Por Guilherme Wünsch e Felipe Pruinelli – 16/08/2016
Outrora, o trabalho era associado a máquinas pesadas, hoje, a bagagem de labor está leve. Como afirma Baumann: "A modernidade pesada era o tempo do compromisso entre o capital e trabalho, fortificado pela mutualidade de sua dependência. Os trabalhadores dependiam de empregos para terem sustento; o capital dependia de empregá-los para sua reprodução e crescimento. Esse encontro tinha um endereço fixo; nenhum dos dois poderia se mover para outra parte com facilidade – as parcelas maciças da fábrica mantinham ambos os sócios em uma prisão compartilhada".1
Assim, para que fosse possível exercer o trabalho humano era necessário que o corpo estivesse junto e para supervisionar e canalizar os esforços era necessário administrar e vigiar esses corpos, o que significa que para controlar o processo do trabalho era necessário controlar fisicamente os trabalhadores, colocando trabalho e capital juntos. Tal característica da modernidade sólida fazia relação de longo prazo e de mútua dependência entre trabalhador e empregados. Tal aspecto se relaciona de outra forma no contexto atual: "O trabalho foi libertado do panóptico, mas, o que é mais importante, o capital se livrou do peso e dos custos exorbitantes de mantê-lo; o capital ficou livre da tarefa que o prendia e o forçava ao enfrentamento direto com os agentes explorados em nome de sua reprodução e engrandecimento. O trabalho sem corpo da era do software não mais amarra o capital: permite ao capital ser extraterritorial volátil e inconstante. A descorporificação do trabalho anuncia a ausência de peso do capital. Sua dependência mútua foi unilateralmente rompida: enquanto a capacidade do trabalho é, como antes, incompleta e irrealizável isoladamente, o inverso não mais se aplica".2
Observa-se contemporaneamente um novo modo de relação que não pode mais ser identificada pela condição de uma pretensa busca de estabilidade. Assim, conforme o autor acima mencionado o trabalho já não materializa enquanto elemento vocacional para a vida inteira. O labora, que num passado não muito distante possuía uma dependência com o capital, hoje configura em relação íntima com o consumismo em massa.
Tais considerações nos trazem às características centrais do lugar do trabalho no contexto contemporâneo. O primeiro ponto diz respeito a incapacidade de ser uma das bases para a constituição do que chamamos de eu. Ou seja, ao perder a condição de traço de identidade, o labor não consegue mais forjar-se enquanto elemento central do projeto de vida da maior parte da população, o que gera efeitos nos processos de formação humana colocados em movimentos na sociedade atual.
Baumann demonstra que a formação para o trabalho dá lugar a formação para consumo. Assim, há uma submissão do primeiro ao segundo. O trabalho passa a ser condição para o consumo, perdendo o estatuto de fim em si, enquanto motor de desenvolvimento social e pessoal. Como consequência, tem-se que a perda do sentido do trabalho enquanto motor da ação humana para fins de desenvolvimento e aprendizagens de novos conhecimentos e habilidades. Ele fica subjugado a uma nova esfera de produção: não de mercadorias, mas sim, de bens de consumo. Como bem afirma o sociólogo3: “[...] o valor e o glamour do trabalho se medem hoje com parâmetros estabelecidos para a experiência do consumidor”.
