensionamento das atribuições do Ministério Público, especialmente com relação aquelas decorrentes da defesa de princípios, direitos e garantias sociais, difusas e coletivas, como ocorre na hipótese da operatividade do princípio constitucional da moralidade administrativa, sendo de suma importância para o efetivo controle das atividades e dos atos da administração pública.
De outro norte, cumpre recordar que esse controle das atividades e dos atos administrativos, inclusive, os discricionários, destina-se à fiscalização, orientação e eventual correção das omissões, irregularidades e ilicitudes identificadas. Diógenes Gasparini assevera que esse controle:
É a atribuição de vigilância, orientação e correção de certo órgão ou agente público sobre a atuação de outro ou de sua própria atuação , visando confirmá-la ou desfazê-la, conforme seja ou não legal, conveniente, oportuna e eficiente. No primeiro caso tem-se heterocontrole; no segundo, autocontrole, ou, respectivamente, controle externo e controle interno.[3]
A administração pública se sujeita, pois, às várias formas de controle, seja interno ou externo. Esse controle é realizado dentro do próprio órgão, instituição ou Poder (autotutela ou controle administrativo), via de regra através de mecanismos disponíveis para ratificar, suprimir ou modificar os atos administrativos praticados em desacordo com os princípios constitucionais aplicáveis. Pode ser exercido também por instituição ou Poder alheio à administração fiscalizada, seja político, financeiro ou jurisdicional, de maneira prévia, concomitante ou posterior.
Assim, especialmente no que respeita ao combate ao fenômeno da corrupção, torna-se imperioso questionar a eficiência dos controles existentes, destacando-se a relevância da missão constitucional outorgada ao Ministério Público, que deve “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia”.[4]
Notas e Referências:
[1] APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá. 2006. p. 173.
[2] FERREIRA, Sérgio de Andréa. Princípios Institucionais do Ministério Público. 4ª ed. Rio de Janeiro: Coletânea de Legislação Brasil – Organização Judiciária, 1996, p. 26.
[3] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 887.
[4] Inciso II, art. 129, da Constituição da República Federativa do Brasil.
APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá. 2006.
Constituição da República Federativa do Brasil.
FERREIRA, Sérgio de Andréa. Princípios Institucionais do Ministério Público. 4ª ed. Rio de Janeiro: Coletânea de Legislação Brasil – Organização Judiciária, 1996.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
. . Affonso Ghizzo Neto é Promotor de Justiça. Doutorando pela USAL. Mestre pela UFSC. Idealizador do Projeto “O que você tem a ver com a corrupção?”. aghizzo@gmail.com / aghizzo@usal.es. .
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