O QUE É SERVIÇO PÚBLICO?  

16/12/2018

 

Coluna Advocacia Pública em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta Araújo

Serviço público é “atividade administrativa ou de prestação direta ou indireta de bens ou serviços à população, exercida por órgão ou entidade da administração pública”.

Esse, pelo menos, é o conceito legal estabelecido na Lei Federal n. 13.460, de 26 de junho de 2017, que dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública.

Na Constituição Federal são encontradas 6 referências ao termo “serviço público” e 26 ao termo no plural, muitas relacionadas a prestação de trabalho na administração pública, ou seja, serviço público como o locus em que a atividade dos servidores públicos são exercidas.

O termo contém diversos significados, como bem expõe Diógenes Gasparini:

A locução serviço público é formada por dois vocábulos. Um é o substantivo serviço, outro é o adjetivo público. Ambos demandam algum aclaramento. O primeiro, de significado unívoco, indica prestação, realização ou atividade. O segundo, de sentido equívoco, tanto pode expressar o autor da prestação, realização ou atividade (Estado), como seu beneficiário (usuário, administrado, povo, público)[i].

Destaca Eros Roberto Grau que “serviço público não é um conceito, mas uma noção, plena de historicidade”. Extrai-se de sua obra:

Serviço público, diremos, é atividade indispensável à consecução da coesão social. Mais: o que determina a caracterização de determinada parcela da atividade econômica em sentido amplo como serviço público é a sua vinculação ao interesse social.

Daí por que diremos que, ao exercer atividade econômica em sentido amplo em função de imperativo da segurança nacional ou para atender a relevante interesse coletivo, o Estado desenvolve atividade econômica em sentido estrito; de outra banda, ao exercê-la para prestar acatamento ao interesse social, o Estado desenvolve serviço público.

Detida atenção dedicada a essa circunstância permitirá ao estudioso do Direito Brasileiro observar que são distintos entre si o interesse coletivo e o interesse social, ainda que ambos se componham na categoria interesse público[ii]. [...]

Esta a noção de serviço público, há de ser construída sobre as ideais de coesão e de interdependência social.

Dela nos aproximando, inicialmente diremos que assume o caráter de serviço público qualquer atividade cuja consecução se torne indispensável à realização de ao desenvolvimento da coesão e da interdependência social (Duguit) - ou, em outros termos, qualquer atividade que consubstancie serviço existencial relativamente à sociedade (Cirne Lima).

Por isso, porque assume o caráter de serviço público, deve ser prestada à sociedade pelo Estado (ou por outra pessoa administrativa, direta ou indiretamente).

Pois bem: a identificação dos casos nos quais a realização e o desenvolvimento da coesão e da interdependência social reclamam a prestação de determinada atividade pelo Estado (= casos nos quais essa atividade assume caráter existencial em relação à sociedade) é conformada pela Constituição.

Esta, como observei linhas acima, além de permitir a identificação de novas áreas de serviço público, indica decisivamente a intensidade a ser adotada na prestação das atividades que o caracterizam.

Note-se bem que essa função, de conformação da própria noção de serviço público, é cumprida pela Constituição como um todo. Desejo dizer, com isso, que o seu intérprete não se deve deter exclusivamente na análise das diretrizes, programas e fins que ela enuncia, a serem realizados pelo Estado e pela sociedade; mas, ao contrário, interpretá-la no seu todo. Repito, também aqui, afirmação que reiteradamente venho fazendo: não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços.

Ademais, cumpre considerar, também, que a Constituição é um dinamismo. É do presente, da vida real - como observei anteriormente -, que se tomam as forças que a ela, bem assim ao Direito, conferem vida. Por isso mesmo os movimentos de redução e ampliação das parcelas da atividade econômica em sentido amplo que consubstanciam serviço público refletem a atuação das forças sociais em um determinado momento, evidentemente também conformados pela Constituição.

Serviço público, assim, na noção que dele podemos enunciar, é a atividade explícita ou supostamente definida pela Constituição como indispensável, em determinado momento histórico, à realização e ao desenvolvimento da coesão e da interdependência social (Duguit) - ou, em outros termos, atividade explícita ou supostamente definida pela Constituição como serviço existencial relativamente à sociedade em um determinado momento histórico (Cirne Lima).