O trabalho, bem como outras dimensões da sociedade de consumo, precisa ser prazeroso ao indivíduo, não sendo mais medido pelos seus efeitos vinculares seja com as organizações do trabalho ou em relação aos outros trabalhadores, seja no papel do trabalho par a manutenção e/ou transformação da sociedade. Claro, o trabalho não deve ser visto como a prisão dos tempos modernos. Sendo o labor flexível, tal fenômeno tem sido trazido e estudo na contemporaneidade e traz como características principais a redução do emprego, a ampliação da terceirização, o trabalho informal, trabalho na residência, com varias exigências: "Flexibilidade é o slogan do dia, e quando aplicado ao mercado de trabalho significa fim do emprego “como conhecemos”. Trabalhar com contratos de curto prazo, contratos precários ou sem contratos, cargos sem estabilidade e com cláusula de “até novo aviso”. 4
Por derradeiro, no fundo o trabalho na modernidade leve, condensa as incertezas quanto ao futuro e ao planejamento a longo prazo, a insegurança estabelecida nas relações e a falta de garantias entre as partes. No mundo do desemprego estrutural ninguém se sente suficientemente seguro ou amparado, ou seja, a flexibilidade é o termo que rege os novos tempos. Assim a satisfação instantânea é perseguida, ao contrário do adiamento da mesma, uma oportunidade não aproveitada é uma oportunidade perdida, já que a satisfação instantânea talvez seja a única maneira de sufocar tal sentimento de insegurança.
Nesta acepção de trabalho, verifica-se que o estresse significa a perturbação da pessoa, pela excessiva mobilização de suas energias de adaptação ao ritmo de enfrentamento das solicitações exigidas em seu meio profissional. Tais solicitações na rotina profissional ultrapassam as atuais capacidades físicas ou psíquicas do indivíduo. 5Assim, reitera-se que o estresse faz parte dos ambientes de trabalho mais competitivos, tendo a síndrome, ora em estudo, uma das consequências negativas deste ritmo.
O termo Burnout é uma composição de burn = queima e out = exterior, sugerindo, assim, que a pessoa com esse tipo de estresse consome-se física e emocionalmente, passando a apresentar um comportamento agressivo e irritadiço. A expressão Burnout em inglês significa aquilo que deixou de funcionar por completa falta de energia, por ter sua energia totalmente esgotada, metaforicamente, aquilo que chegou ao seu limite máximo6.Ou seja, relata-se o colapso que sobrevém ao indivíduo após a utilização de toda a energia disponível. É uma síndrome multidimensional constituída pela exaustão emocional, desumanização, reduzindo a sensação de realização pessoal do trabalho.
Segundo Cristina Maslach, trata-se de uma síndrome psicológica prolongada aos estressores interpessoais crônicos. As três principais dimensões desta reação são uma exaustão avassaladora, sensações de ceticismo e desligamento do trabalho, uma sensação de eficácia e falta de realização. 7
A este propósito, a mesma doutrinadora, em síntese sobre a síndrome estudada, afirma que, a dimensão da exaustão representa o componente básico do stress no ambiente de trabalho. Tal refere-se estar o indivíduo além dos limites físicos e emocionais. Ou seja, os obreiros sentem-se extenuados, esgotados, sem qualquer fonte de reposição. Eles carecem de energia suficiente para enfrentar mais um dia ou outro problema e uma queixa comum é “Estou assoberbado, sobrecarregado e tenho trabalhado demais – simplesmente é coisa demais”. As principais fontes desta exaustão são a sobrecarga de trabalho e o conflito pessoal de trabalho. De outra ponta, a dimensão do ceticismo representa o comprovante negativo de tal síndrome. Desenvolve-se em resposta à sobrecarga de exaustão emocional, sendo primeiramente autoprotetora – um amortecedor emocional de “preocupação desligada. Se as pessoas estão trabalhando arduamente e fazendo coisas demais, elas começam a se retrair, cortar e reduzir o que estão fazendo. Mas o risco é de que o desligamento possa resultar na perda do idealismo e na desumanização dos outros.
