O transporte coletivo como serviço essencial e a responsabilidade do Executivo e do Legislativo

24/12/2015

 Por Jefferson Forest - 24/12/2015

A qualidade de vida da população está intimamente ligada à eficiência dos serviços públicos prestados.

De forma convencional[1], diante das divergências doutrinárias, podemos conceituar Serviços Públicos como “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente publico.”[2]

Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, ressalta o regime unicamente público dos serviços e conjuga os sentidos formal e material:

“Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público –, portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor de interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.”[3]

Há que observar que os serviços públicos são divididos entre essenciais e não essenciais, para tanto, a Lei  7.783/89 que dispõe sobre o exercício do direito de greve e define as atividades essenciais,  traz em seu art. 10, rol taxativo daqueles serviços ou atividades que são considerados essenciais para a sociedade. Entre esses serviços encontramos o transporte coletivo.

Ainda a Constituição Federal em seu artigo 30, V, reconhece a essencialidade do transporte coletivo e atribui a competência aos Municípios para "organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.”

Oferecer um serviço público de qualidade, para o usuário cidadão, significa considerá-lo como um sujeito social inserido em uma realidade urbana, além de respeitar o princípio da eficiência inserido ao art. 37 da Constituição pela Emenda Constitucional nº 19/98, alcançando assim os objetivos da Administração Pública.

Isso porque de acordo com Meirelles “os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada”[4]

O bom administrador, sabedor de que o serviço público é incumbência do Estado, deve respeitar os princípios básicos da Administração Pública que se consubstanciam em “regras de observância permanente e obrigatória”, eis que os princípios “constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade administrativa. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais.”[5]

No que diz respeito ao princípio da eficiência, o mais sedutor de todos os princípios que regem o andar da Administração Pública e que exige presteza na busca pelo melhor resultado, temos que é um dever do Administrador a sua aplicação, sob pena de responsabilidade do agente político e público.

Para Ávila “Eficiente é a atuação administrativa que promove de forma satisfatória os fins em termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos. Para que a administração esteja de acordo com o dever de eficiência, não basta escolher meios adequados para promover seus fins. A eficiência exige muito mais do que mera adequação. Ela exige satisfatoriedade na promoção dos fins atribuídos à administração. Escolher um meio adequado para promover um fim, mas que promove o fim de modo insignificante, com muitos efeitos negativos e paralelos ou com pouca certeza, é violar o dever de eficiência administrativa. O dever de eficiência traduz-se, pois, na exigência de promoção satisfatória dos fins atribuídos à administração pública considerando promoção satisfatória para esse propósito, a promoção minimamente intensa e certa do fim.”[6]

Este princípio se apresenta sob dois aspectos, segundo Di Pietro “pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr melhores resultados, e em relação ao modo de organizar estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar melhores resultados na prestação de serviço público.”[7]

Podemos trazer para exemplificar, diversos casos em que o princípio da eficiência foi olvidado pelo Agente Político, porém, atenho-me a situação do transporte coletivo da cidade de Blumenau, onde o Prefeito da cidade permitiu que o transporte coletivo entrasse em colapso, aplicando alternativas fins nada satisfatórias sob o ponto de vista de um serviço público que deve ser prestado de forma eficaz, se eximindo inclusive da responsabilidade enquanto administrador público.

As alternativas fins adotadas pelo chefe do poder executivo municipal foram, desde a permissão do corte de linhas essenciais, até a consentimento na venda da maior empresa componente do consorcio que presta o serviço no município, com visível afronta ao principio da legalidade, tendo em vista que o artigo 27 da Lei nº 8.987, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, não permite alteração societária, eis que fere o caráter personalíssimo do contrato de concessão e viola os princípios da obrigatoriedade de licitação e isonomia.

No Estado Democrático e de Direito, o modo de agir do Administrador está intimamente ligado ao que determina a lei, ou seja, só pode o Administrador fazer o que a Lei lhe autoriza.

“A Competência da Administração é estritamente determinada na lei, quanto aos motivos e modo de agir. A Lei lhe determina que, existentes determinadas circunstancias, proceda dentro de certo prazo e de certo modo.”[8]

No caso exemplificativo, acima detalhado, observa-se também que foram descumpridos pela concessionaria, os incisos de I à V do art. 38 da Lei nº 8.987, o que caberia ao Chefe do Executivo, via decreto, a imediata rescisão do contrato, que tem por objeto a prestação do serviço público essencial, que é o transporte coletivo.

A responsabilidade direta do chefe do poder executivo também leva a responsabilidade indireta do poder legislativo municipal e ao conjunto dos vereadores que compõe o parlamento, ante a obrigação constitucional do poder legislativo de fiscalizar todas as ações do executivo.

Assim o vereador, membro do Poder Legislativo do município, tem como função típica, a obrigação de exercer o controle externo do Poder Executivo. O controle parlamentar se dá no acompanhamento e na implementação das decisões tomadas no âmbito do conjunto da administração publica municipal. Essa função de controle esta prevista no Artigo 31 da nossa carta constitucional.

Nas palavras de Antunes “não resta outra possibilidade que não seja a de reconhecer que compete ao legislador e, portanto à lei, à luz de critérios constitucionais, avaliar e qualificar, em primeira mão a relevância de uma necessidade coletiva intensa(...).”[9]

Assim, mesmo que seja ato administrativo, via Decreto do poder Executivo em rescindir contrato de concessão de serviço, que esteja em desacordo com a legislação, ferindo frontalmente os princípios da eficiência e da legalidade, cabe aos vereadores da casa não silenciarem, ante a omissão do Prefeito.


Notas e Referências:

[1] Luis Alberto Warat e Antonio Anselmo Martino ressaltam que “as definições não podem se limitar às descrições ou explicações dos conceitos, (...) devendo incluir a existência de conceitos impregnados de carga emotiva e ideológica (...)WARAT, Luis Alberto e MARTINO, Antônio Anselmo. Lenguaje y Definición Juridica, Cooperadora de Derecho Y Ciencias Sociales, Buenos Aires, 1973, p. 25,28.

[2] ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia; Direito Administrativo. Editora atlas. 20o Ed. 2006. São Paulo. p. 90

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Prestação de serviços públicos e administração indireta. p. 20.

[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Pualo: Malheiros, 1997, p. 81-82

[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Pualo: Malheiros, 1997, p. 81-82

[6] AVILA, Humberto. Sistema Constitucional tributário: de acordo com a emenda constitucional n. 42 de 19.12.03. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 430.

[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 83.

[8] SEABRA FAGUNDES, Miguel. O Controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense,, p. 82-83.

[9] ANTUNES, Luis Filipe Colaço. O Direito Administrativo e sua justiça no início do Século XXI: algumas questões. Coimbra: Livraria Almedina, 2001, p. 43.


Jeffe Foto

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Jefferson Forest é Vereador na cidade de Blumenau/SC.

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Imagem Ilustrativa do Post: Glasgow bus(3) // Foto de: Les Chatfield // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/elsie/790408231 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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