O Princípio Licitatório da Vantajosidade nas Contratações Públicas: necessidade urgente de uma releitura à luz do Princípio da Sustentabilidade

28/10/2016

Por Thiago Freitas – 28/10/2016

O art. 1º da Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010, que foi o resultado da conversão em lei da Medida Provisória nº 495 de 19 de julho de 2010, introduziu no ordenamento jurídico pátrio, mais especificamente no art. 3º da Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações), o princípio do desenvolvimento sustentável como uma das finalidades da licitação.

Quanto ao desenvolvimento sustentável ser uma finalidade da licitação trata-se, no nosso sentir, de um erro do legislador, tendo em vista que que este tipo de desenvolvimento é uma das finalidades da contratação pública. A licitação é mero procedimento administrativo ao passo que a contratação vai muito mais além.

A contratação pública visa à satisfação de necessidades imediatas e mediatas da Administração Pública. As necessidades imediatas estão relacionadas com a aquisição de bens ou serviços para suprir as necessidades mais prementes e corriqueiras do serviço público (compra de material de expediente, contratação de serviços de limpeza e vigilância, etc.). As necessidades mediatas estão relacionadas com a consecução de políticas públicas de maior espectro[1] como, por exemplo, saúde, educação e segurança pública.

A contratação é um dos instrumentos que o Estado tem para intervir na economia, já que a Administração Pública, se considerada como um todo, é o maior comprador no Brasil despendendo anualmente bilhões de reais em aquisições.

Quanto à questão dos contratos, que são feitos com o intuito de formalizar a contratação pública, como instrumento de intervenção na economia brasileira, Eros Grau afirma que:

Os contratos, então, se transformam em condutos de ordenação dos mercados, impactados por normas jurídicas que não se contêm nos limites do Direito Civil: preceitos que instrumentam a intervenção do Estado sobre o domínio econômico, na busca de soluções de desenvolvimento e justiça social, passam a ser sobre eles apostos[2].

Ante o exposto é lícito concluir que as contratações públicas podem ser utilizadas como um verdadeiro instrumento de política pública de intervenção estatal na economia para a consecução de necessidade mediatas da Administração Pública.

Mas como seria então um exemplo de contratação pública sustentável, tendo em vista uma releitura do princípio da vantajosidade sob a ótica e a influência do princípio da sustentabilidade?

De forma hipotética pode-se citar a título de exemplo a construção de um edifício para albergar três entidades estatais. A primeira delas tem como objetivo fomentar as atividades das microempresas e das empresas de pequeno porte. Há também uma agência reguladora que visa a defender a livre concorrência. Por fim a terceira dela é uma Fundação de Proteção ao Meio Ambiente.

Esse prédio foi construído em uma área que estava a sofrer riscos ambientais e sociais muitos grandes. Apesar de estar bem conectado com o serviço de transporte público, o terreno, que não estava sendo utilizado pela Administração Pública, era um foco de doenças, tendo em vista que a única empresa de remoção de lixo hospitalar da cidade e diversas outras de recolhimento de entulho lançavam clandestinamente no período noturno os seus resíduos no referido terreno. Soma-se a esta questão ambiental o fato de que diversas pessoas estavam remexendo os resíduos em busca de algo que pudessem vender para auferir uma pequena renda, não raro adquirindo doenças graves e que o respectivo tratamento de saúde era muito caro para os cofres públicos.

Pois bem, a solução sustentável para a resolução desse caso hipotético seria fazer o devido recolhimento dos resíduos e enviá-los para um local adequado para recebê-los. No que tange à licitação para a construção do novo edifício, tanto o projeto básico quanto o projeto executivo devem contemplar aspectos que levem em conta tanto os custos diretos como os indiretos, por exemplo, de nada adianta fazer um telhado muito barato, mas que seja feito de um material que não garanta o isolamento térmico, visto que os gastos posteriores com refrigeração e calefação seriam enormes. Também é salutar incluir um sistema de aproveitamento solar e da água da chuva, dentre muitos outros aspectos técnicos.

Depois da construção do prédio aquela área tenderia a desenvolver uma atividade comercial muito grande em virtude da quantidade de servidores públicos que foram trabalhar naquelas entidades, gerando, assim diversos empregos diretos e indiretos. Foram construídas também no mesmo terreno algumas praças que são usadas todos os dias pela comunidade para atividades culturais e de lazer.

E para finalizar a agência de proteção à livre concorrência que foi aberta naquele edifício descobriu que a empresa de remoção de lixo hospitalar era a única da cidade, pois praticava dumping. É notório que uma parte substancial do custo que uma empresa desse ramo de atividade tem está ligado com as despesas para o devido descarte dos resíduos em local adequado. Como a empresa não tinha esse custo, já que lançava o lixo hospitalar no terreno público, todas as outras empresas do ramo da região foram à falência. Mediante a atividade fiscalizatória da agência reguladora foi detectada a prática de dumping e a empresa foi autuado e, posteriormente, multada. Teve ela, então, que sair do mercado, o que acabou por abrir espaço para novas empresas que, com a eficiente atividade regulatória, começaram a trabalhar conforme os requisitos da legislação, ou seja, depositavam os resíduos em locais adequados.