Não há qualquer demasia em relembrarmos, aqui, que a interpretação da Constituição, indispensável ao desvelamento do quanto por ela definido a esse respeito, explícita ou supostamente, envolve também a interpretação dos fatos, tal como se manifestam em um determinado momento[iii].

Relevante, para o estudo do serviço público, tendo como mira de Eros Roberto Grau a Ordem Econômica na Constituição de 1988, é a divisão e conceituação que emprega sobre atividade econômica em sentido amplo, atividade econômica em sentido estrito e serviço público, sendo a primeira o gênero, do qual são espécies as duas últimas. Em sentido amplo existe atuação estatal; em sentido estrito, há intervenção estatal na atividade econômica; serviço público, por sua vez, pode ser realizado de modo privativo ou não privativo, sendo esse exercido independentemente de concessão ou autorização estatal.

Tais classificações auxiliam nas seguintes questões: quando é dever do Estado prestar serviço público? Para Grau, a prestação de serviço público pelo Estado é impositiva quando se está diante de interesse social, que é definido pela Constituição e relativo à existência e desenvolvimento da sociedade. E, quando se autoriza o Estado a explorar diretamente a atividade econômica? No entendimento do Autor, com fundamento no art. 173 da Constituição, por imperativo da segurança nacional e relevante interesse coletivo.

Digno de nota, igualmente, é a conceituação empregada por Celso Antonio Bandeira de Mello:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo[iv].

Importa ainda destacar que serviço público é umbilicalmente ligado à políticas públicas, vale dizer, a eficiente delimitação, planejamento e concretização de políticas públicas, na mais diversas áreas (saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, transporte, jurisdição, etc., etc., etc.) possibilita a maximização e eficientização de um serviço que impõe se deva ser prestado à sociedade (caráter social do serviço público).

Em tempos de “comemoração” dos 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, imperativo reavivar os seus fundamentos, dentre os quais é oportuno mencionar, particularmente ao tema do presente texto, a redação dos seguintes enunciados[v]:

Artigo 8

Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo  10

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo 21

Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 

Artigo 22

Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo 25

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 

Artigo 26

Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 

A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 

 

A escorreita conceituação de serviço público, além de, principalmente demonstrar as áreas em que a Administração Pública tem o dever de o prestar, tem reflexos em outras áreas, como, por exemplo, no direito tributário, no sentido de diferenciar mercadoria de serviço público, para o fim de configurar o fato gerador do tributo.

Em diversas oportunidades o Supremo Tribunal Federal se pronunciou sobre tal situação, podendo se destacar as ADI’s 567 e 2224 e o Tema 326 de Repercussão Geral, definido no julgamento do RE 607.056[vi], em que se debateu sobre ser o uso da água encanada fato gerador do ICMS. A tese do Tema 326 foi assim redigida: “O ICMS não incide sobre o fornecimento de água tratada por concessionária de serviço público, dado que esse serviço não caracteriza uma operação de circulação de mercadoria”.

A Lei Federal n. 13.460/2017, constata-se, passou longe de expor um conceito que poderia albergar as variáveis existentes sobre serviços públicos, se é que isso é possível e recomendável para um texto legal.

Por fim, é evidente que o título utilizado para o presente trabalho é provocativo e não tem o condão, no diminuto espaço de uma Coluna semanal, de trazer o conceito de serviço público, as teorias e ideias a seu respeito. O intento, aqui, é apenas de demonstrar a complexidade do tema e de sua singela e limitada disciplina na recente Lei 13.460/2017.

 

 

Notas e Referências

[i] Direito Administrativo, 4. ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1995, p. 208.

[ii] A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 17. ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2015 p. 126.

[iii] A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 17. ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2015, p. 131-132.

[iv] Curso de Direito Administrativo, 17. ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2004, p. 620.

[v] Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.html. Acesso em 15.12.2018.

[vi] Relator(a):  Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 10/04/2013, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-091 DIVULG 15-05-2013 PUBLIC 16-05-2013.

 

 

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