Com o tempo, os trabalhadores não estão simplesmente criando um amortecedor e diminuindo a quantidade de trabalho, mas também desenvolvendo uma reação negativa às pessoas e ao trabalho. À medida que o ceticismo vai se desenvolvendo, as pessoas deixam de tentar fazer o melhor, passando a fazer o mínimo necessário. Por fim, a dimensão da ineficácia que representa um componente de autoavaliação no Burnout. Ela refere-se às sensações de incompetência e a uma falta de realização e produtividade no trabalho.8
Dallegrave Neto define a síndrome de Burnout como sendo um esgotamento profissional provocado por constante tensão emocional no ambiente de trabalho, ocasionado por um sistema de gestão competitivo, com sujeição do empregado às agressivas políticas mercantilistas da empresa.9 Por conseguinte, tal síndrome é abordada nas seguintes perspectivas: a) clínica: Proposta por Herbert Fredenberger, em 1974, que dirigia seus estudos à etiologia, sintomas, evolução clínica, tratamento da síndrome. Para o autor, o estado de estafa profissional era resultado do trabalho intenso sem atender as necessidades primárias dos indivíduos. Portanto, seria o alto preço pago pelo obreiro que necessita trabalhar para ajudar seus familiares; b) Social – psicológica: Introduzida por Cristina Maslach, em estudos que identificaram ser o meio ambiente de trabalho, principalmente as características relacionadas ao trabalho que o sujeito desenvolve a base de variáveis de Burnout. O stress, provocado pelas características da sobrecarga no contrato de trabalho, foi um aspecto bastante grandioso sem suas investigações; c) - Organizacional: Nessa perspectiva, Cary Chermiss amplia o modelo social – psicológico, preceituando características organizacionais como geradoras da síndrome.
É com Dejours10, que se terá a visão de que a desigualdade na divisão do trabalho é uma arma terrível de que se servem os chefes a bel-prazer da própria agressividade, hostilidade ou perversidade. Opta-se por se tornar as relações de trabalho em termos políticos ou de poder. Porém, a frustração, a revolta e a agressividade reativas, muitas vezes não conseguem encontrar uma saída. Assim, o sofrimento se destaca quando o entendimento entre homem e organização trabalhista está suspensa, ou melhor, o obreiro usou de todas as possibilidades, tanto mentais, psicoafetivas, aprendizagem ou de adaptação, com o anseio de tentar diminuir a frustração sentida e, vendo-se em tal situação não consegue desempenhar o mesmo labor efetuado, vindo a se caracterizar a síndrome de Burnout – doença ocupacional, frequentemente atingível em ambientes laborais com enorme pressão sobre o obreiro, vindo o mesmo a ter frustrações, revolta, tornar-se agressivo, ou seja, às vezes não encontrando uma saída necessária para o seu mal.
Referidas sensações podem desencadear que o obreiro sinta que cometeu um erro ao escolher a profissão e que passa a odiar a pessoa na qual era, portanto, passa a ter uma consideração negativa de si e dos demais trabalhadores. Neste raciocínio Zangrando assevera que seu surgimento é tão lento que o indivíduo, muitas vezes, não percebe que está acometido de uma síndrome de tamanha gravidade, e geralmente se recusa a acreditar que esteja acontecendo algo com ele. No limite de sua capacidade de adaptação, o cérebro basicamente emite uma ordem de “desligamento” geral, com o objetivo de evitar maiores danos, como o infarto, o colapso, o acidente vascular cerebral, entre outros, que podem trazer consequências irreversíveis.11
A este princípio, tal síndrome se desenvolve em estágios: o principal e a frustração em alguns momentos ou situações do dia-a-dia laboral, na qual se constata um esgotamento profissional, causando raiva ao obreiro pela perda do interesse no trabalho, motivo pelo qual a síndrome de Burnout pode ser conceituada com síndrome da desistência. Assim, verifica-se que a situação se torna desgastante e, sem o devido tratamento, o indivíduo terá que afastar a causa do problema, ou seja, afastando-se do labor. Em clara disposição, Dráuzio Varella aduz que: “o diagnóstico leva em conta o levantamento da história do paciente e seu envolvimento e realização pessoal do trabalho”. 12
