O processo cautelar não morreu

15/05/2017

Por Pedro Roberto Donel – 15/05/2017

No regime processual anterior, ao menos no início, a tutela cautelar só poderia ser concedida em processo autônomo. O livro III inteiro era dedicado exclusivamente para sua teoria geral e enumerava as cautelares típicas. Somente em 2002 a Lei 10.444 acrescentou o § 7º ao artigo 273 permitindo a fungibilidade das tutelas antecipadas e cautelares e a partir de então se passou a admitir seu requerimento e concessão de forma incidental. Já a tutela antecipada, introduzida no sistema anterior em 1994 pela Lei 8.962, só poderia ser requerida de forma incidental e não possuía, portanto, autonomia.

No CPC de 2015 a tutela cautelar é espécie da tutela de urgência, que por sua vez é subgênero – o outro subgênero é tutela de evidência - da tutela provisória. São apenas 17 artigos (CPC, artigos 294 a 311) tratando do tema. No artigo 301 o CPC exemplifica as tutela de urgência de natureza cautelar: “arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem.” Diz ainda que a tutela cautelar pode ser efetivada mediante “qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.”

Os artigos 305 a 310 tratam do procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, ou seja, de forma autônoma, numa fase que antecede ao procedimento comum.

Com o caráter antecedente da tutela cautelar, o legislador possibilitou que a parte possa iniciar a ação apenas com o pedido de segurança, bastando indicar a pretensão resistida e qual seu fundamento, expor de forma sumária o direito que objetiva acautelar, ou seja, a fumaça do bom direito e o perigo da demora (CPC, art. 305), observando ainda os requisitos da petição inicial previstos no artigo 319 do CPC.

Na sequência, o réu será citado para contestar o pedido cautelar, no prazo de cinco dias, indicando as provas que pretende produzir (CPC, 306), cujo prazo é o mesmo do processo cautelar autônomo do CPC de 1973 (art. 803). Contestado o pedido no prazo legal, o processo seguirá normalmente pelo procedimento comum, produzindo às partes as provas admitidas em direito em relação ao mérito cautelar (CPC, art. 307, § único). Em caso de revelia em relação ao pedido cautelar “os fatos alegados pelo autor presumir-se-ão aceitos pelo réu como ocorridos, caso em que o juiz decidirá dentro de 5 (cinco) dias.” (CPC, art. 307).  Trata-se de decisão interlocutório de mérito que se restringirá a averiguar se estão presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora a autorizar a tutela cautelar, agora de forma definitiva. A decisão que põe fim a fase preliminar do processo tratando apenas da tutela cautelar desafia agravo de instrumento, por se tratar de decisão meritória (CPC, 1.015, II).

Após a efetivação da tutela cautelar, o autor deverá formular o pedido principal em até 30 dias – mesma regra do sistema anterior (CPC de 1973 – art. 806) -  nos mesmos autos, sem precisar pagar novas custas (CPC, 308), podendo aditar a causa de pedir. Apresentado o pedido principal, o processo segue o rito comum, com designação de audiência para autocomposição do litígio, que caso infrutífera obrigará o réu a apresentar contestação no prazo de quinze dias a contar da audiência (CPC, 308, § 3º e 4º), agora para discutir o direito de fundo.

A grande novidade, portanto, do CPC de 2015 foi a eliminação do livro III do CPC de 1973 que tratava apenas dos processos cautelares e seus quase 100 artigos, mas, ao mesmo tempo, possibilitou a sobrevivência do processo cautelar autônomo, agora numa fase preliminar do processo comum.

Desta forma, não é correto dizer que no sistema processual atual não existe mais o processo cautelar autônomo. Ele continua vivo, com a diferença que se desenvolve numa fase preliminar do processo comum, mas mantém intacta sua pureza, com a possibilidade inclusive de contestação exclusiva do mérito cautelar, qual seja a fumaça do bom direito e o perigo da demora, quando então o juiz está autorizado a decidir de forma definitiva sobre a tutela cautelar. É dizer que a tutela cautelar pode ser concedida de forma provisória, liminarmente, e definitiva, após a contestação ou a revelia, num processo cautelar que nasce autônomo e trata exclusivamente da tutela cautelar para posteriormente ser emendado com o pedido principal de tutela satisfativa, quando então assumirá as feições do procedimento comum, com a citação do réu para audiência de autocomposição, momento a partir do qual, começa a fluir o prazo para contestação da questão de fundo.

Da mesma forma que o sistema permite a existência da tutela cautelar autônoma, numa fase preliminar do procedimento comum, também o faz em relação a tutela antecipada, cuja previsão está nos artigos 303 e 304 do CPC, com a possibilidade, neste caso de tutela satisfativa, de estabilização e extinção do feito, acaso o réu não oponha nenhuma impugnação contra o deferimento da liminar. Entretanto, tal questão é matéria que foge ao âmbito do presente artigo.

Portanto, a tutela provisória de urgência cautelar pode ser requerida de forma autônoma ou incidentalmente, assim como a tutela antecipada, antes de se iniciar a discussão da tutela definitiva, o que caracteriza uma novidade no sistema processual brasileiro.


Pedro Roberto Donel. Pedro Roberto Donel é Especialista em Processo Civil, mestrando em ciências Jurídica Pela Univali, Professor de graduação e pós graduação em Processo Civil na ACE/FGG, conselheiro Estadual da OAB/SC . E-mail: donel@terra.com.br . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito. 


 

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