O retorno do recalcado

04/12/2016

Por Cyro Marcos da Silva – 04/12/2016

Se quisermos saber o que estava recalcado, basta que examinemos o que está retornando na calada da noite, ou em sonho, ou em tramoias políticas. Todos os juízes e promotores que, como eu, pautaram e pautam a vida de trabalho cuidando de não cometer abusos e zelando por uma ética da neutralidade, sempre assistimos estarrecidos acontecer um elenco de horrores. Desde antes de ser um “inativo”, sempre me causava muita estranheza que quando um colega praticava corrupção ou algo repudiável que o valha, ganhava aposentadoria. Ele caia na inatividade remunerada, não por ter trabalhado, mas por ter traído os princípios da classe. E, pela lei, com seus vencimentos. Para muitos, isso representava prêmio. Ninguém, eu incluído, se insurgia contra isto. Também não houve manifestações dos representantes de classes da magistratura e do Ministério Público, quando o Congresso e seus impolutos componentes, em deplorável votação, afastaram a presidente eleita.

Até aí, circulava fácil o sabão Pilatos. Ela foi sim eleita, inclusive com meu voto. E por isso mesmo eu estava querendo que ela não continuasse no poder, porque descontente com o governo dela. Ela traiu o projeto da esquerda, mentiu muito, mas nada disto constitui crime. Isto pode ser pecado, imoralidade, o diabo, ou o mesmo que pensam os evangélicos do aborto. Mas, crime não era. O que argumentaram ser crime, já deram jeito de ser agora algo permitido. E acrescento: com este congresso aí, para governar o que se paga? Mesmo assim, todos se calaram e aplaudiram nas varandas a decisão que culminou no seu afastamento. Naquele dia começa a implosão entre os poderes, que hoje estamos vendo onde estão indo parar. Mas, temos mais coisas retornando. A operação Lava Jatos poderia ser o que de melhor teria acontecido a este país, não fossem os abusos. Abusos, sim. Devemos nos lembrar que, se a operação Lava Jatos, pela primeira vez, mostrou coragem em processar e punir inimagináveis colarinhos brancos, impunes até há pouco tempo atrás, por outro lado, cuspiu e escarrou em si mesma, com seus abusos. Houve prisões preventivas desnecessárias do ponto de vista legal, portanto abusivas. Houve cerceamentos de defesa, intimidando advogados. Houve relação incestuosa entre poder judiciário e Ministério Público.

Houve exibições midiáticas de Ministério Público e da magistratura envolvida no trabalho processual. Houve abusos, sim. Muitos. E mais: há, pelo menos até agora, uma seletividade na escolha dos processados e julgados. Existem os desde sempre blindados. Há Ministros na Suprema Corte que exibem, sem pudor algum que a toga deveria lhes impor, de que lado estão, seja esquerda ou direita. A Lava Jatos deveria ter sido bem mais parcimoniosa, pois está lidando com graúdos, que se pensam intocáveis. A mídia atrai como os espelhos atraem as mariposas: naqueles mesmas luzes se debaterão até que, exauridos, caiam. Agora estão a reclamar das medidas que este mesmo Congresso, imperador das conveniências, está tomando para salvar peles de lobos vestidos de cordeiro? Estão agora a reclamar que sejam suscetíveis de processo por abuso de poder? Recalcaram tudo que aconteceu até aqui? Eis aí, de volta, o retorno do recalcado. Ah, que saudades do cineasta Saura a nos lembrar do óbvio em seus filmes. A partir dele, quem nunca ouviu falar no ditado espanhol “crian cuervos que te sacarán los ojos?”


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Cyro Marcos da Silva. . Cyro Marcos da Silva é ex-Promotor de Justiça, ex-Professor de Processo Civil, Juiz de Direito aposentado do TJRJ e Psicanalista. E-mail: cyromarcos@terra.com.br.. . .


Imagem Ilustrativa do Post: You will never walk alone... // Foto de: Thomas Leuthard // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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