Elizabeth Galvão entende que a síndrome ora estudada apresenta doze estágios: 1. Necessidade de se afirmar – provar ser amplo capacitado, sempre; 2. Dedicação intensificada – Necessidade ampla de se dedicar a tudo sozinho; 3. Descaso com as necessidades pessoais – comer, dormir e manter relação pessoais de amizade começa a perder o sentido; 4. Recalque de conflitos – Percebe-se que se não está bem, porém não se resolve para mudança do acontecido; 5. Reinterpretação dos valores – isolamento, fuga dos conflitos. O que antes tinha valor sofre desvalorização: lazer, casa, amigos, e a única medida da autoestima é o trabalho; 6. Negação de problemas – nessa fase os outros são completamente desvalorizados e tidos como incapazes. Os contatos sociais são repelidos, cinismo e agressão são os sinais mais evidentes; 7. Recolhimento – aversão a grupos, reuniões – comportamento anti-social; 8. Mudanças evidentes de comportamento – perda de humor, não aceitação das condutas pessoais que antes eram toleradas; 9. Despersonalização – ninguém parece ter valor, nem mesmo a pessoa afetada. A vida se restringe a atos mecânicos e distância do contato social – prefere e-mails e mensagens; 10. Vazio interior – sensação de desgaste, tudo é difícil e complicado; 11. Depressão – marcas de indiferença, desesperança, exaustão. A vida perde o sentido; 12. E, finalmente, a síndrome do esgotamento profissional propriamente dita, que corresponde ao colapso físico e mental. Esse estágio é considerado de emergência, e a ajuda médica e psicológica são urgentes.13
Destarte, percebe-se que a síndrome do esgotamento profissional ou Burnout é um tipo de doença psicossomática muito confundida com a depressão, porém é uma doença mais específica. Esta é resultado de diversos estados sucessivos estressantes, que comprometem a saúde física e mental do trabalhador no ambiente laboral, podendo levar o individuo a apresentar sintomas psicológicos, psicossomáticos e relativos ao trabalho. Assim, é primordial que se identifique os processos de degradação psicológica desde as primeiras manifestações, com o óbice de evitar que o indivíduo chegue a estágios avançados da síndrome ora em estudo. Contudo, o empregado acometido da mesma deve receber atenção psicoterápica, tratamento medicamentoso ou intervenção psicossocial, conforme o caso apresentado. Por derradeiro, a síndrome de Burnout – doença do trabalho - não está vinculada à determinada profissão. Sua ocorrência decorre de como o trabalho é realizado, bem como das condições de como ele é prestado.
Notas e Referências:
BALLONE, Geraldo José. Síndrome de Burnout. In: PsiqWeb, Disponível em <www.psiqweb.med.br>. Acesso em 10 de agosto de 2016.
BAUMANN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de janeiro: Zahar, 2001.
DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho. Estudo de psicopatologia do trabalho. 5.ed ampl. São Paulo: Cortez Editora, 1992.
GALVÃO, Elizabeth. Síndrome de Burnout. Disponível em <http://saudeexperts.com.br/sindrome-de-burnout-estresse-ocupacional/<. Acesso em 10 de agosto de 2016.
MASLACH, Cristina. Entendendo o Burnout. Stress e qualidade de vida no trabalho. Perspectivas atuais da saúde ocupacional. Ana Maria Rossi, Pamela L. Perrewé, Steven L. Sauter (organizadores). São Paulo: Atlas, 2008.
NETO, Dallegrave. Responsablidade Civil no Direito do Trabalho.4.ed.São Paulo: LTr, 2010.
VARELLA, Dráuzio. Doenças e sintomas – Síndrome de Burnout. Disponível em: <http://drauziovarella.com.br/letras/b/sindrome-de-burnout/>. Acesso: 10 de agosto de 2016.
ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008.
Guilherme Wünsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) foi assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, é advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS e professor convidado dos cursos de especialização da UNISINOS, FADERGS, FACOS, FACENSA, IDC e VERBO JURÍDICO.
. Felipe Pruinelli é Advogado, atuante nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Civil, no escritório RP PRUINELLI ADVOGADOS. É pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/RS), com atuação nas cidades de Bento Gonçalves/RS, Caxias do Sul/RS, entre outras. ..
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