ÔNUS DA PROVA – distribuição dinâmica

07/08/2018

Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini

 

 

  • Introdução

O tema a respeito do ônus da prova é de suma importância, pois a demonstração ou não da ocorrência de determinado fato controvertido, influencia diretamente na procedência ou improcedência da demanda.

O direito à prova é uma garantia constitucional (art. 5º., inc. LV, CF), sendo excepcionais as hipóteses em que é autorizado o julgamento do mérito sem a necessidade de instaurar-se a fase instrutória (julgamento liminar de improcedência - CPC, art. 332 - e julgamento antecipado da lide - CPC, art. 355).

Diante deste cenário, importante delimitar a quem cabe o ônus da prova e se esta distribuição pode ser alterada e em que medida.

  • Ônus da Prova

Clássica a afirmação de que o ônus de provar cabe a quem alega. Mas sabemos que tanto o autor como o réu apresentam alegações no processo, então nessas circunstâncias, de quem é o ônus da prova afinal?

O primeiro e importante passo é delimitar o objeto da prova. O que se prova, em regra, são os fatos e os fatos controvertidos, ou seja, fato que foi alegado por uma parte e negado pela outra.

Pela Reforma Trabalhista, lei 13.467/17, a distribuição do ônus da prova está assim disposta:

Art. 818.  O ônus da prova incumbe:

I - ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.

  • 1o  Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
  • 2o  A decisão referida no § 1o deste artigo deverá ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o adiamento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito admitido.
  • 3o  A decisão referida no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.”

 

Não se tem dúvida de que o ônus da prova é o encargo atribuído pela lei a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões que serão proferidas no processo. Então a cada uma das partes cabe comprovar a veracidade das alegações que formula, sendo que a regra é que ao autor cabe a prova dos fatos constitutivos do seu direito e ao réu dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor, alegados em sede de defesa de mérito indireta.

O réu ao contestar realiza afirmação contrária ao que foi exposto pelo autor, podendo simplesmente negar o fato, sem propor outra versão. Pode ainda, propor outra versão dos fatos ou demonstrar que os fatos não poderiam ter ocorrido da forma exposta na inicial sendo que nesse caso o réu está negando o fato constitutivo alegado pelo autor e apresentando outra versão, daí o ônus da prova lhe compete.

A reforma trabalhista com relação ao tema do ônus da prova, não alterou a fixação das regras sobre a distribuição desse encargo entre as partes, mas tratou de detalhar mais a fundo o tema, replicando os termos contidos no Novo Cógido de Processo Civil, bem como instituiu a inversão desse ônus por imposição do juiz.

Podemos afirma que a regra é de que o ônus da prova incumbe à parte que tiver interesse no reconhecimento do fato a ser provado, ou seja, àquela que possa beneficiar-se desse reconhecimento. Assim o ônus a prova é a mola propulsora da efetiva participação dos litigantes, segundo o empenho de cada um em obter vitória, devendo sempre ser lembrado que todo ônus é, por definição, um imperativo do próprio interesse. O reconhecimento dos fatos constitutivos aproveitará ao autor e o dos demais, ao réu; sem prova daqueles, a demanda inicial é julgada improcedente e, sem prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, provavelmente a defesa do réu não obterá sucesso, mas nada impede que seja alterado esse ônus da prova, sendo que para tanto, as partes devem estar cientes de que o ônus da prova lhe compete.

 

  • Carga Dinâmica das Provas

 

A atual redação do art. 818 da CLT, em harmonia com o CPC/15 – que se inspirou no art. 6º. Do CDC -, adota a famosa teoria das cargas dinâmicas da prova, prevendo em seu parágrafo primeiro que:

 Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

 

Essa chamada inversão do ônus da prova se dá não como forma de penalizar a parte, mas sim como forma de cumprir a própria finalidade do processo, que é fazer justiça e resolver o direito material objeto do processo e, para tanto, necessário que sejam demonstrados os fatos controvertidos que servem de fundamento da demanda. A inversão do ônus da prova atua sobre as alegações contidas no objeto da prova e não sobre as regras de distribuição do ônus de provar, pois a finalidade última é exatamente a prova de determinado fato.

Será permitido ao juiz essa alteração nas regras de distribuição do ônus da prova quando (a) previsto em lei; (b) impossível ou muito difícil de cumprir o encargo previsto nos incisos I e II, e; (c) facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

A inversão do ônus da prova quando prevista em lei, como se trata de um dado objetivo, já esperado pelas partes que isso possa ocorrer, já com relação às outras duas hipóteses, caberá ao juiz ter a sensibilidade referente às peculiaridades da causa e atenção para não impor rigores de produção de uma prova impossível ou diabólica como diz a doutrina e exposto no parágrafo terceiro do art. 818:

 

A decisão referida no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.”

 

Exatamente pelo fato de muitas vezes a inversão do ônus da prova depender de aspectos subjetivos (sensibilidade do juiz) é que referida decisão deve ser fundamentada, ou seja, deve ser “explicado” porque as regras de distribuição do ônus da prova foram alteradas (invertidas).

Não fosse o fato de ser uma garantia constitucional que todas as decisões devem ser fundamentadas (art. 93, inc. IX, CF), a inversão do ônus da prova sem qualquer “explicação”, viola ainda o princípio da legalidade, ampla defesa e contraditório, que também são garantias constitucionais. Então além de ter que fundamentar a decisão, deverá dar oportunidade para que a parte possa desincumbir-se de seu ônus, conforme disposto no parágrafo segundo do art. 818:

 

 A decisão referida no § 1o deste artigo deverá ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o adiamento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito admitido.

 

Seja lá qual for a hipótese que autoriza a inversão do ônus da prova, é dever do juiz indicar especificamente o fato ou fatos em relação aos quais esse ônus ficará modificado. Uma determinação genérica só é possível em casos em que realmente todo o ônus da prova deva ser alterado (ou seja, o ônus referente a todos os fatos), devendo o juiz, em sua decisão, justificar a medida tomada.

 

Para que a parte posso cumprir o seu ônus, deverá estar ciente dessa inversão do ônus da prova e ter oportunidade para produzir essa prova, então o que se pergunta é em qual momento, oportunidade, deverá o juiz “comunicar” essa inversão do ônus da prova? A resposta é simples, sempre antes de iniciada a instrução – momento em que são produzidas as provas.

  • Conclusão

O processo como instrumento de pacificação depende da apuração de como os fatos ocorreram para que a tutela jurisdicional seja justa. Então a finalidade precípua do processo é a satisfação do direito material, sendo que para a apuração dos fatos, necessária a sua demonstração cujo ônus compete às partes (principais interessados em obter ou afastar o direito material pleiteado).

Nessa esteira a atual redação do art. 818 da CLT adotou a famosa teoria da carga dinâmica da prova.

Questão interessante e que já foi tratada nessa coluna[1] é a questão da possibilidade ou não das partes poderem convencionar perante o processo do trabalho, as regras com relação ao ônus da prova, ou seja, negócio jurídico processual com relação às provas. Mas esse assunto será objeto de análise em outro momento.

 

Notas e Referências

[1] - http://emporiododireito.com.br/leitura/a-aplicacao-do-negocio-juridico-processual-atipico-art-190-do-cpc-ao-processo-do-trabalho-por-juliane-faco

 

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