Como se pode notar no exemplo hipotético apresentado acima, uma solução sustentável não pode contemplar apenas uma das dimensões do princípio da sustentabilidade, mas todas as três. Tem que se observar sim a questão ambiental (economia de água e energia, utilização de materiais em que o descarte seja mais ecológico, utilização de produtos não poluentes, etc.), todavia os aspectos referentes à dimensão social (criação de emprego, mobilidade urbana, fomento de atividades culturais, etc.) e também à econômica (proteção da livre concorrência, livre iniciativa, regulação dos mercados, equilíbrio orçamentário etc.) devem ser implementados também. Uma das características mais importantes do princípio da sustentabilidade é a capacidade que ele tem de gerar sinergias entres as três dimensões com o objetivo de tentar chegar a um estado de homeostase.

Caso seja implementada uma determinada compra para resolver um problema e esta só levar em conta uma das dimensões do princípio da sustentabilidade não pode ser considerada sustentável e muito provavelmente vá enfrentar problemas no futuro.

Uma compra sustentável tem que vislumbrar o projeto como um todo e levar em conta tanto seus custos diretos como também os indiretos. A contratação pública sustentável não se preocupa apenas com o presente, mas está, também, com o olhar no futuro[3]. De que adianta comprar por um preço relativamente baixo um produto que tem um custo enorme de descarte? É sustentável comprar de uma empresa que vende seu produto a preços muito baixos, mas que emprega mão-de-obra escrava? Qual é a vantagem de adquirir produtos de uma empresa que até vende o produto, inicialmente, com preços muito baixos, mas que, por isso, acaba com concorrência na região e, como fornecedora exclusiva começa a cobrar preços muitos altos por não ter nenhum empresa que possa competir com ela?

Ante o exposto é forçoso concordar com o posicionamento do administrativista Juarez Freitas sobre como deve ser considerada a proposta mais vantajosa (o que se pode denominar também de vantajosidade sustentável à luz da revisão que se propõe neste artigo) pela Administração Pública e de como se devem ser avaliados custos diretos e indiretos nas contratações públicas:

Nessa chave, nas licitações e contratações administrativas, força assumir que a proposta mais vantajosa será sempre aquela que, entre outros aspectos a serem contemplados, apresenta-se a mais apta a causar, direta ou indiretamente o menor impacto negativo e, simultaneamente, os maiores benefícios econômicos, sociais e ambientais. Por esse prisma, o sistema de avaliação de custos, sob pena de violação flagrante do princípio constitucional em apreço, terá de ser reformulado e incluir os custos indiretos, no intuito de estimar os dispêndios futuros a serem efetuados em função dos previsíveis impactos sistêmicos das decisões administrativas tomadas e dos riscos assumidos. Ou seja, antes de licitar, não se podem ignorar, candidamente, os custos ambientais, sociais e econômicos de cada escolha administrativa[4].

Em suma, o que se quis demonstrar com os argumentos acima expostos foi que o princípio da vantajosidade deve ser repensado à luz do princípio da sustentabilidade, ou seja, não há mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro para pensar a vantajosidade ligada única e tão somente ao preço mais baixo na licitação. Há que se levar em conta outras situações que possam impactar nas contratações públicas e, também, a que se considerar vantagens, principalmente de ordem social e ambiental.

Conclusão

O princípio da sustentabilidade ganhou bastante relevância no ordenamento jurídico brasileiro. Tal fato pode ser percebido pela legislação de licitações e contratações públicas que sofreu no ano de 2010 ajustes para que fosse incluído o termo “desenvolvimento sustentável” como uma das finalidades da licitação.

Tendo em vista esta situação há que se harmonizar e fazer uma revisão do princípio licitatório da vantajosidade à luz do princípio da sustentabilidade. A tradição jurídica brasileira muitas vezes confundia a melhor proposta como o menor preço, o que, na verdade, pode-se revelar um grande engano.

A nova vantajosidade ou a vantajosidade sustentável é o novo paradigma que deve guiar as contratações públicas.

Tal princípio deve ter como premissas diferenciar fornecedores, mercadorias e serviços, levando em conta tanto os custos diretos como os indiretos, que causam menor impacto negativo e trazem os maiores benefícios em termos ambientais, econômicos e sociais[5].

Tratar todos os licitantes de forma igual ou pensar apenas no menor preço faria com que diversos aspectos de cunho ambiental e social sejam olvidados e, com isso, é possível que distorções muito graves aconteçam. Sob este quadro a nova vantajosidade parece ser inexorável.


Notas e Referências:

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Desenvolvimento nacional sustentado: contratações administrativas e o regime introduzido pela lei nº 12.349 de 19 de julho de 2010.  Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 50, abr. 2011. Disponível em: <http://www.justen.com.br//informativo.php?&informativo=50&artigo=528&l=pt>. Acesso em: 20 out. 2011.

[2] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 93-94.

[3] FREITAS, Thiago Pereira de. Sustentabilidade e as Contratações Públicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.p.149.

[4] FREITAS, Juarez. Princípio da Sustentabilidade: licitações e a redefinição da proposta mais vantajosa. Revista de Direito da UNISC, Santa Cruz nº 38, jul-dez 2012, p. 78.

[5] FREITAS, Juarez. Princípio da Sustentabilidade: licitações e a redefinição da proposta mais vantajosa. Revista de Direito da UNISC, Santa Cruz nº 38, jul-dez 2012, p. 78.


thiago-freitasThiago Freitas é Advogado. Mestre em Direito pela Universidade de Alicante (2013) e em Ciência Jurídica pela UNIVALI (2013). Possui graduação em Direito pela UNIVALI (2009) e em Administração pela Universidade de Brasília (2003). Pós-graduado em nível de especialização em Filosofia também pela Universidade de Brasília (2004) e em Direito Público pela UNISUL (2009). Ocupa desde 2007 o cargo de Auditor Interno do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina. Membro da Comissão de Licitações da OAB/SC desde 2013.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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